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Degradação florestal supera desmatamento na Amazônia brasileira, mostra estudo

Análise de imagens de satélite entre 1992 e 2014 indicam também que, geograficamente, áreas degradadas estão emergindo em novas regiões; pesquisa é de cientistas brasileiros e dos EUA

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Por Ludimila Honorato
Atualização:

Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e americanos mostra que a área da Amazônia brasileira afetada por degradação florestal é maior do que a área desmatada. Os resultados, publicados nesta quinta-feira, 10, na revista Science, indicam que a área total de floresta degradada foi de 337.427 quilômetros quadrados entre 1992 e 2014, ante 308.311 quilômetros quadrados desmatados no mesmo período. Geograficamente, essas regiões degradadas estão dispersas por novas fronteiras, não relacionadas ao tradicional arco do desmatamento.

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Entende-se por degradação florestal a perda da biomassa (matéria orgânica) devido a diferentes atividades predatórias, mas sem que a área seja convertida para um novo uso, como ocorre com o desmate. Neste último caso, o local pode ser utilizado para atividades pecuária e agrícola, por exemplo. A pesquisa destaca que as novas descobertas têm implicações para as emissões de gases do efeito estufa, perda da biodiversidade e aumento da incidência de doenças infecciosas.

Por meio de imagens de satélite, pesquisadores da Universidade de Brasília, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e Universidade do Estado do Michigan, nos Estados Unidos, fizeram uma avaliação espacial e quantificada da Amazônia brasileira. A partir dos anos 2000, expedições de campo também foram realizadas para observar os diferentes fenômenos de ocupação e uso das terras, além de documentar os diferentes tipos de degradação.

Ao iniciar o estudo há duas décadas, a hipótese era de que a degradação florestal, também chamada de florestas impactadas, era uma etapa da conversão de florestas em áreas desmatadas para fins diversos da agricultura e pecuária, explica Eraldo Matricardi, professor do Departamento de Engenharia Florestal da UnB e um dos autores da pesquisa. Outra observação que eles esperavam era que, uma vez impactada, a floresta ficasse mais vulnerável ao fogo.

Desmatamento ilegal na Amazônia é um 'ruído' na transformação ambiental do Brasil, dizem empresários. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

“No campo, observamos que as florestas impactadas por extração seletiva e outras submetidas ao chamado efeito borda e à fragmentação realmente tendem a ser mais vulneráveis ao fogo. Entretanto, nossos dados indicam que as florestas podem queimar independente desta condição, devido especialmente a fatores climáticos associados a atividades humanas”, diz o pesquisador.

Ele comenta que as áreas afetadas por alguma atividade humana passaram a ser mais frequentes na paisagem a partir da década de 2000. “Uma das nossas conclusões é de que os fenômenos de desmatamento e degradação florestal ficaram desassociados espacialmente na Amazônia.”

Foram analisados seis tipos de atividades consideradas como perturbação florestal: desmatamento, extração seletiva de madeira, incêndios de vegetação rasteira em florestas intactas, incêndios em áreas de extração, efeitos de borda de floresta vizinha a áreas desmatadas (zonas de transição) e fragmentos de floresta isolados criados pelo desmatamento.

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No geral, a taxa anual de todos os tipos de degradação diminuiu ao longo da série temporal, de um pico de 44.075 km² para 14.625 km². Porém, entre 2006 e 2010, as taxas médias anuais de degradação florestal por extração madeireira e queimadas eram aproximadamente iguais às de desmatamento e foram quase três vezes maior em 2014.

Os pesquisadores observam que a degradação é mais difícil de medir e monitorar do que o desmate, porque atividades como queimadas, extração seletiva de madeira e fragmentação florestal são dificilmente detectadas sob uma cobertura existente. Mas o estudo mostrou que 40% de toda a floresta degradada teve como fator a extração madeireira intensa e as queimadas; os outros 60% estão relacionados aos efeitos de bordas e fragmentação.

Pesquisa identifica degradação recorrente e em novas áreas

Diferente do desmate, a análise das imagens mostrou que a degradação pode ocorrer novamente com frequências variadas na mesma localidade, às vezes muitos anos depois. Em 2014, a ocorrência simultânea espacial de diferentes fatores de degradação foi muito baixo, algo considerado inesperado pelos pesquisadores.

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“Ao longo da Amazônia brasileira, é comum ter a ocorrência de todos os quatro tipos de degradação, mas não há evidências de que eles se sobrepõem de forma significativa, uma descoberta que tem implicações para a intensidade da degradação e nosso entendimento da interação entre os fatores”, comentam os cientistas no estudo.

A pesquisa também identificou o aparecimento de novas áreas de degradação florestal. Os autores explicam que, geralmente, a degradação é mais espacialmente dispersa ao longo da paisagem do que o desmate, que fica concentrado no arco do desmatamento ao longo das interfaces leste e sul da floresta, junto ao Cerrado.

“Há zonas concentradas de alta degradação perto de áreas antigas de desmatamento, mas a degradação está emergindo também no oeste da Amazônia, principalmente por novas extrações madeireiras”, dizem os pesquisadores. Eles acreditam que essas regiões novas e em expansão “provavelmente serão dominantes no futuro”.

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“Essas atividades humanas tiveram uma ampliação da sua abrangência espacial, provavelmente como resultado da busca por áreas com maior potencial de matéria-prima para a indústria florestal, com foco em espécies normalmente encontradas em florestas ainda intocadas”, diz o professor Matricardi sobre a criação dessas novas áreas impactadas. Ele acrescenta que muitas áreas florestadas foram exploradas e sofreram impactos, mas permaneceram em pé, criando a impressão de que continuavam intactas.

Conter extração de madeira e queimadas ainda é desafio para poder público

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De acordo com o estudo, as políticas nacionais brasileiras para reduzir as taxas de desmatamento tiveram efeito no período analisado, mas elas tiveram mínimo efeito para conter a degradação provocada por extração madeireira e queimadas. Mais do que isso, levaram a uma situação mais persistente e duradoura.

“Com a situação atual da política ou um retorno às políticas que ignoram a degradação, a taxa e a extensão da degradação florestal provavelmente aumentarão no futuro em resposta às forças do mercado e ao estabelecimento de uma infraestrutura separada para o setor madeireiro para extração, processamento e transporte”, dizem os autores.

Nos últimos anos, o avanço do desmatamento na floresta acendeu o alerta de pesquisadores e também de fundos de investimento. Em um ano, os alertas de desmate no bioma aumentaram 34,5%, conforme os dados mais recentes do monitoramento oficial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Já o número de incêndios na Amazônia em agosto, também segundo o Inpe, foi o segundo maior para a floresta em dez anos. 

“Tradicionalmente, apenas o desmatamento ficou submetido a mecanismos mais estritos de comando e controle, enquanto que as atividades degradadoras receberam menos atenção e foram, até certo ponto, toleradas. O que nosso estudo mostra é que tanto o desmatamento como a degradação precisam ser tratados por mecanismos governamentais que visam disciplinar ou até inibir a exploração das riquezas naturais existentes na Amazônia”, comenta Matricardi.

O professor da UnB reconhece que a pesquisa trouxe uma quebra de paradigma ao apontar que nem toda floresta impactada ou explorada vai ser necessariamente queimada e desmatada. “É um avanço do ponto de vista ambiental.” Porém, ele ressalta que, segundo os dados, a saúde das florestas remanescentes não é a mesma da de áreas de florestas na Amazônia que ainda não foram alvo de nenhum tipo de atividade de exploração. “Há mais influência das atividades econômicas sobre a Amazônia do que realmente tem sido considerado quando se foca apenas nos dados de desmatamento.”

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Controlar essas atividades é importante para o “potencial de redução dos serviços prestados pelas florestas tropicais, o que terá implicações não apenas para o Brasil, mas para o planeta, na medida em que a Amazônia joga um papel importante no controle climático da Terra", diz. “Não bastará mais, por exemplo, falar em zerar o desmatamento, pois também haverá de se cuidar para diminuir a intensidade do processo de degradação ou impactos na floresta nativa”, afirma Matricardi.

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