
Estudos mostram que mais de 90% do desmatamento no Brasil é realizado ilegalmente Dida Sampaio/ Estadão
Estadão teve acesso exclusivo à carta elaborada por aliança entre setores, a mesma que apresentou ao governo federal um conjunto de seis propostas para deter o desmate na Amazônia; grupo tem 262 representantes
Atualizado
Estudos mostram que mais de 90% do desmatamento no Brasil é realizado ilegalmente Dida Sampaio/ Estadão
BRASÍLIA - A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento composto por 262 representantes ligados às áreas do meio ambiente, agronegócio, setor financeiro e academia, enxerga no governo brasileiro um dos principais responsáveis pela criminalidade que domina o mercado de madeira no País, dada a fragilidade das fiscalizações que o poder público realiza no setor.
O Estadão teve acesso exclusivo a uma carta elaborada pela coalizão, a mesma que, em setembro, apresentou ao governo federal um conjunto de seis propostas para deter o desmatamento na Amazônia. O novo documento será encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro e ao vice-presidente Hamilton Mourão, além dos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente, Economia e Ciência e Tecnologia. As propostas chegarão ainda às mãos de líderes e parlamentares da Câmara e do Senado, ao Parlamento Europeu e embaixadas de países europeus.
No documento, os representantes lembram que estudos recentes mostram que mais de 90% do desmatamento no País é realizado ilegalmente e que a exploração florestal tem índices parecidos. O maior obstáculo para mudar a realidade do setor, afirmam, “é a insegurança jurídica causada pela falta de fiscalização e comando e controle pelo Estado”.
“Nesse cenário de ilegalidade, o Brasil perde uma enorme oportunidade, não apenas de garantir um ambiente de negócios no qual a lei é de fato aplicada, mas de promover uma economia que gere benefícios muito além do econômico, como, por exemplo, os modelos de concessão florestal, que viabilizam a produção de madeira enquanto preservam a cobertura vegetal e geram empregos verdes” declaram as instituições e empresas.
“O Brasil só vencerá o comércio ilegal de madeira se todos assumirem sua responsabilidade. É preciso destacar o papel crucial do poder publico, já que empresas e investidores não têm – e nem deveriam ter – poder de polícia para lidar com invasões, roubo de madeira e outras ilicitudes que contaminam a cadeia de produção, atingindo os mercados nacional e internacional, e ainda reforçam outras atividades ilegais”, declara a coalizão.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reúne nomes da área ambiental como WWF Brasil, WRI Brasil, TNC, Imazon e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Do lado empresarial do agronegócio e da indústria estão companhias como JBS, Klabin, Marfrig, Amaggi, Basf, Danone, Natura e Unilever. Como define a própria coalizão, o grupo é “um dos raros foros de diálogo entre o agronegócio e ambientalistas”.
Neste novo documento, o grupo declara que, além do impacto ambiental e do prejuízo fiscal, a ilegalidade impune gera concorrência desleal para aqueles que operam dentro da lei. Ainda assim, a coalizão afirma que “vê com esperança a manifestação de diversas vozes da sociedade que têm vindo a público externar sua preocupação e compromisso com a sustentabilidade”.
“O Brasil dispõe de conhecimento, informações e experiência suficientes para eliminar a ilegalidade de sua produção e ir além. Mas isso só será possível quando todos os setores, públicos e privados, integrarem esforços, cooperarem e colaborarem neste objetivo e assumirem sua responsabilidade neste desafio”, declaram. “A preocupação com esse cenário, infelizmente, não é nova. Há décadas a ilegalidade é uma das principais causas da violência no campo e de um ambiente avesso aos negócios e à atração de capitais. No entanto, com o aumento observado nos últimos anos nas taxas de desmatamento, o combate ao crime é hoje ainda mais urgente.”
Procurado, o governo não se manifestou até o momento.
“19 de novembro de 2020 – Entre as bandeiras da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento composto por mais de 250 representantes do agronegócio, sociedade civil, setor financeiro e academia, está o combate à ilegalidade nas atividades rurais, incluindo o desmatamento e a exploração florestal predatória.
Estudos recentes mostram que mais de 90% do desmatamento no país é realizado ilegalmente e a exploração florestal possui índices parecidos. Além do impacto ambiental e do prejuízo fiscal, a ilegalidade impune gera concorrência desleal para aqueles que operam dentro da lei.
Nesse cenário o Brasil perde uma enorme oportunidade, não apenas de garantir um ambiente de negócios no qual a lei é de fato aplicada, mas de promover uma economia que gere benefícios muito além do econômico, como, por exemplo, os modelos de concessão florestal, que viabilizam a produção de madeira enquanto preservam a cobertura vegetal e geram empregos verdes.
Mas o maior obstáculo a esse modelo é, justamente, a insegurança jurídica causada pela falta de fiscalização e comando e controle pelo Estado. Outros modelos que aliam conservação e produção de madeira tropical são a silvicultura de espécies nativas e os sistemas agroflorestais, que ainda precisam de um olhar especial para ganharem escala.
A preocupação com esse cenário, infelizmente, não é nova. Há décadas a ilegalidade é uma das principais causas da violência no campo e de um ambiente avesso aos negócios e à atração de capitais. No entanto, com o aumento observado nos últimos anos nas taxas de desmatamento, o combate ao crime é hoje ainda mais urgente.
A maior parte da madeira brasileira é consumida no país. Segundo o Imaflora, os estados brasileiros consumiram, em 2018, 91% de toda madeira produzida na Amazônia. Os principais estados produtores são MT, PA e RO, sendo que a maior parte da madeira do MT e RO abastecem as regiões Sul e Sudeste, enquanto o Pará atende boa parte da região Nordeste.
Nenhuma parte das cadeias de produção, dentro e fora do país, poderá se declarar livre do problema da ilegalidade, seja ela uma empresa, comércio, consumidor e, obviamente, o governo. Se, juntas, essas partes apostarem em uma solução e atuação conjunta, todos ganham. Mas basta um desses elos não cumprir com seu papel que todos perdem.
Por isso, a Coalizão Brasil vê com esperança a manifestação de diversas vozes da sociedade que têm vindo a público externar sua preocupação e compromisso com a sustentabilidade. No entanto, é preciso destacar o papel crucial do poder publico, já que empresas e investidores não têm – e nem deveriam ter – poder de polícia para lidar com invasões, roubo de madeira e outras ilicitudes que contaminam a cadeia de produção, atingindo os mercados nacional e internacional e reforçando outras atividades ilegais.
Identificar a origem dos produtos brasileiros e buscar ferramentas de rastreabilidade são desafios diários do setor privado, governo e da sociedade civil que precisam ser acompanhados da completa transparência de dados, tecnologia para melhor aproveitamento e produtividade (plantio, extração, serraria, uso etc.), desenvolvimento de mercado, diversificação dos usos e tipos de madeira, além de mecanismos inovadores para financiamento da cadeia da madeira.
O Brasil dispõe de conhecimento, informações e experiência suficientes para eliminar imediatamente a ilegalidade de sua produção e ir além. Mas isso só será possível quando todos os setores, públicos e privados, integrarem esforços, cooperarem e assumirem sua responsabilidade neste desafio.”
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19 de novembro de 2020 | 14h00
BRASÍLIA – O embaixador da Dinamarca no Brasil, Nicolai Prytz, disse que ficou surpreso com a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, de que países – como a Dinamarca – têm atuado como “receptadores” de madeira extraída ilegalmente da Amazônia. Prytz, que não recebeu nenhum tipo de informação oficial do governo brasileiro sobre a acusação do presidente, afirmou, em entrevista ao Estadão, que não se pode culpar nações inteiras por crimes, que esse tipo de situação, se de fato existir, estaria restrita a empresas e que o governo de seu país seria o primeiro a colaborar em investigações, caso fosse acionado.
“Se esses casos existem, nós desconhecemos qualquer um deles que esteja em questão. Mas se ele existe, se tiver alguma alegação substancial sobre um crime supostamente cometido, seria a ocasião de as autoridades brasileiras, pelos canais já estabelecidos, contatarem as autoridades da Dinamarca para ver esse assunto. É assim que funciona, e isso vale para qualquer matéria, não só sobre um crime com madeira, mas qualquer outro assunto”, disse o embaixador.
Ipê, mogno e jacarandá: o sonho de consumo do mercado internacional de madeira brasileira
Na terça-feira, 17, o presidente Jair Bolsonaro voltou a afirmar que revelará "nos próximos dias" a lista dos países que compram madeira ilegal da Amazônia. Em discurso na cúpula do Brics, Bolsonaro afirmou que o País sofre com "injustificáveis ataques" em relação à região amazônica e ressaltou que algumas nações que criticam o Brasil também importam madeira brasileira ilegalmente da Amazônia.
"Revelaremos nos próximos dias os nomes dos países que importam essa madeira ilegal nossa através da imensidão que é a região amazônica", declarou, em sua participação no encontro do grupo de países que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. "Porque, daí, sim, estaremos mostrando que estes países, alguns deles que muitos nos criticam, em parte têm responsabilidade nessa questão", disse.
Em imagens de pequenos discos de madeira feitos pela Polícia Federal e divulgadas por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como os “receptadores” de madeira ilegal, o nome da Dinamarca aparece entre outros, como Reino Unido, Holanda, Bélgica, França e Portugal. Bolsonaro também já mencionou a Dinamarca entre supostos compradores de material ilegal.
Nicolai Prytz, que representa o país de 5,8 milhões de habitantes, disse que a Dinamarca é a maior interessada em apurar supostas irregularidades. “Não se culpa países por importação ilegal de madeira. A importação de madeira ilegal é crime, não só na Dinamarca, mas em toda a Europa. Temos todo interesse em investigar qualquer coisa, à medida que houver algum fundamento nisso”, afirmou.
O embaixador afirmou que, apesar das menções diretas ao país que representa, ainda não tomou nenhuma medida a respeito, porque as citações, por enquanto, são vagas e feitas por “mídias sociais”, além de não haver nenhum comunicado oficial sobre irregularidades. “É lógico que chama a atenção quando o presidente de um país menciona a Dinamarca como um país que comete algum crime, mas a gente não reage a afirmações feitas por mídias sociais. Precisamos de um pouco mais de sustância para atuar. Por isso, falo que o caminho certo é a transparência para fundamentar as acusações e, assim, encaminhar às autoridades dinamarquesas. Tenho certeza de que nossas autoridades colaborariam para esclarecer se algo aconteceu ou não”, disse.
Prytz diz que desconhece relações ilegais com empresas brasileiras e defende os importadores estrangeiros. “Se existe uma falta de controle ou fraude no Brasil, isso não posso afirmar, não sei, mas eu acredito, e não tenho motivos para pensar de outra forma, que as empresas que importam do Brasil atuam de boa fé, fazem a diligência que podem fazer sobre a origem do que compram. É assim que funciona o negócio deles.”
A importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países. Dados compilados pela área técnica do Ibama obtidos pelo Estadão mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França, com 384 mil m³, seguido por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³). No total, o mercado legal de madeira exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais.
A lista traz ainda, em destaque, o Reino Unido (163 mil m³), Portugal (155 mil m³), Suíça (115 mil m³), República Dominicana (105 mil m³), Dinamarca (102 mil³) e Alemanha (87 mil m³). Em volumes históricos menores aparecem, nesta ordem, Japão, Itália, Espanha, Argentina, Uruguai, Canadá, Panamá, Suécia e Antilhas Holandesas.
Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal. Essa situação acontece por causa da forte informalidade e criminalidade que domina o mercado madeireiro no Brasil.
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19 de novembro de 2020 | 16h51
BRASÍLIA - O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quinta-feira, 19, que a relação de importadores de madeira ilegal da Amazônia é "uma questão de empresas", e não de países. A declaração vai, mais uma vez, na contramão do presidente Jair Bolsonaro, que prometeu revelar uma lista com os países que atuam como "receptadores" do produto extraído no País.
"Revelaremos nos próximos dias os nomes dos países que importam essa madeira ilegal nossa através da imensidão que é a região amazônica", disse Bolsonaro na ocasião, em reunião da cúpula do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Para Mourão, no entanto, Bolsonaro se referia a empresas. "É uma questão de empresas. O presidente deixou muito claro", afirmou para jornalista na chegada à vice-presidência na tarde desta quinta-feira, 19.
No encontro internacional, Bolsonaro se referiu aos países mais de uma vez, mas não mencionou empresas. O presidente citou que a Polícia Federal desenvolveu técnica que identifica o "DNA" da madeira e permite identificar a sua origem, e por isso era possível saber quais países compravam o produto. Uma falha técnica na transmissão da reunião fez o presidente repetir sua fala: "Estaremos revelando nos próximos dias, países que tenham importado madeira de forma ilegal da Amazônia, e alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo tocante a essa região Amazônica", disse na ocasião.
No mesmo dia, nas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, publicou ainda imagens com amostras de madeira feitas pela Polícia Federal. Nas fotos, é possível ver o nome de países como Dinamarca, Reino Unido, Holanda, Bélgica, França e Portugal.
Bolsonaro e Mourão tem dado declarações contraditórias nos últimos dias, o que causou um estremecimento na relação. Como revelou o Estadão, menos de 24 horas após terem acordado uma trégua, o presidente voltou a se incomodar após o vice afirmar que a vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos era "cada vez mais irreversível". O governo brasileiro é um dos únicos no mundo a não reconhecer a derrota de Donald Trump, de quem Bolsonaro é aliado.
Em entrevista ao Estadão, o embaixador da Dinamarca no Brasil, Nicolai Prytz, rebateu Bolsonaro ao dizer que "não se culpa países por importação ilegal de madeira" e que esse tipo de situação, se de fato existir, estaria restrita a empresas. "Mas se ele existe, se tiver alguma alegação substancial sobre um crime supostamente cometido, seria a ocasião de as autoridades brasileiras, pelos canais já estabelecidos, contatarem as autoridades da Dinamarca para ver esse assunto. É assim que funciona, e isso vale para qualquer matéria, não só sobre um crime com madeira, mas qualquer outro assunto”, disse o embaixador.
Hoje, ao amenizar a fala de Bolsonaro, Mourão disse que se trata de uma questão de "cooperação internacional". Ele afirmou que os dados sobre a madeira brasileira exportada já haviam sido apresentados para embaixadores durante a viagem coordenador pelo Conselho da Amazônia, colegiado presidido pelo vice-presidente.
"Isso já tinha sido informado de forma geral na nossa viagem para os embaixadores. Foi uma apresentação que o superintendente regional da Polícia Federal em Manaus fez", afirmou o vice-presidente.
Na ocasião, Mourão citou que o representante da União Europeia reagiu ao saber que parte das madeiras extraídas de forma ilegal iam para países da região, mas não entrou em mais detalhes. "O embaixador da União Europeia, óbvio, ele reagiu. Uma reação normal", disse.
Para os jornalistas nesta quinta-feira, Mourão disse ainda que desconhecia a medida do governo que flexibilizou exigências para exportação de madeira brasileira. O Estadão revelou que em março o Ibama acabou com as inspeções que eram feitas nos portos do País. O órgão suspendeu os efeitos de uma instrução normativa e, assim, eliminou a necessidade de uma autorização de exportação do Ibama. Uma guia de transporte estadual passou a valer no lugar de um documento do tipo.
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17 de novembro de 2020 | 15h23
BRASÍLIA – A preocupação que o presidente Jair Bolsonaro expõe agora com a exportação ilegal de madeira da Amazônia, prometendo à cúpula do Brics “revelar” os países que compram o produto brasileiro, não encontra respaldo em atos recentes do próprio governo, que flexibilizou a fiscalização nacional.
Em março deste ano, quando o Brasil entrava na pandemia do coronavírus, o Ibama acabou com as inspeções que eram feitas nos portos do País. Na ocasião, madeireiros do Pará parabenizaram o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, com uma “nota de agradecimento e esperança” do Centro das Indústrias do Pará (CIP), por ter liberado a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade dessa uma autorização específica.
Em cúpula do Brics, Bolsonaro diz que vai revelar países que compram madeira ilegal da Amazônia
Por meio de um “despacho interpretativo”, o Ibama suspendeu os efeitos de uma instrução normativa (15/2011) do próprio órgão. Com a decisão, os produtos florestais passaram a ser apenas acompanhados de um documento de origem florestal (DOF). Esse DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas para que a madeira seja levada até o porto, enquanto a instrução normativa previa autorização para a exportação em si.
Uma análise técnica do próprio Ibama aponta que o Código Florestal distingue a licença de transporte e armazenamento (DOF) da autorização de exportação. A instrução previa, por exemplo, inspeções por amostragem e outros controles para a exportação que o DOF não exige. Os madeireiros, no entanto, defenderam que a exigência daquela autorização específica teria “caducado”, porque teria sido revogada pela existência de outro recurso, o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que começou a ser implantado em 2014.
O presidente do Ibama entendeu que o argumento fazia sentido e que nem seria preciso revogar a instrução normativa de 2011, porque o próprio Sinaflor teria alterado as regras, “sendo suficiente para exportar o DOF exportação ou a Guia Florestal expedida pelos Estados-membros”. Na prática, uma guia de transporte estadual passou a valer no lugar de uma autorização de exportação do Ibama.
Em carta de 28 de fevereiro deste ano, o Centro das Indústrias do Pará afirmou que o presidente do Ibama “colocou em ordem as exportações de madeira” e criticou o Ibama.
O mercado brasileiro de madeira é, historicamente, marcado pela ilegalidade. Não há números precisos sobre a dimensão das atividades criminosas no setor, mas estima-se que até 90% das madeiras que vão para fora do País são fruto de extração irregular. O ipê, chamado de o novo “ouro da floresta”, é a madeira mais cobiçada.
Dentro daquilo que o Brasil consegue rastrear como operações legais no comércio de madeira, os dados apontam que 90% das derrubadas abastecem o mercado nacional, enquanto os demais 10% seguem para o exterior. Os Estados Unidos compram mais da metade do que o Brasil exporta atualmente, seguidos dos países europeus.
A ilegalidade das madeiras exportadas, na maioria dos casos, ocorre em processos internos no Brasil, com emissão e gerenciamento irregular de documentos. A venda de madeira ilegal para os Estados Unidos e a Europa envolve um mercado milionário, com a participação de agentes públicos e engenheiros florestais.
Apenas uma operação da Polícia Federal, em 2017, apreendeu 10 mil metros cúbicos de madeira, volume que, se fosse enfileirado, cobriria o percurso entre Brasília e Belém, no Pará (1,5 mil quilômetros).
Toda a carga ilegal estava sendo vendida por 63 empresas, que também passaram a ser investigadas. A madeira seria destinada para outros Estados brasileiros e também para exportação, a países da América do Norte, Ásia e da Europa.
A apreensão aconteceu no âmbito da Operação Arquimedes, após um alerta emitido pela Receita Federal e pelo Ibama, que constataram, naquela época, um aumento incomum do trânsito de madeira pelo porto Chibatão, em Manaus (AM).
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18 de novembro de 2020 | 16h53
BRASÍLIA – Na rota do mercado internacional de madeira, todos os olhos dos países estrangeiros estão voltados para três árvores nativas brasileiras: o ipê, o mogno e o jacarandá. Essas três espécies, que fazem parte da listas de árvores ameaçadas de extinção, encabeçam a lista das madeiras mais procuradas por outros países, devido à beleza e à qualidade de cada uma.
'Várias empresas estão envolvidas', diz procurador que desarticulou rede de venda ilegal de madeira
O Estadão obteve dados detalhados sobre quais são os produtos mais exportados pelo Brasil. As informações oficiais do Ibama mostram que, apesar do o mercado internacional consumir apenas 10% da produção de madeira brasileira – 90% tem como destino o consumidor nacional – é para o exterior que seguem as madeiras mais nobres.
Para se ter ideia, entre os anos de 2012 e 2017, 92% dos ipês que tombaram no Brasil foram enviados ao exterior, ficando apenas 8% para o consumo doméstico. O mesmo ocorreu com o mogno, que, hoje bem mais escasso na natureza, teve 90% de seu destino voltado a outros países. Na mesma toada está o jacarandá-violeta, com 91% de suas toras despachadas mundo afora. Em menor quantidade, mas também em volume representativo, aparece a cerejeira-da-amazônia, com 65% da produção consumida por outros países.
As indústrias de móveis, assoalhos e de construção de casas são os principais destinos dessa madeira. O ipê, de cor amarela-acastanhada, é uma árvore de grande porte, que pode chegar a 40 metros de altura. É encontrada na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, mas hoje um dos principais alvos dos madeireiros em busca do ipê é a região norte de Rondônia e Pará, na fronteira com o Amazonas.
O mogno, conhecido por sua cor que varia do marrom avermelhado ao vermelho, atrai pela alta resistência. A madeira pode ser trabalhada facilmente com ferramentas manuais ou mecânicas, e o acabamento produz uma superfície lisa e brilhante. É muito procurado para marcenaria, mobília, ornamentos de interiores e até mesmo construção de barcos e navios, em acabamentos e assoalho. O mogno resiste ao ataque de fungos, insetos e até a cupins de madeira seca.
Já o jacarandá, que era muito encontrado em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, atualmente só é mais visto no sul da Bahia. Uma das mais valorizadas madeiras brasileiras, a espécie é explorada desde a fase colonial. Com altura entre 15 e 25 metros e tronco de 40 a 80 centímetros de diâmetro, tem madeira de cor escura e resistente. É comumente utilizada em obras de marcenaria, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos.
O Ibama tem procurado aperfeiçoar o sistema de registro, transporte e exportação de madeira, com a eliminação de papeis e a centralização de dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que é administrado pelo órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Ocorre que a inserção dos dados no sistema, como os tipos de madeira e quantidade que foram produzidas por determinadas empresa, possui fragilidades. Como se trata de dados repassados pelos Estados, sem um controle rígido de informações, há brechas para fraudes, com pedidos de autorizações e registros que não correspondem à realidade do que, efetivamente, foi retirado da floresta.
Como mostrou reportagem do Estadão, a importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países. Dados compilados pela área técnica do Ibama mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França, com 384 mil m³, seguida por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³). No total, o mercado legal de madeira exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais.
A lista traz ainda, em destaque, o Reino Unido (163 mil m³), Portugal (155 mil m³), Suíça (115 mil m³), República Dominicana (105 mil m³), Dinamarca (102 mil ³) e Alemanha (87 mil m³). Em volumes históricos menores aparecem, nesta ordem, Japão, Itália, Espanha, Argentina, Uruguai, Canadá, Panamá, Suécia e Antilhas Holandesas.
Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal.
Antes de uma chapa de ipê ou mogno chegar ao porto de Santos ou qualquer outra porta de saída do território nacional, ela percorre uma cadeia que, invariavelmente, é marcada pela corrupção.
O crime se baseia, basicamente, em uma indústria de papeis falsos. Por meio de agentes públicos que atuam de forma criminosa, documentos são emitidos para “esquentar” a madeira roubada de terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo. O governo tem digitalizado há anos esse tipo de informação, por meio do Ibama, com o propósito de concentrar no órgão federal todos documentos de origem de madeira do País e, a partir disso, confrontar esses papeis com o inventário legal de madeira de corte. Esse cruzamento de dados, porém, ainda não está consolidado nacionalmente, além de conter brechas para manipulações de dados por seus gestores.
Na prática, portanto, um país que importa madeira do Brasil pode até achar que está adquirindo um produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de um esquema fraudulento, que costuma inviabilizar o preço do mercado entre aqueles poucos madeireiros que desejam atuar de forma 100% legal.
A Operação Arquimedes, a maior da história do País em apreensão de madeira, mapeou como funciona o esquema de corrupção.Em 2017, na 1.ª fase, 10 mil m³ de madeira, volume que, se enfileirado, cobriria o percurso entre Brasília e Belém (1,5 mil quilômetros) foram apreendidas. A carga iria para outros Estados e países da América do Norte, Ásia e da Europa.
O esquema criminoso de extração de madeira começa com os “puxadores de toras”, que são contratados por madeireiros para extraírem a árvore, ilegalmente. Hoje, a maior parte dessas ações acontece em unidades de conservação e terras indígenas, onde essa exploração é proibida. São essas terras que concentram as madeiras mais nobres.
Para fazer com que madeira extraída irregularmente passe a ter “legalidade”, o madeireiro atua junto a servidores públicos que, ao cobrarem pagamento de propina, incluem os dados daquela madeira no sistema nacional, gerenciado pelo Ibama. Para legalizarem a madeira, esses agentes informam a quantidade de metros cúbicos, o local de extração e o tipo de madeira retirada, usando informações de áreas que possuem, efetivamente, autorização para extrair madeira. São os chamados “créditos florestais” que cada região possui, conforme o plano de manejo de cada floresta. Dessa forma, eles “lavam” aquela madeira extraída ilegalmente, como se tivessem sido cortadas em áreas permitidas.
As informações sobre os créditos que já constam nos sistemas são, muitas vezes, infladas por engenheiros florestais que também participam do esquema, ou seja, eles apresentam um volume de madeira disponível muito acima daquilo que realmente existe em cada local. Dessa forma, sobram créditos para legalizar madeira ilegal.
Ipê-peroba
BIOMA: Mata Atlântica
CLASSIFICAÇÃO: Em perigo
NOMES COMUNS: Ipê-claro, ipê-peroba, ipê-rajado, peroba-branca, perobinha.
CARACTERÍSTICAS: De cor amarela-acastanhada, é uma árvore de grande porte, podendo chegar a 40 metros de altura. Mais encontrada na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Madeira de ótima qualidade, é hoje um dos principais alvos dos madeireiros na região norte de Rondônia.
Mogno
BIOMA: Amazônia
CLASSIFICAÇÃO:Vulnerável
NOMES COMUNS: Acaju, aguano, araputanga, caoba, cedro-aguano, cedro-mogno, cedrorana, Mara.
CARACTERÍSTICAS: Sua cor varia do marrom avermelhado ao vermelho. É altamente resistente ao ataque de fungos e insetos, resistindo ainda a cupins de madeira seca. A madeira pode ser trabalhada facilmente com ferramentas manuais ou mecânicas, e o acabamento produz uma superfície lisa e brilhante. O mogno é muito procurado para marcenaria e mobília, acabamento e ornamentos de interiores, e até mesmo construção de barcos e navios, em acabamentos e assoalho.
Jacarandá-da-Bahia
BIOMA: Mata Atlântica
CLASSIFICAÇÃO: Vulnerável
NOMES COMUNS: Caviúna, graúna, jacarandá-cabiúna, pau-preto.
CARACTERÍSTICAS: Era encontrada nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, mas, atualmente, só é encontrada no sul da Bahia. Uma das mais valorizadas madeiras brasileiras, é explorada desde a fase colonial. Com altura entre 15 e 25 metros e tronco de 40 a 80 centímetros de diâmetro, tem madeira de cor escura e resistente. Floresce entre setembro e novembro, e os frutos amadurecem em agosto-setembro. É comumente utilizada em obras de marcenaria, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos.
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