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Temperatura na Antártida passa dos 20°C pela primeira vez, segundo cientistas brasileiros

A medição foi feita na Ilha Marambio, na Península Antártica, e atingiu o recorde em uma semana anormalmente quente; temperatura anterior mais alta tinha sido registrada no dia 7: 18,3ºC

Por Giovana Girardi
Atualização:
Pesquisadores brasileiros registraram a temperatura recorde de 20,7°C na Península Antártica no dia 9 de fevereiro Foto: Johan Ordonez / AFP

SÃO PAULO - A Antártida vem apresentando dias de calor anormal neste verão e atingiu, no último domingo, 9, a temperatura mais alta do registro histórico, 20,75 °C. A medição foi feita às 13h na Ilha Marambio, na Península Antártica, por pesquisadores brasileiros.

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O recorde anterior havia acabado de ser batido, três dias antes, quando pesquisadores argentinos detectaram a temperatura de 18,3°C na base Esperanza, também na Península Antártica. Antes disso, o dia mais quente tinha sido 24 de março de 2015, com 17,5°C, de acordo o Serviço Nacional Meteorológico da Argentina.

Para toda a região Antártica, que inclui outras ilhas sub-antárticas fora da massa continental, a temperatura mais alta foi de 19,8°C medida na Ilha Signy em janeiro de 1982.

“A semana entre 6 e 11 de fevereiro foi historicamente anormal. Todos os dias, na metade do dia, tivemos temperaturas acima de 16°C. E no dia 9 teve esse pico”, explicou ao Estado o pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Carlos Schaeffer, coordenador do Terrantar.

“Nesses 17 anos que venho para cá, nunca tinha pego temperaturas tão elevadas e sim, usei short e camiseta no dia 9. A península Keller, onde se encontra a estação brasileira, está com um degelo nunca visto antes”, relatou ao Estado o pesquisador Márcio Francelino, também da UFV, que está neste momennto na Antártida.

Pesquisador Marcio Francelino, que fez a medição na estação meteorológica dabaseMarambio, na Península Antártica Foto: Projeto Terrantar / Divulgação

O projeto, ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, conta com 26 sítios de monitoramento de solos congelado (permafrost) e da camada ativa (parte do solo que congela e descongela) espalhados pela região antártica, em um raio de 1.500 km. A base de Marambio fica relativamente próxima da Esperanza e da Estação Antártica Comandante Ferraz, do Brasil, recém-inaugurada.

“No dia 6 de fevereiro, quando a Esperanza  registrou 18,3°C, um dos nossos sítios, localizado na Ilha Seymour (Marambio), ao leste da Península Antártica, e distante 90 km ao sudeste de Esperanza, registrou no mesmo dia a temperatura de 16,43°C. Já tinha ficado espantado com esses valores. No dia 9, a estação Comandante Ferraz registrou a temperatura incrível de 19,38°C e quando verifiquei a do nosso sítio em Seymour, nesse mesmo dia a temperatura chegou a 20,75°C, no horário das 13 horas”, conta Francelino.

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Apesar de ainda ser cedo para associar essa anomalia às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, o registro chama a atenção dentro de um histórico recente de temperaturas mais altas.

“O que temos é um registro meteorológico, que ocorre num espaço de curta duração, mas eles podem ser parte de um sinal de uma tendência que vai se propagar no longo prazo. A mudança climática implica em uma evolução no tempo. Mas é um marco. Pela primeira vez se registram mais de 20°C. Pode ser sinal de alguma perturbação no sistema que vai levar a um novo patamar que a gente não sabe ainda qual vai ser”, afirma Schaeffer.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) havia informado na semana passada, quando foram anunciados os dados da Esperanza, que um comitê vai verificar a medição para estabelecer se de fato trata-se de um recorde. Em geral, somente as estações com longo período de medição e que fazem parte da rede da OMM entram no registro oficial. A base brasileira é mais recente, tem somente dez anos de série histórica, então poderá não ter o dado registrado oficialmente. 

“Esse nosso sistema de monitoramento é voltado para estudar o permafrost, então inserimos sensores de temperatura e umidade do solo em diferentes profundidade e sempre adicionamos um sensor de temperatura do ar a cerca de 1,5 m de altura. Esses sistemas, mesmo utilizando equipamento de ponta, não são registrados na OMM e, por isso, não podem ser reconhecidos como dados oficiais”, explica Francelino.

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“Mas o mero registro desses valores é algo que deve ser mais bem estudado. Houve picos curtos ao longo de duas semanas. A temperatura média nessa região é de 0,5°C. Em nossos sítios, durante um período de 13 anos, a temperatura do permafrost tem variado muito pouco, permanecendo estável na maioria deles e em alguns mostrando uma ligeira tendência de aquecimento. Apenas um mostrou resfriamento. Mas nossos dados ainda têm um curto intervalo para esse tipo de estudo”, complementa.

Aquecimento global

Segundo a OMM, a Península Antártica – ponta noroeste do continente mais próxima da América do Sul – está entre as regiões do planeta que estão se aquecendo mais rapidamente. Foram 3°C de aumento de temperatura nos últimos 50 anos.  Na região, a quantidade de gelo perdida anualmente pela camada de gelo cresceu na ordem de seis vezes entre 1979 e 2017. Cerca de 87% das geleiras (corredeiras de gelo que deslizam do interior do continente para o mar) ao longo da costa oeste da península recuaram nos últimos 50 anos. Em algumas deles, esse recuo ocorreu de modo acelerado nos últimos 12 anos.

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Imagens de satélite europeu mostraram rachaduras crescendo rapidamente nos últimos dias na geleira da Ilha Pine. Segundo a OMM, esta é uma das principais artérias da camada de gelo da Antártida Ocidental. Duas grandes fendas foram identificadas pela primeira vez no início do ano passado e cresceram muito rapidamente para aproximadamente 20 km de comprimento.

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