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Sínodo da Amazônia reflete 'polarização do Vaticano'

Reunião dos 250 bispos da Igreja Católica começa no domingo, 6, com divergências radicais entre conservadores e progressistas

Por Ocimara Balmant
Atualização:

SÃO PAULO - A partir de domingo, 6, 184 bispos se reunirão para o Sínodo da Amazônia, que discutirá durante 20 dias, no Vaticano, a presença da Igreja Católica na região. A questão ambiental estará no centro das discussões - até por conta dos incêndios que devastam a floresta -, mas o olhar dos clérigos se voltará também para temas que refletem o momento de polarização do Vaticano.

O papa Francisco faz a síntese das duas tendências: reconhece a necessidade de um arejamento doutrinal, mas mantém posicionamentos como a valorização do misticismo e a pregação de que gênero é apenas o biológico Foto: Tiziana Fabi/AFP

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Conservadores e progressistas divergem radicalmente em dois assuntos que virão à tona no Sínodo: a ordenação de homens casados e a maior participação das mulheres na Igreja. Os dois temas estão no documento preparatório para o Sínodo porque a escassez de padres impede a expansão da Igreja na região amazônica.

Se a Igreja vai adequar suas diretrizes sobre esses assuntos, só se saberá quando o papa proferir a exortação apostólica - e isso não tem data estipulada para acontecer. Mas o fato é que este Sínodo acontece em um momento em que Francisco é "espremido" pelos dois lados.

Na extrema direita da Igreja - para usar termos comuns à polarização -, cardeais pedem que ele renuncie e conclamam os fiéis a jejuarem para que as "heresias" pregadas pelo pontífice não sejam aprovadas. No outro extremo, os progressistas alemães estão prestes a realizar o Caminho Sinodal para discutir se o celibato obrigatório é a melhor maneira de um padre viver no século 21 e por que as mulheres não podem ser ordenadas como diáconas ou padres.

Estar no meio desse embate é exatamente o grande mérito deste pontificado, afirmam os teólogos.

"O caráter mais profético de Francisco é que ele se torna um homem de diálogo quando a sociedade ocidental parece ter desistido de dialogar", afirma Francisco Borba, coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Em termos eclesiásticos, isso significa que Francisco faz a síntese das duas tendências: reconhece a necessidade de um arejamento doutrinal, mas mantém posicionamentos como a valorização do misticismo e a pregação de que gênero é apenas o biológico.

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"Ao tentar fazer uma síntese em um momento de aumento de polarização, o papa começa a encontrar objeções dos mais conservadores, que achavam que estavam se fortalecendo no pontificado de Bento XVI, e desagrada também o grupo progressista, que descobre que o progressismo dele não era o progressismo que imaginavam", explica Borba.

O caráter mais profético de Francisco é que ele se torna um homem de diálogo quando a sociedade ocidental parece ter desistido de dialogar

Francisco Borba, coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP

Ao primeiro grupo, que pede sua renúncia e o acusa de herege, Francisco não responde. Aos alemães, escreveu uma carta dirigida aos fiéis na qual disse "compartilhar a preocupação sobre o futuro da Igreja na Alemanha", todavia também alertou sobre o risco de se colocar em pauta processos que podem prejudicar a unidade da Igreja.

"A Igreja universal vive em e das Igrejas particulares, assim como as Igrejas particulares vivem e florescem em e da Igreja universal, e se encontrarem-se separadas do corpo eclesial por inteiro, se enfraquecem, secam e morrem", disse.

O papa Francisco autografa instrumento de orquestra alemã no Vaticano Foto: Yara Nardi/Reuters

Polarização é estridente, mas representa minoria

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A opinião dos estudiosos é de que Francisco sabe que, tanto de um lado quanto de outro, apesar do barulho que fazem, esses grupos são minoria.

"É óbvio que esse ruído de polarização afeta os processos internos de convergência da Igreja, mas o papa segue firme em sua forma sábia de conciliar capacidade de inovação e compromisso com a tradição. Tanto é que está fazendo de forma corajosa, lúcida e antecipada um debate socioambiental contextualizado, como é o Sínodo da Amazônia", diz Moema Miranda,antropóloga e assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).

A pesquisadora acredita que a proposta deste Sínodo seja uma atitude extremamente progressista.

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"Francisco vai unir a leitura de fé da Igreja, com a sabedoria dos povos ancestrais e os avanços científicos. No documento preparatório do Sínodo, o papa diz que não devemos ser apenas amigos dos indígenas, mas devemos nos deixar evangelizar por eles. Isso é menos progressista do que defender a ordenação de mulheres? Acho que não."

O papa diz que não devemos ser apenas amigos dos indígenas, mas devemos nos deixar evangelizar por eles. Isso é menos progressista do que defender a ordenação de mulheres? Acho que não

Moema Miranda, antropóloga e assessora da Repam

Paciência histórica

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Mas, se Francisco ousa na questão socioambiental, porque segue a passos lentos nos questionamentos da Igreja da Alemanha, que tem perdido fiéis aos milhares e vê na ordenação de mulheres e no fim do celibato obrigatório um caminho para se reerguer?

"Porque o papa não quer uma ruptura com o corpo da Igreja. E isso, numa instituição de 2 mil anos, exige uma certa paciência histórica", explica Maria Clara Bingemer, professora titular do departamento de Teologia da PUC-Rio. "Após o Sínodo da Família, Francisco já abriu o discernimento das igrejas locais sobre a eucaristia para os casados de segunda vez. Depois deste Sínodo da Amazônia, é capaz de ter abertura de uma brecha para a ordenação de padres casados, como quer a Alemanha. Mas é tudo muito lento, mesmo."

o papa não quer uma ruptura com o corpo da Igreja. E isso, numa instituição de 2 mil anos, exige uma certa paciência histórica

Maria Clara Bingemer, professora titular do departamento de Teologia da PUC-Rio

À Igreja Alemã, acredita, vai caber esperar.

"O papa entende a angústia dos cardeais alemães que veem suas igrejas esvaziando, e sabe que as questões são urgentes. Mas, ao mesmo tempo, acredita que deve haver uma maneira de fazer que não cause um cisma. Também não quer tomar uma decisão apressada, que seja revogada no próximo pontificado."

Francisco completou 82 anos, e as especulações sobre quem vai assumir o trono de Pedro já começaram. Se não há exatamente uma bolsa de apostas com nomes, os dois lados da balança se mobilizam. Ultraconservadores querem alguém que "volte a Igreja aos eixos", mas o próprio papa tem se empenhado para um "governo de continuidade".

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Um levantamento do vaticanista Thomas Reese mostra que, quando Francisco foi eleito papa, 62% de todos os cardeais eram da Europa e dos Estados Unidos. O "papa do fim do mundo" mudou o cenário. Hoje, o porcentual de europeus e estadunidenses - grupo que concentra os ultraconservadores - caiu para 49%. Enquanto isso, cresceu o número de latino-americanos, africanos e asiáticos com poder de voto no próximo conclave.

"A gente acredita que o Espírito Santo inspire, mas é sempre bom preparar o conclave", brinca a teóloga da PUC. "Não se pode deixar tudo nas costas do Espírito Santo."

Para entender: Sínodo x Concílio

  • A palavra "sínodo" vem de duas palavras gregas: "syn", que significa "juntos", e "hodos', que significa "estrada ou caminho'. Na Igreja Católica, Sínodo é uma espécie de encontro de bispos, convocado de tempos em tempos pelo papa, para discutir temas predeterminados por ele. O sínodo tem caráter consultivo. Após o Sínodo, o papa emite um documento chamado "exortação apostólica", no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões. O Sínodo da Amazônia é o quarto do pontificado de Francisco.
  • Já o Concílio consiste em uma reunião formal de representantes da Igreja para tomar decisões dogmáticas e pastorais com vistas a ajudar no crescimento da Igreja, na eliminação de erros e na difusão das verdades da fé. Um concílio, portanto, tem caráter decisório. Em 2 mil anos de existência, a Igreja reconhece 21 Concílios e ainda acrescenta o chamado “Concílio de Jerusalém”, reunião narrada nos Atos dos Apóstolos. O último concílio foi o Vaticano II. Nos seus três anos de trabalho, o Concílio, aberto por João XXIII e concluído por Paulo VI, revolucionou o modo como a Igreja se via e como ela via o mundo. Para se ter uma ideia, só após o Vaticano II as missas passaram a ser rezadas na língua de cada país - antes eram celebradas sempre em latim.

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