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Servidores do Ibama denunciam paralisação total do sistema de multas

Profissionais dizem que medidas necessárias para implementar mudanças nos sistemas internos não foram tomadas pela administração central do Ibama e do ICMBio antes da entrada em vigor da norma decretada pelo ministro

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – No momento em que o governo brasileiro se prepara para participar de uma Cúpula Internacional do Clima, para reafirmar seus compromissos no combate ao desmatamento ilegal, uma mudança feita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no processo de autuação por crimes ambientais tem sido criticada internamente por agentes de órgãos de fiscalização. Segundo os servidores, a nova regra levou à paralisação total das emissões de multas por agentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Procurada, a pasta não se manifestou até a publicação deste texto. 

O Estadão teve acesso a uma carta enviada ao presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, assinada por mais de 360 servidores do Ibama em todo o País. Trata-se de um protesto contra a instrução normativa publicada na semana passada para alterar o processo de punição de criminosos.  Pela nova norma, as infrações terão de passar por autorização de um superior do agente de fiscalização que aplicar a multa, passando por cima de fases que, até então, incluíam a análise dos próprios fiscais. Criou-se, dessa forma, uma nova instância para avaliação de processos, o que se sequer está previsto no sistema automatizado que consolida as multas. O tempo de tramitação, em muitas etapas, também foi reduzido a, no máximo, cinco dias. Isso, na avaliação dos agentes, inviabilizou completamente o avanço dos processos.

Na região da Amazônia Legal, foram identificados 368 quilômetros quadrados de área desmatada Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/2020

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No documento, os servidores afirmam que “viram com perplexidade a paralisação de todo o processo sancionador ambiental ocasionado pela publicação desta norma”. Os profissionais declaram que as medidas necessárias para implementação das mudanças nos sistemas internos não foram tomadas previamente pela administração central do Ibama e ICMBio, antes da entrada em vigor da norma. Em decorrência disso, todos os servidores que assinam a carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias.

Os servidores afirmam que as mudanças resultaram “num verdadeiro apagão no rito processual de apuração de infrações ambientais constatadas pelo Ibama e pelo ICMBio em todo o País”.

“Todo este embaraço acabou resultando na orientação formal de alguns gestores junto ao Ibama Sede para que os servidores continuem utilizando os sistemas da forma em que se encontram disponíveis e que permaneçam seguindo o rito processual da Instrução Normativa Conjunta revogada”, dizem os funcionários, no documento. “Por óbvio, consideramos que se trata de orientações irregulares, uma vez que estão em conformidade com norma que já não existe no ordenamento, o que fere o princípio da legalidade do ato administrativo, posto que, mesmo estes atos sendo discricionários da administração pública, eles são dirigidos pelos princípios que conduzem o direito.”

O efeito prática das mudanças, segundo os funcionários que lidam diretamente com essas atividades, soou como uma “tentativa de dividir com os servidores a responsabilidade pelas sérias consequências causadas pela publicação dessa Instrução Normativa Conjunta (INC) pela atual gestão do MMA, Ibama e ICMBio que sem qualquer medida prévia para garantir seu cumprimento, criou um ambiente de insegurança jurídica e administrativa para todos os servidores envolvidos neste rito, fiscais, técnicos, analistas ambientais e administrativos”.

A Instrução Normativa Conjunta publicada na quarta-feira, 14, foi assinada por Ricardo Salles. Os presidentes do Ibama, Bim, e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Fernando Lorencini, que respondem a Salles, também assinam o documento.

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A falta de fiscalização do extrativismo vegetal é uma das causas do desmatamento na Amazônia Foto: Gabriela Bilo/Estadão

Por causa de riscos de responsabilização dos servidores e de forma preventiva, o documento afirma que será exercido o direito de “recusa em iniciar procedimentos com a norma vigente e, muito menos com norma administrativa revogada, tendo em vista que não há meios disponíveis para o cumprimento dos prazos e, com o não cumprimento, há sanções previstas na Lei Federal”, o que poderia levar até à demissão do funcionário. O tom é de indignação com a decisão do governo. “Num completo descompasso com a situação das autarquias executoras da Política Nacional de Meio Ambiente, que vem sofrendo há anos com a diminuição no quadro de servidores, ao invés de realizar concurso público e assim prover os cargos vagos, a administração aprova norma que, sem meios para cumprir, pode levar a demissão de mais servidores”, declaram os profissionais. Por causa da situação, alguns servidores já entraram com pedido para deixarem a função de fiscais e há uma movimentação crescente de novos pedidos. “Isso representa um verdadeiro esvaziamento da força de trabalho da fiscalização ambiental federal, sendo de conhecimento que já é pequena tal força de trabalho diante das dimensões continentais do país e os crimes ambientais que vêm crescendo de forma exponencial nos últimos dois anos, fato comprovado pelo aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia”, informa o documento.

Prazos

Outra preocupação diz respeito aos prazos impostos para os procedimentos, desde a fase de constatação da infração pelo fiscal em campo, até as etapas de análises e julgamentos de infrações administrativas. “Embora isso transpareça interesse pela celeridade do processo, tal preocupação cai por terra em outros dispositivos, uma vez que, segundo a norma, mesmo que o agente constate a infração em flagrante, este não deverá lavrar a multa ou qualquer outro termo e sim emitir um relatório, sendo que não há prazo para emissão da análise deste relatório pela autoridade hierarquicamente superior”, alertam os profissionais. A tecnologia atual disponível para as autuações foi criada para que a multa e os termos sejam lavrados pelo fiscal assim que constatada a infração, sendo o processo instaurado imediatamente e de forma automática após aprovação do relatório pelo coordenador da operação de fiscalização em campo, regra que garante a lisura e transparência necessárias. “Não havendo harmonização entre a tecnologia disponível e a norma vigente e publicada, e, não se vislumbrando alternativa para a execução do trabalho, resta configurado um verdadeiro constrangimento e embaraço, que afeta os fiscais e, por consequência, toda a nossa sociedade, que espera ver o resultado do cumprimento do nosso dever”, justificam os agentes. Os fiscais lembram ainda que a norma traz, em sua “autoridade hierarquicamente superior”, a existência de uma espécie de censor, com ampla e irrestrita discricionariedade, no âmbito dos órgãos de fiscalização ambiental. A comprovação de que todo ato praticado, a apuração de ilícito e imposição de sanções pelos fiscais devem ser “validadas” por esta figura administrativa, com o pressuposto de que todo trabalho realizado pelo fiscal deva ser saneado. “Consideramos isso significativamente inovador e estranho aos resultados comprovados das atividades de fiscalização ambiental feitas por nós, servidores do Ibama e ICMBio imbuídos na função de fiscais, além de ser uma regra que inviabiliza ações de combate ao desmatamento na Amazônia, ações de fiscalização de pesca em mar aberto e zona costeira, de combate às infrações contra a fauna, entre outras, realizadas de forma costumeira em áreas remotas pela fiscalização ambiental federal”, dizem os agentes. Por fim, os servidores pedem “o comprometimento imediato e inequívoco do governo e seus gestores com o fortalecimento das instituições e das normas ambientais, e não o contrário, como vem sendo feito”. Alegam que a situação é irregular, ilegal e “configura mera tentativa de arrefecer uma crise administrativa sem precedentes que se instalou com a alteração da norma”. Questionado sobre o assunto, o Ibama declarou que a nova norma segue vigente, mas que abriu um “processo de consulta” sobre o texto, que será analisado. 

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Protestos

Nesta segunda-feira, 19, conforme informou o Estadão, um grupo de parlamentares do PV enviou um Projeto de Decreto Legislativo que tem o propósito de sustar a Instrução Normativa Conjunta 01/2021, publicada no dia 12 de abril. No documento assinado pelos deputados Israel Batista (PV-DF), Célio Studart (PV-CE) e Leandre (PV-PR), os deputados afirmam que “a presente Instrução Normativa Conjunta não defende e nem preserva o meio ambiente, ao contrário, praticamente, extingue qualquer ação neste sentido. O Parlamento brasileiro não pode ser eximir deste enfrentamento, e nem ser conivente com este ato, e deve sustar as normas do Poder Executivo que extrapolem seu poder regulamentar.”

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