Secretário do governo Bolsonaro critica moratória da soja; associação de produtores quer rever pacto

Em vídeo, Abelardo Lupion afirmou dar apoio à reivindicação da entidade da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja)

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Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Representantes do setor de produção de soja receberam sinalização positiva do secretário especial da Casa Civil para Relacionamento Externo, Abelardo Lupion, na articulação para tentar rever a moratória da soja. Esse acordo, firmado entre empresas do agronegócio em 2006, prevê não comprar o produto quando plantado em áreas desmatadas e é considerado um mecanismo importante para conter o avanço do desmatamento na Amazônia.

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Após reunião no fim de outubro no Ministério da Casa Civil com líderes da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), Lupion afirmou, em vídeo, dar apoio à reivindicação da entidade.

Questionado sobre se o governo está tomando providências para rever a moratória, ele disse que vai “acabar com essa palhaçada que a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) está fazendo”, em referência à opção de cumprir o pacto. Ainda disse que iria “para cima do CPF das empresas”.

Acordo firmado entre empresas conteve avanço da soja sobre a floresta Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Procurado, o Ministério da Agricultura disse que não se manifestaria, por se tratar de “assunto privado”. E a Casa Civil confirmou apenas que “está prevista para a semana que vem reunião a respeito” no ministério. O governo não tem a prerrogativa de acabar com a moratória, mas teve papel importante na articulação feita em 2006 para tornar o pacto possível.

Presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz afirmou ao Estado que a Abiove faz “reserva de mercado” ao não comprar soja de alguns produtores rurais da Amazônia e que pretende recorrer no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra as empresas.

Pela moratória, grandes tradings do setor, como Amaggi, Cargill, Bunge e Cofco, se comprometeram a não comprar o grão cultivado em novas áreas desmatadas na Amazônia a partir de 2008, atendendo a uma exigência feita por mercados no exterior, em especial a Europa.

Foi um compromisso com o desmate zero. Mesmo o corte de vegetação permitido pelo Código Florestal não foi tolerado, no entendimento de que era difícil rastrear o que era legal ou ilegal. Assim, o mais seguro era não ter desmate nenhum.

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Isso conteve o avanço da soja sobre a floresta, que crescia a partir do começo da década passada, mas não a alta da produção na região, que passou a se dar só sobre áreas abertas anteriormente, como pastagens degradadas.

Conforme a Abiove, que representa 13 tradings no País, a área plantada com soja na Amazônia passou de pouco mais de 1 milhão de hectares em 2006 para quase 5 milhões de hectares na safra de 2018. Mas produtores liderados pela Aprosoja, que nunca concordaram com a moratória, defendem que o acordo, ao trazer limitação acima das normas do País, desrespeita a lei. 

Não precisamos de mais imposição, diz líder de entidade de produtores

“Não há produção de soja no mundo próxima da sustentabilidade que tem a nossa, que protege Reserva Legal e Área de Preservação Permanente. Não precisamos de mais imposição”, diz Braz. Para ele, se a Europa não quiser mais soja da Amazônia, há o mercado asiático.

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No foco da Aprosoja está não só a Abiove como o Greenpeace, ONG que revelou, em 2006, que 30% da expansão da soja da Amazônia ocorria naquela época em áreas recém-desmatadas. A organização mobilizou ações na Europa mostrando, por exemplo, que o frango usado pelo McDonald’s na Europa era alimentado com ração de soja plantada na Amazônia desmatada. Foi o gatilho para movimentar o setor, o que acabou resultando na moratória.

Lupion, como já ocorreu recentemente com outros representantes do governo, também criticou o Greenpeace. “Empresas ligadas a Abiove estão cometendo um crime quando estão fazendo distinção entre produtores rurais. Se eles estão aptos a produzir, a buscar crédito, a vender produto na bolsa... Se tiveram autorização para desmatar, não é o Greenpeace e a Abiove que vão dizer para quem o Brasil deve ou não vender”, afirmou no último dia 31 em entrevista ao site Notícias Agrícolas.

Dirigindo-se aos produtores que devem se manifestar neste domingo, Lupion ainda afirmou. “Voces têm o amparo do governo federal e nós vamos acabar com essa palhaçada da Abiove, fazendo essa distinção entre produtores. O governo Jair Bolsonaro respeita e defende cada produtor rural brasileiro.”  

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Presidente de associação da indústria rechaça 'quebra abrupta' de acordo

André Nassar, presidente da Abiove, argumenta que a moratória permitiu “criar uma história de credibilidade na Europa, de que a soja brasileira é confiável”. A ideia de que é possível ignorar o mercado europeu porque não é tão grande, diz, é errada - cerca de 6% dos grãos vão para lá.

“Mas a Europa responde por 50% da compra do farelo de soja. É o mercado do produto industrializado.”, afirma Nassar. “Se tiver corte na Europa por causa de desmatamento, quebra da moratória ou negociação mal feita, o grande prejudicado é a indústria que beneficia a soja - e a cadeia que está por trás.”

Ele concorda ainda com os produtores no sentido de que, como a moratória exige mais do que a lei, seria interessante um prêmio para quem preserva mais do que o Código Florestal. “Mas tem de ser negociado com o mercado. Nunca será feito com uma quebra abrupta.”

No Pará, a Aprosoja se queixa que 63 fazendas - proibidas de vender para as tradings por descumprirem a moratória - teriam desmatado só o tolerado pelo Código Florestal. Mas para estarem de fato dentro da lei, elas precisariam ter recebido autorização do Estado para fazer a supressão da vegetação. Grande parte desses produtores, no entanto, não apresentaram essa autorização.

Estudo lançado semana passada pelo Imaflora e a plataforma Trase, que rastreia a cadeia produtiva da soja e da carne, indicou que só o Código Florestal não é suficiente. A análise revelou que 2,6 milhões de hectares usados para o plantio de soja na Amazônia e no Cerrado estão em propriedades rurais que não fizeram a inscrição no Cadastro Ambiental Rural, o CAR. E esse é o primeiro passo previsto no Código para as propriedades demonstrarem que estão em conformidade com a lei.

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