'Se você não é parte da solução, é parte do problema', diz anfitriã do pavilhão da sociedade na COP
Economista avalia a Cúpula do Clima como um todo - e a participação do Brasil em Glasgow
Entrevista com
Ana Toni
Entrevista com
Ana Toni
16 de novembro de 2021 | 05h00
GLASGOW - A economista Ana Toni nasceu em São Paulo e, ao longo de sua trajetória profissional, morou em Amsterdam, Londres, Hamburgo, Cardiff e Malmo. Hoje vive no Rio de Janeiro, onde é adepta de longos passeios no Jardim Botânico. Cidadã ao mesmo tempo brasileira e globalizada, ela fez a ponte entre estrangeiros e brasileiros de várias áreas - ambientalistas, CEOs, representantes de movimentos - no Brazil Climate Action Hub, o pavilhão da sociedade civil que se tornou um dos grandes destaques da COP-26. Nesta entrevista, a diretora do Instituto Clima e Sociedade avalia a COP como um todo, a participação do Brasil e o papel da sociedade e dos políticos no combate à mudança climática.
Foi um pavilhão da sociedade, em sentido amplo, não só um pavilhão da sociedade civil. Tínhamos governadores, prefeitos, juízes, promotores, não era só não-governamental. Tinha também, lógico, indígenas, quilombolas e ongueiros. Acho que fizemos sim algo inédito, a julgar pelo espanto dos estrangeiros. Diziam: “O que é isso? Como? Que legal!” O que talvez tem de ineditismo é que fizemos algo parecido com um “ativismo diplomático”. Um outro ativismo, que não é o do protesto de rua. Ao contrário, é o ativismo da disputa pelo debate, da qualificação do debate. Criar um espaço como esse, onde a gente possa trazer essas pessoas, trazer esse diálogo, foi muito importante. Para mostrar que a sociedade brasileira quer ter esse diálogo. Fico feliz que a gente, num sentido bem amplo, tenha contribuído para quebrar barreiras entre as pessoas.
Minha sensação é que as pessoas perceberam que estamos divididos – por isso os dois pavilhões. Não somos uma sociedade unida. Ao contrário, é uma sociedade em que esse tema está em disputa. Há uma disputa acirrada, clara e verdadeira. Acho que essa é a percepção, tanto nacional quanto internacional. A gente trouxe ministros de outros países para dentro do Brazil Climate Hub, trouxemos o setor privado. Acho que eles ficaram felizes de ver que existe uma interlocução bastante robusta e qualificada no tema de clima que, talvez conversando só com o Executivo federal, eles não captassem. Lá no Hub eles perceberam que há mais que o Executivo federal do Brasil nessa conversa. Havia outros players para conversar.
Totalmente. Nessa COP a gente teve os “decision-makers”. Não só no setor privado, mas também muitos governadores.
Acho que há duas coisas. Primeiro, em relação ao Brasil, os governadores, e também o setor privado, acham que o executivo federal não está fazendo um bom trabalho em representá-los. Eles de certa forma tiveram que vir para mostrar que tinham voz. Isso em relação ao Brasil, mas acho que o fenômeno não se restringe ao Brasil. Vieram CEOs e governadores de vários países. Aí vem a segunda questão: isso mostra onde a gente está na negociação do clima. A gente está num momento da negociação que é a implementação. Quem implementa são esses atores, não é mais o negociador. Agora é o CEO, o governador, o prefeito. Eu achei ótimo que todos vieram para ter a sensação clara de que essa agenda chegou para ficar, e eles vão ter que implementar.
É como o Márcio Astrini, do Observatório do Clima, tem falado – eu adoro essa frase dele: combater as mudanças climáticas e reduzir a emissão de carbono não é algo que acontece na negociação. Acontece na floresta, na cidade, nos diferentes locais. Não é assinando um papel que, como mágica, a emissão diminui.
Quando a gente pensa em negociação multilateral - seja clima, diversidade, poder nuclear, Organização Mundial do Comércio – todas demoram muito tempo. É um processo longo. Como processo multilateral acho que a COP de Glasgow está sendo um sucesso. Mas é um sucesso de negociação, e não de enfrentamento de um problema concreto. Que requer uma ambição, uma urgência muito maior do que esse processo está permitindo.
Infelizmente a maioria dos países chegou e saiu de Glasgow pensando nas vantagens ou desvantagens econômicas das negociações para seus próprios países. Eles vieram para Glasgow para fazer negócios e não para proteger o futuro da humanidade frente às ameaças das mudanças climáticas. Na verdade a urgência e gravidade das mudanças estiveram ausentes das salas de negociação. Sim, nós temos um acordo e, sim. fechamos o livro de regras, o que e bom. Mas esta COP não poderia ter sido apenas mais um “exercício diplomático”, esta deveria ter sido a “COP” para nos colocar na trajetória de 1,5 grau. Infelizmente ainda estamos longe dessa meta.
O Brasil foi um exemplo da atitude “doing business” na COP26. Se o Brasil estava na defensiva e, portanto, menos vocal nas negociações, sabemos que em se tratando de mudanças do clima se você não é parte da solução, você é parte do problema, e o Brasil definitivamente foi parte do problema. Ele só veio a Glasgow para defender seus interesses econômicos estreitos e de curto prazo, e não para lutar contra as mudanças climáticas.
Essa é uma excelente pergunta. São 195 países que se encontraram, fizeram a resolução de acabar o desmatamento ilegal até 2030, maravilhoso, a gente aplaude, teve também a declaração de Estados Unidos e China, falaram que vão fazer de tudo para parar o desmatamento... Agora, eu não sei se a gente conseguiria esse acordo na Amazônia, com a população da Amazônia. Que são os primeiros a serem afetados, positiva ou negativamente, pelo desmatamento. É isso que eu estou falando, esse descasamento entre o global e o local. Se essa convenção não fosse de 195 países, mas de 195 amazônidas, chegariam à mesma conclusão? Não adianta os 195 países falarem isso se os locais ainda não estiverem convencidos. Como sociedade, temos que ajudar a fazer essa ligação. Não estou falando que os locais estão sempre certos ou que os globais estão sempre errados, ao contrário. Mas é claro que a tem uma separação e a gente está prestando menos atenção em trazer as vozes locais para os debates globais. Enquanto fizermos isso, teremos muitas declarações – mas sem muita força de implementação.
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