Recriando as roças na Amazônia

Ribeirinhos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma aprendem a plantar sem emitir CO2; técnica é chamada de permacultura

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Por Karina Ninni
Atualização:

Ensinada por um expert iraniano, uma técnica milenar usada por povos como os astecas pode ajudar ribeirinhos da Amazônia a emitir menos gás carbônico com queimadas na mata para plantar alimentos. A empreitada multicultural aconteceu este mês, quando 32 alunos de 14 comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma (AM), a 227 quilômetros de Manaus, tiveram aulas de permacultura, sistema integrado de uso de recursos naturais.

 

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O termo permacultura foi cunhado pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren nos anos 70. O plantio de alimentos representa só uma parte do sistema, que no fundo é uma técnica ancestral de observação e cópia da natureza. “Desenhamos o terreno de forma que o agricultor gaste o mínimo de energia para obter o máximo de retorno”, resume o iraniano Ali Sharif, ex-aluno de Mollison, que passou uma semana na reserva, mantida pela ONG Fundação Amazonas Sustentável (FAS). “Em vez de limpar as áreas com queimadas e cultivar só um produto, ele tem um mosaico de culturas. Não se queima nada. Derruba-se a capoeira e o plantio é feito no meio da matéria orgânica.”

 

Durante o curso, os ribeirinhos dividiram a área do Juma em cinco zonas. A zona zero é a casa do agricultor. Na zona 1 ficam horta, plantas medicinais e a caixa d’água. A zona 2 abriga um pomar e a criação de pequenos animais; a 3 foi reservada para o plantio de alimentos e a criação de animais maiores. A zona 4 é dedicada ao extrativismo e a 5 é de floresta, usada apenas para a extração de sementes.

 

Na zona 3, Sharif e os alunos delimitaram um quadrado de roçado de 65 por 65 metros em seis faixas iguais, na comunidade de Boa Frente. Ali, intercalaram cultivos de mandioca com os de frutas como laranja e até urucum.

 

“A queima acaba com o solo e o lavrador tem de fazer rodízio entre roçados. Quando volta ao primeiro roçado, a colheita já é 50% menor. Na permacultura, planta-se anos num só lugar”, diz João Soares Araújo, instrutor da Fundação Daniel Efraim Dazcal, parceira do Instituto de Permacultura do Amazonas.

 

"Eu achei interessante. Em casa temos mais de dez locais de roçado, um distante do outro”, disse Denise Brasão de Almeida, de 18 anos, uma das alunas. Outros ribeirinhos encararam a técnica com resistência. "Nossos roçados têm 50 por 30 metros. É pouco para a permacultura. Vamos ter de aumentar o espaço da roça”, disse Luana Valente, de 20, que frequentou as aulas com os filhos pequenos Gabriel e Samuel. “Acho que, pelo menos com a mandioca, não dá certo plantar assim”, afirmou Marco Antônio Campos, de 34, morador da comunidade Marepaua.

 

“Na permacultura, a mandioca tem uma produtividade 90% maior, porque as perdas com chuvas e erosão são menores. Só que, no primeiro ano do cultivo, o trabalho é grande”, explica Messias Gomes Brasil, que há cinco anos utiliza a técnica em Boa Vista do Ramos (AM).

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Para o diretor-geral da FAS, Virgílio Viana, a permacultura implica mudanças culturais. “O sistema de corte e queima é uma tradição de longa data. Não se muda isso em uma semana.”

 

* Karina Ninni viajou a convite da Fundação Amazonas Sustentávl (FAS).

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