Rascunho de acordo da COP acrescenta pouco a países mais pobres, avaliam empresários e pesquisadores

Documento apresentado nesta quarta-feira prevê US$ 100 bilhões de financiamento. Valor é o mesmo acordado em 2009, que não foi cumprido

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Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

O rascunho do acordo que deve ser assinado pelos países ao fim da Conferência do Clima de Glasgow (COP 26) acrescenta pouco ao compromisso das nações mais ricas em financiar os países em desenvolvimento. Essa é a avaliação de empresários e pesquisadores que acompanham a COP e julgam a colaboração dos mais ricos com os mais pobres como fundamental para o futuro do planeta.

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“Mas, infelizmente, os países mais ricos têm colaborado muito pouco para isso”, disse o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

O documento apresentado nesta quarta-feira, 10, prevê um financiamento de US$ 100 bilhões até 2023 voltado para ações contra as mudanças climáticas em países em desenvolvimento. O valor é o mesmo previsto no acordo de 2009, que não foi cumprido e hoje é visto como insuficiente.

Empresários e pesquisadores avaliam que colaboração dos países mais ricos com os mais pobres é fundamental para o futuro do planeta Foto: Yves Herman/Reuters

A avaliação de Nobre foi feita durante o seminário “Novos caminhos para a humanidade”, iniciativa do Estadão em parceria com as empresas Vale e Klabin. O seminário aconteceu online nesta quarta-feira, 10, para discutir o incentivo à diminuição das emissões de gases do efeito estufa e o papel para reduzir o impacto no clima.

O diretor de sustentabilidade e investimento social da Vale, Hugo Barreto, que também esteve no seminário, concordou com Nobre. Segundo Barreto, as nações precisam avançar principalmente na regulamentação do mercado de carbono, o chamado artigo 6 do Acordo de Paris. “Isso é fundamental para áreas industriais como a mineração para eventualmente compensar emissões  comprando créditos”, declarou.

O objetivo do mercado de carbono é criar um crédito para nações que limitem as emissões de gases do efeito estufa para que ele seja utilizado em nações com maiores dificuldades de cumprir as metas de redução. Apesar da expectativa em torno da sua regulamentação, o rascunho desta quarta-feira é avaliado como “nebuloso” em relação a esse ponto.

Para Carlos Nobre, o financiamento dos países mais ricos para ações em países em desenvolvimento é um impasse histórico das discussões em torno das mudanças climáticas. Apesar de existir o consenso da importância destes recursos, eles não chegam àqueles que mais precisam de recursos para alterar sua matriz energética e mitigar os efeitos da crise do clima. “São os que pagam a conta mais alta das mudanças porque não contam com recursos para mitigar as mudanças”, disse o pesquisador.

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Nesta quarta-feira, 10, o financiamento também foi tema de uma reunião entre o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry. No encontro, o ministro brasileiro afirmou que os recursos precisam aumentar por serem insuficientes e não terem sido cumpridos nos últimos anos.

Apesar de mais alguns dias de negociação até o acordo, a avaliação do pesquisador Carlos Nobre é de que o financiamento “não parece que vai se resolver nesta COP”. “A disponibilidade, disposição e boa vontade de olhar os países mais pobres do mundo não aconteceu até hoje [quarta-feira]. Pode ser que até sexta-feira isso seja alterado, mas precisamos esperar”, disse.

Metas do Brasil precisarão de um “gigantesco esforço”

O pesquisador Carlos Nobre também avaliou que o Brasil apresentou metas desafiadoras na COP deste ano e precisa “de um gigantesco esforço” para cumprir os acordos. O país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030 e reduzir as emissões de carbono e metano. No entanto, as metas foram recebidas com desconfiança pelos países devido às posturas do governo na COP de 2019, quando foi um entrave para as negociações.

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Representantes do setor empresarial que estiveram no seminário afirmaram o compromisso das empresas com relação às metas. O diretor-geral da Klabin, Cristiano Teixeira, por exemplo, destacou que as empresas têm amadurecido a discussão com relação à urgência climática nesta COP. Ele está em Glasgow, onde participa do evento. “As empresas atentas estão enxergando esse movimento histórico, cultural e comportamental de mudanças”, disse.

Segundo Carlos Nobre, por mais que as empresas estejam comprometidas em cumprir as metas do país, elas só serão possíveis se houver ação do governo. “As emissões do Brasil têm muito haver com ilegalidade, já que grande parte dos desmatamentos são ilegais e precisam ser combatidos”, disse.

Um dos fatores que podem atrapalhar o país é a ausência de um plano de cumprimento das metas, que precisaria ser desenvolvido a partir do ano que vem para ser efetivo em 2030. “É um plano factível se houvesse ação concreta, política e ações de fiscalização. Mas em anos de eleições, o que acontece é que o debate costuma ficar muito focado na disputa eleitoral e a pauta ambiental acaba perdendo”, declarou o pesquisador.

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Além do desafio de zerar o desmatamento ilegal e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a meta de redução de 30% de emissão de metano também é considerada ambiciosa. Isso porque o metano é emitido pela pecuária, um dos setores produtivos mais fortes do país. A avaliação geral é de que o desafio vai estar em dar aporte tecnológico e convencer os pecuaristas a alterarem o seu sistema de produção.

Para Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável, o Brasil precisa de um esforço geral que altere os sistemas de produção e os padrões de consumo se quiser cumprir as metas. “Temos que fazer de tudo, não existe uma bala de prata. Existe a necessidade de eficiência técnica e de crédito para haver uma mudança geral no Brasil”, afirmou.

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