Por falta de verba, Salles vai paralisar 100% das ações de combate ao desmatamento na Amazônia

Atividades serão interrompidas devido a bloqueio financeiro efetuado pela Secretaria de Orçamento Federal em verbas para o Ibama e Instituto Chico Mendes; Mourão diz haver 'precipitação'

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Foto do author André Borges
Por André Borges e Jussara Soares
Atualização:

BRASÍLIA – No momento em que os altos índices de desmatamento da Amazônia e do Pantanal voltam a ser notícia internacional, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou que,  por causa de bloqueios financeiros para o Ibama e Instituto Chico Mendes (ICMBio), serão interrompidas todas as operações de combate ao desmatamento ilegal nas duas regiões e também no restante do País. A paralisação, segundo o ministério comandado por Ricardo Salles, começa a partir da zero hora da próxima segunda-feira, 31. Com essa paralisação, na prática, ficam interrompidas todas as ações de combate na Amazônia e Pantanal. Isso ocorre porque a atuação militar na região hoje - por meio da Operação Verde Brasil 2, chefiada pelo vice-presidente Hamilton Mourão – tem missão complementar e de apoio a esses órgãos. Apenas servidores de órgãos ambientais podem multar e fazer apreensões, por exemplo. Por lei, nenhum militar tem atribuição ou autorização para aplicar penalidades, assim como não podem fazer autuações, apreensões ou destruições de equipamentos.

Área desmatada na região de Itaituba, no Pará, em setembro de 2019 Foto: Ricardo Moraes / Reuters

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Conforme nota do Ministério do Meio Ambiente, foram bloqueados $ 20,972 milhões do Ibama e R$ 39,787 milhões do ICMBio. O corte no total de R$ 60 milhões, segundo a pasta, foi informado pelo assessor especial do Ministério da Economia Esteves Colnago, mas atribuído a uma decisão da Secretaria de Governo e da Casa Civil da Presidência da República. Trata-se de decisão política, portanto, e que expõe um racha entre Salles e os militares que atuam no Palácio do Planalto.

Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, disse que Salles se precipitou e atribuiu o bloqueio de verbas para o pagamento do auxílio-emergencial de R$ 600, que o governo estuda prorrogar até o fim do ano com um valor menor. "Precipitação do ministro Ricardo Salles. O que é que tá acontecendo? O governo está buscando recursos para poder pagar o auxílio emergencial. É isso que estou chegando à conclusão. Então está tirando recursos de todos os ministérios. Cada ministério oferece aquilo que pode oferecer, né?", afirmou ele, em entrevista no Planalto.  Esse corte se soma à redução de outros R$ 120 milhões já previstos para 2021 para o orçamento na área de meio ambiente. 

Segundo o Estadão apurou, Salles soube apenas quando o dinheiro já estava bloqueado, o que foi efetuado pela Secretaria de Orçamento Federal. A medida foi recebida com indignação no ministério. A pasta, alvo de crítica pela política ambiental no Brasil e no exterior, vem tentando reverter a imagem desgastada. “As operações que serão afetadas já na 2.feira (31/08) compreendem, no âmbito do combate às queimadas no Ibama, a desmobilização de 1.346 brigadistas, 86 caminhonetes, 10 caminhões e 4 helicópteros”, informou o ministério. Nas atividades do Ibama relativas ao combate ao desmatamento ilegal, 77 fiscais, 48 viaturas e 2 helicópteros deixarão de atuar. No âmbito do ICMbio, que cuida florestas protegidas e terras indígenas, a decisão da pasta tira do combate 324 fiscais, além de 459 brigadistas e 10 aeronaves Air Tractor, que atuam contra queimadas.  O Estadão apurou que o bloqueio de verbas no Meio Ambiente destina-se a dar mais recursos para o Plano Pró-Brasil. Após a pressão de ministros e do Congresso Nacional, o governo Jair Bolsonaro deve destinar R$ 6,5 bilhões do Orçamento para obras públicas, como mostrou o Estadão/Broadcast. O ministro Paulo Guedes queria manter o valor em R$ 4 bilhões. Dos 6,5 bilhões, R$ 3,3 bilhões serão indicados diretamente pelos parlamentares e poderão ser usados para contemplar ações em seus redutos eleitorais. O dinheiro do meio ambiente, portanto, está sendo enxugado para alimentar obras.

Órgão ambiental já estava sem dinheiro para contratar helicópteros

No início do mês, reportagem do Estadão mostrou que o Ibama está sem recursos sequer para contratar seus helicópteros e que pediu recursos ao Ministério da Economia, sem ser atendido. “O Ibama informa que a previsão orçamentária do Ministério do Meio Ambiente, determinada pelo Ministério da Economia para o ano de 2021, foi reduzida em R$ 120 milhões. Portanto, todas as áreas precisarão se adequar ao limite imposto. O Ministério do Meio Ambiente solicitou à Economia, sem sucesso, a reposição desse montante", disse o MMA à reportagem, na ocasião. Em resposta a essa afirmação do ministro Ricardo Salles, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério da Economia declarou, no início de agosto, que “o prazo para o Poder Executivo enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021 - PLOA-2021 para apreciação do Congresso Nacional é até 31 de agosto de 2020”. Na ocasião, oministério comandado por Paulo Guedes afirmou que “as propostas orçamentárias e as solicitações de expansão de limites demandadas pelos órgãos serão analisadas e submetidas à decisão da Junta de Execução Orçamentária” e que, por essa condição, “esta Secretaria não possui, nesta data, elementos conclusivos para informar os valores dos limites finais das despesas dos órgãos que constarão do PLOA-2021”. Em ofício enviado em 29 de junho ao ministro da Economia, Paulo Guedes, obtido pelo Estadão, Salles afirma que, sem o dinheiro, o governo ficará exposto no período em que mais necessita de força para executar ações de prevenção nas florestas. “Essa situação, a falta de limite de pagamento, exporá este Ministério durante o período de maior incidência de queimadas, especialmente na região da Amazônia Legal, que vai dos meses de agosto a outubro, ou seja, na fase que demanda uma maior necessidade de financeiro para operacionalizar as ações de prevenção e combate aos incêndios florestais”, disse Salles a Paulo Guedes, naquele momento. O Estadão mostrou ainda que o governo tem dedicado ao Ministério da Defesa a maior parte dos recursos da operação Lava Jato destinados ao combate a crimes na Amazônia.  A reportagem obteve informações detalhadas sobre os R$ 630 milhões da Operação Lava Jato que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de setembro de 2019, devem ser usados exclusivamente para financiar ações de fiscalização e combate aos incêndios florestais na Amazônia. Dados do sistema Siga Brasil compilados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram que, dos R$ 630 milhões repassados pela Petrobrás, a partir de seu acordo anticorrupção assinado com a Justiça, R$ 530 milhões, o equivalente a 84%, foram destinados ao Ministério da Defesa, com repasses distribuídos entre Exército, Marinha e Aeronáutica. Coube ao governo Bolsonaro definir onde colocaria o dinheiro, uma vez que a divisão desses valores não foi especificada pelo Supremo. Dos R$ 100 milhões que restaram do acordo da Lava Jato, o governo repassou R$ 50 milhões ao Ibama, órgão de proteção ao meio ambiente que, com apoio da Polícia Federal, tem a missão institucional de proteger e fiscalizar a Amazônia. O Incra recebeu R$ 35 milhões e o Ministério Agricultura, R$ 15 milhões. Já ICMBio e Funai não tiveram nenhum repasse oriundo do acordo bancado pela Petrobrás.

Ibama esvaziado

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Longe das prioridades orçamentárias para combater o desmatamento na Amazônia, o Ibama vive hoje a situação mais crítica de toda a sua história em relação ao número de fiscais que dispõe para realizar operações em campo. Principal órgão do governo federal na proteção da maior floresta tropical do mundo, o Ibama possui atualmente 591 agentes ambientais para enfrentar o avanço do crime ambiental, e isso não só na Amazônia, mas em todo o País. Dados oficiais do órgão obtidos pelo Estadão mostram que o quadro atual de agentes é 55% inferior ao que o instituto detinha dez anos atrás. Em 2010, eram 1.311 fiscais em atuação. Trata-se do pior cenário de fiscalização desde a fundação do Ibama, em 1989. Só em 2019, a redução do número de agentes de fiscalização ambiental foi de 24% sobre o ano anterior. Basicamente, são duas as causas desse esvaziamento: aposentadoria de servidores e falta de concursos públicos para renovação o quadro funcional. Nos últimos dez anos, a queda de fiscais só teve uma pequena paralisação entre 2015 e 2016, quando o órgão elevou seu quadro de 930 para 989 fiscais. De lá para cá, no entanto, o processo de esvaziamento prosseguiu. Dois meses atrás, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, enviou um ofício ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no qual descreveu a situação crítica e pediu autorização do chefe para realizar um concurso. Este previa a contratação de servidores não apenas para a área de fiscalização, mas também para analistas e técnicos administrativos. São áreas distintas. Um fiscal de campo não cuida de licenciamento ambiental, por exemplo. O Ibama solicitou, ao todo, a recomposição de 2.311 servidores, dos quais 970 poderiam atuar nas ações em campo. O impacto dessas contratações no orçamento de 2021 seria de R$ 66,6 milhões. O pleito não só foi rejeitado pelo governo, como agora a situação é de estrangulamento geral.

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