Por clima, Europa cria ‘vergonha de voar’

Consumidores estão mais atentos a grau de poluição do transporte e origem de produtos

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Por Edison Veiga
Atualização:

No verso do bilhete da companhia de trem italiana, um quadro informa a quantidade emitida de dióxido de carbono por passageiro em viagem, conforme o meio adotado. De Roma a Veneza, são 17 quilos por pessoa a bordo de trem, 57 quilos de carro e 81 quilos de avião. Em Bled, na Eslovênia, cartazes deixam claro: há torneiras de água potável por toda a parte – não compre garrafas plásticas. Em pequenas cidades alemãs, o reúso de produtos é institucionalizado pela vizinhança, que organiza bazares de doação.

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A preocupação com o consumo sustentável está por toda a Europa. Levantamento do Eurobarômetro, instrumento de pesquisas da Comissão Europeia, perguntou a jovens de 15 a 24 anos dos 28 países membros da União Europeia qual deveria ser a prioridade máxima do continente. Em 20 países, a maioria respondeu: combater a crise climática. Consciência, discurso e ações começam a andar juntos. E isso se reflete em novos hábitos.“A crise climática é a questão mais importante para o europeu médio hoje”, diz Tiago Reis, pesquisador de meio ambiente na Universidade Católica de Louvain,Bélgica. “E a primeira coisa que qualquer um podemexer é no que consome. Muitos jáoptam por soluções mais sustentáveis, mesmo quando custam um pouco mais.”  

Isso é visível nas prateleiras do supermercado, é claro, cada vez mais dominadas por alimentos orgânicos e sempre com informações sobre quem produziu, onde e como. Mas também está na outra ponta, quando o descarte é feito de forma mais responsável. “Minha máquina de lavar louças, por exemplo, é de segunda mão e eu peguei em uma calçada”, conta o artista plástico alemão Dieter Roos, morador do povoado de Münsingen, região de Stuttgart, no sudoeste da Alemanha. 

Ele conta sercomum por lá colocar na frente decasa eletrodomésticos, livros e outros objetos que não queiram mais. E uma plaquinha, onde se lê zu verschenken, algo como “para doar”. Pega quem quer. O que sobra, alguns dias depois, aí sim vai para o lixo. “Quem tem plantas no quintal põe até frutas e verduras, na época da produção. Cestos com maçãs, peras, cerejas”, enumera Roos, enaltecendo a iniciativa comunitária que abomina desperdícios. 

O secretário-geral da ONU, Antonio Gutierres, aperta a mão da ativista do meio ambiente sueca Greta Thunberg Foto: Eduardo Munoz Alvarez/AP

Transporte. Mas um dos principais vilões ambientais do dia a dia são os ires e vires motorizados. A ativista sueca Greta Thunberg, de16 anos, deixou em evidência o termo flygskam, expressão que significa “vergonha de voar”. É um fenômeno de gente que não quer mais andar de avião por causa do impacto ambiental. Para dar um radical exemplo, ela cruzou o Atlântico a bordo de um iate movido só com energia limpa até Nova York, onde participará da Cúpula do Clima das Nações Unidas (ONU), que começa amanhã. “Não uso avião por razões climáticas”, costuma dizer Greta, que opta pela malha ferroviária.

Na carona de outro termo que está ficando popular na Suécia – tagskryt ou “orgulho de andar de trem” – Greta já comentou que a decisão de cruzar o Atlântico em barco havia sido tomada porque “infelizmente não há uma linha de trem” capaz de ligar os continentes. Ontem, ela participou na ONU da primeira Cúpula Jovem do Clima, que reuniu ativistas de vários países.

Pesquisas. O meio acadêmico também segue o trilho. Pesquisadores da Universidade Chalmers de Tecnologia e da Universidade de Gotemburgo, ambas da Suécia, lançaram uma plataforma online para que o turista avalie as opções de deslocamento conforme o meio adotado em cada viagem: o site travelandclimate.org.

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A plataforma considera cálculos da Agência Ambiental Europeia, que aponta que a emissão de dióxido de carbono por quilômetro é de 14 gramas por passageiro de trem – ante 285 gramas de quem vai de avião. E soma a isso o impacto ambiental estimado conforme a acomodação escolhida. Por fim, situa a viagem em uma escala de verde a vermelho, para alívio ou peso na consciência do turista. 

Uma versão beta do sistema, em sueco, funcionou por cerca de um ano, antes de a plataforma ser lançada, e registrou mais de 50 mil usuários. Um dos pesquisadores que desenvolveu o sistema, o cientista Jörgen Larsson disse, no lançamento, que espera que a ferramenta auxilie a diminuir os impactos ambientais causados pelo ser humano. “Nossos estudos apontam que as emissões causadas pela aviação sueca é de cerca de uma tonelada de dióxido de carbono por cidadão. Isso é cinco vezes mais do que a média global”, pontuou ele, com base em análise de banco de dados de 1990 a 2017.

Além do transporte em si, viagens também são uma oportunidade para pensar de modo sustentável por meio de ações menores. É o caso das garrafas plásticas. Durante o verão, Bled insiste nos avisos para que turistas não comprem água – tomem de suas torneiras públicas. “Acho muito bom que seja feita essa conscientização”, diz a funcionária pública Francesca Meneghini, moradora de Lucca, na Toscana.

Ela passou férias na Eslovênia em agosto. “Na Itália também é comum ter fontes públicas de água. Mas nunca havia visto uma campanha enfática como a de Bled”, afirma. “A consciência ecológica está também nas pequenas coisas.”

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