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Plataforma do Instituto Igarapé expõe áreas de crimes ambientais na Amazônia

Projeto reúne histórias, mapas e dados públicos de fontes diversas relacionando ilícitos como mineração ilegal e grilagem de terras a mazelas sociais como corrupção, escravidão e violência contra indígenas e ativistas

Por Mariana Durão
Atualização:

RIO - No momento em que o desmatamento recorde e a extração ilegal de madeira na Amazônia ocupam as manchetes, uma nova plataforma quer dar visibilidade a outros crimes ambientais menos visíveis, mas igualmente danosos à região. Batizado de EcoCrime Data, o projeto do Instituto Igarapé em parceria com a InSight Crime reúne histórias, mapas e dados públicos de fontes diversas relacionando ilícitos como mineração ilegal, grilagem de terras e comércio de animais selvagens a mazelas sociais como corrupção, escravidão e violência contra indígenas e ativistas.

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Reconhecido pela expertise em segurança pública, o "think and do tank" tem se dedicado também à segurança climática. Jogar luz sobre os crimes ambientais é parte importante dessa agenda, já que ao causar danos às florestas, rios e biodiversidade eles aceleram o aquecimento global. Na outra ponta do ciclo, as mudanças no clima agravam a insegurança alimentar, os fluxos migratórios e os conflitos. A plataforma, ainda em estágio inicial, é fruto desse trabalho.

"A ideia é que seja uma plataforma pública e viva, com cada vez mais parceiros inserindo histórias e dados ao longo do tempo", afirma Ilona Szabó, cofundadora e presidente do Igarapé.

Brigadistas do Ibama combatem incêndio em unidade de conservação ambiental na região de Manicoré, no Estado do Amazonas Foto: Gabriela Biló/ Estadão

Há situações mapeadas não só no Brasil, mas nos outros oito países pelos quais se estende a Bacia Amazônica. Na mineração ilegal, há destaque para o caso da aldeia de Etheringbang, no oeste da Guiana, caminho para o contrabando e fluxos migratórios entre o país e a Venezuela. Mineiros conduzem suas operações sob a supervisão do Exército de Libertação Nacional (ELN) colombiano e das máfias venezuelanas conhecidas como "sindicatos", que lutam pelo controle das minas ilegais.

Na grilagem, a plataforma mostra que, no Brasil, 297 terras indígenas tituladas têm parte de seu território registrado por proprietários privados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). São mais de sete mil propriedades privadas registradas em terras indígenas, mas apenas 3% das reivindicações de terras do CAR foram validadas pelas autoridades.

Szabó destaca a importância de dar ferramentas ao cidadão comum para fazer conexões entre atividades econômicas, crimes ambientais e comuns - cruzamento em que o instituto quer se aprofundar - para tomar suas decisões de consumo de forma consciente. "O desmatamento ilegal está levando a região amazônica a um ponto de não retorno. Vivemos uma emergência climática e os esforços têm sido no sentido de enfraquecer a fiscalização e o combate ao crime ambiental. Mostrar isso, engajar e cobrar a responsabilização de todos os atores da sociedade é fundamental", diz.

Um próximo passo no programa de segurança climática da organização envolve também a responsabilidade corporativa e os tão falados critérios ESG (ambientais, sociais e de governança, em português). O Igarapé tem conversado com investidores de impacto para desenvolver uma espécie de manual que aponte os indicadores a serem levados em conta por fundos que se dizem "verdes" e que investem em empresas com negócios nos biomas brasileiros. A ideia é começar com diretrizes relativas ao desmatamento ilegal - o que e como monitorar -, mas depois aumentar esse escopo.

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Cúpula do Clima

Às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo governo dos Estados Unidos nos dias 22 e 23 de abril, a presidente do Instituto Igarapé demonstra preocupação com os rumos de uma eventual ajuda externa e com a imagem com que o Brasil chega ao encontro. Ela cita a situação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado de favorecer madeireiros, as recentes mudanças em Instrução Normativa que dificultam o processo de autuação de crimes ambientais pelo Ibama e os recordes no desmatamento na Amazônia Legal em março, na comparação com os últimos seis anos.

"A Amazônia de pé é o nosso passaporte para o futuro. O Brasil só é importante na geopolítica global por causa dela. É o nosso maior recurso pelo potencial de bioeconomia, biogenética, patentes. E a única chance de voltarmos a falar de igual para igual (globalmente)", diz Szabó.

Em carta enviada ao líder americano Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal no País até 2030, mas condicionou a meta ao apoio de outros países, principalmente financeiro.

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"É muito importante o Brasil receber reforço (financeiro), mas isso tem que se dar a partir de um marco de resultados concretos e auditáveis. O que foi feito nos últimos dois anos no País vai na contramão da carta enviada (a Biden)", diz. "Meu recado é: não deem recursos sem entender onde está o problema. E o problema está na capacidade das instituições de fiscalização como Ibama e ICMBio, que estão sendo propositalmente desmontadas", afirma Szabó.

O Instituto Igarapé teme pela sobrevalorização do papel da Polícia Militar nas operações de combate ao crime ambiental, que em sua visão deve se limitar a um apoio aos órgãos ambientais. A avaliação é que o jogo político tem que entrar na conta da cooperação internacional. Em resumo, além de resultados nas ações ambientais, é preciso salvaguardar o regime democrático das "tendências populistas e autoritárias".

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