Parlamentares vão ao Supremo para derrubar decisão de Salles sobre flexibilização no meio ambiente

Ministro aprova extinção de regras que protegem manguezais e restingas, abrindo espaço para especulação imobiliária

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Por André Borges
Atualização:
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BRASÍLIA - As decisões anunciadas nesta segunda-feira, 29, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passaram a ser alvos de uma série de questionamentos judiciais assim que foram oficializadas, no início da tarde.

A Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução do Conama, de número 500. Essa nova resolução aprovou a extinção de duas resoluções que delimitam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro, o que abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.

O Conama revogou ainda uma resolução que exigia o licenciamento ambiental para projetos de irrigação, além de aprovar uma nova regra, para permitir que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais para serem transformados em cimento, substituindo as regras que determinavam o devido descarte ambiental desse material.

O ministro do Meio Ambiente,Ricardo Salles Foto: Gabriela Biló/Estadão

Na ação, a Rede argumenta que houve violação aos parâmetros normativos previstos sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, sobre os limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e de localidades em geral e sobre a queima de agrotóxicos e outros materiais orgânicos em fornos de cimento.

O documento alerta sobre a “violação ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrotóxicos, diminuição de APPs à revelia de recomendações técnicas e modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na agricultura”. A peça trata ainda de “ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso institucional e socioambiental”.

“Após reduzir a participação da sociedade civil e dos estados e municípios no Conama, o antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aproveita para passar o resto da boiada e reduzir as áreas de proteção ambiental”, disse ao Estadão o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Não podemos aceitar que se fira a Constituição entregando à especulação imobiliária as áreas de restingas e manguezais. Cabe ao STF assegurar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e impedir esse grave retrocesso.”

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Na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de lei legislativo, no qual também pede que a nova resolução seja sustada, para que os temas sejam analisados. “Há um dever estatal de assegurar a progressiva melhoria da qualidade ambiental, não se admitindo flexibilizar direitos ambientais já consolidados. A extinção de espaços protegidos, por exemplo, é um flagrante retrocesso na preservação ambiental”, afirma Molon. “Como as revogações das referidas resoluções visam atender setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, se faz necessário observar que na CF existe um entrelace da ordem econômica com o meio ambiente.”

A bancada do Psol também apresentou um projeto de decreto legislativo, pedindo a suspensão das decisões. “Primeiro, o governo Bolsonaro esvazia o Conama através de decreto, retirando a participação da sociedade civil, depois implementa medidas que violam direitos socioambientais”, afirma a líder da bancada, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), na ação assinada pelos demais deputados da legenda. “As decisões do Conama afrontaram o poder regulamentar concedido ao Poder Executivo, sendo absolutamente incompatível com os princípios reitores da Constituição Federal de 1988, especialmente em relação aos princípios de proteção e defesa do Meio Ambiente.”

O líder da Minoria da Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT/CE), também apresentou Projeto de Decreto Legislativo (PDL) com o objetivo de sustar os efeitos da Resolução nº 500, que revogou resoluções anteriores de proteção ambiental.

Mais cedo, uma ação popular assinada por Nilto Tatto (PT-SP), Enio José Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pedia a suspensão da reunião e de suas decisões.

A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) também emitiu uma manifestação de repúdio contra a proposta de extinguir as resoluções ambientais. Instituição civil que reúne promotores de justiça e procuradores da República com atuação na defesa jurídica do meio ambiente, a Abrampa afirmou que a revogação das resoluções afronta os ditames legais e “ofende o princípio do não retrocesso, o qual permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental, ao passo que atos normativos contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais insegurança jurídica e instabilidade institucional”.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que também vai entrar com um ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão do Conama. "Vou entrar com ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão do Conama que revogou várias regras de proteção ambiental no Brasil. Contamos com o Judiciário para frear mais esse retrocesso!", disse o senador. “Depois da omissão absurda no desmatamento na Amazônia e nas queimadas no Pantanal, o governo federal agora derruba normas de proteção de áreas de preservação permanente e libera manguezais e restingas para especulação imobiliária.”

Contarato, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, lembra que os mangues são o berçário da biodiversidade costeira e sua degradação traz um alto impacto ambiental e social. “O ministro do Meio Ambiente quer transformá-los em resorts de luxo e fazendas de carcinicultura. A sociedade precisa reagir a essa barbaridade”, declarou.