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Opinião|Otimismo de Obama

Ex-presidente dos EUA acredita que as mudanças tecnológicas e as forças de mercado já tornaram a migração para o uso de energia limpa algo irreversível

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Atualização:

A temperatura do planeta subiu e bateu o terceiro recorde consecutivo. Nesta semana assumiu a Presidência dos Estados Unidos um ser humano que acredita que “o aquecimento global não passa de uma criação do governo chinês para tornar a indústria americana não competitiva”. A boa notícia foi um artigo publicado na mais renomada revista científica dos EUA que começa com a seguinte frase: “A liberação de gás carbônico e outros gases de efeito estufa, causada pela atividade humana, está aumentando a temperatura do ar, alterando os padrões climáticos e acidificando os oceanos”. E o autor é Barack Obama.

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Mas o mais interessante é que Obama e seus colaboradores não gastam papel repetindo que o aquecimento global é uma realidade. O que eles tentam mostrar é que a adoção da energia limpa é uma tendência irreversível. E usam três argumentos.

O primeiro é que entre 2008 e 2015, pela primeira vez o crescimento econômico dos EUA foi desacoplado da emissão de gás carbônico. No passado a queima de petróleo sempre esteve associada ao crescimento econômico. Quanto mais uma economia crescia, mais petróleo ela consumia. Se o crescimento diminuía, diminuía o consumo de petróleo. Era como se fosse possível usar a queima de petróleo como um indicador do crescimento econômico. Nas três vezes em que o consumo de petróleo estagnou ou diminuiu o mundo estava vivendo uma crise de crescimento: no início da década de 1980, em 1992 e em 2009. Esse acoplamento direto entre a emissão de gás carbônico e o crescimento levou muitos economistas a acreditar que só era possível crescer com aumento das emissões. Se a humanidade decidisse diminuir as emissões, teria de conviver com uma diminuição no padrão de vida.

Pois bem, entre 2008 e 2015, as emissões de gás carbônico para produção de energia nos EUA caíram 9,5% e a economia cresceu mais de 10%. A quantidade de energia consumida para cada dólar de crescimento econômico caiu 11%, a quantidade de gás carbônico emitida por unidade de energia produzida caiu 8% e a quantidade de gás carbônico emitido por dólar de crescimento caiu 18%. Segundo Obama, essa é a primeira vez que o crescimento econômico foi desacoplado da produção de gases de efeito estufa, o que demonstra que é possível crescer sem aumentar proporcionalmente o consumo de petróleo.

O segundo argumento é que isso foi conseguido por meio da implementação de regulamentações que fomentaram as inovações que permitiram essas mudanças. Entre as medidas estão os limites de consumo e emissão para automóveis e regulamentos que forçam os eletrodomésticos a usar menos energia. As inovações necessárias para cumprir essas regras foram desenvolvidas pelo setor privado e resultaram em um decréscimo de 2,5% no uso total de energia nos EUA entre 2008 e 2015. Isso num período em que a economia cresceu 10%.

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Essa mudança fez com que hoje 2,2 milhões de pessoas estejam trabalhando para produzir e instalar essas novas tecnologias, praticamente o dobro do número de empregos que existem no setor de produção de energia.

O terceiro argumento é que os incentivos à inovação no setor de produção de energia limpa provocaram ganhos enormes de eficiência nesse período: os custos da energia eólica caíram 41%, da energia fotovoltaica no teto das casas, 54%, e em instalações industriais, 64%. Em 2015, foi investido duas vezes mais em energias limpas do que na extração de combustíveis fósseis. O resultado é que hoje a fração da energia limpa na matriz energética aumentou. O uso de gás passou de 22% para 30% e, no Estado de Iowa, a fração da eletricidade eólica passou de 8% para 32%.

Com base nesses argumentos Obama acredita que as mudanças tecnológicas e as forças de mercado já tornaram a migração para o uso de energia limpa algo irreversível. Sem dúvida, os resultados são impressionantes, mas, infelizmente, não concordo com a conclusão. Aqui no Brasil sabemos muito bem o poder destruidor de uma caneta na mão de um governo equivocado. Vamos ver o que vai acontecer nos EUA. Obama é um otimista. 

MAIS INFORMAÇÕES: THE IRREVERSIBLE MOMENTUM OF CLEAN ENERGY. SCIENCE VOL. 355 PAG. 126 2017 * É BIÓLOGO

Opinião por Fernando Reinach
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