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Ocupação pode ter piorado crise hídrica em Brasília

Cidade recebe Fórum Mundial da Água em meio a racionamento; entorno de reservatório teve aumento de 336% na urbanização

Foto do author André Borges
Por Giovana Girardi , André Borges e de Brasília
Atualização:

Mergulhada em um racionamento de água que não tem data para acabar, Brasília recebe a partir de hoje o 8.º Fórum Mundial da Água. O desafio será discutir um problema que atinge não somente a capital, mas vem assombrando o País nos últimos anos e é cada vez mais comum em vários cantos do mundo.

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Enquanto cerca de 10 mil congressistas de 170 países debatem o tema “compartilhando água”, o País tem em grande parte do seu território – no Semiárido do Nordeste, há sete anos, e no Centro-Oeste, há três – um quadro de crise hídrica.

Paulo Salles, diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa) do Distrito Federal, autarquia ligada ao governo distrital, diz não haver risco de faltar água no evento e que o racionamento, em vigor há mais de um ano, é “oportunidade” para discutir o problema.

Por via das dúvidas, porém, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) decidiu suspender o rodízio de água na quinta-feira (22) na região do Estádio Mané Garrincha e do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, onde ocorre o fórum. Pela programação do racionamento, quinta é o dia que a região teria interrupção do fornecimento de água por 24 horas. Nesta semana isso não vai ocorrer.

A informação foi divulgada neste domingo pela Folha de S. Paulo. De acordo com o jornal, toda a região central da cidade, que concentra a maior parte dos hotéis, seria beneficiada com a suspensão do rodízio durante toda a realização do fórum (de hoje a sexta). Ao Estado, a Caesb informou que isso era uma situação em estudo, mas que decidiu-se manter o fornecimento aberto apenas para o estádio e o centro de convenções. No total, incluindo visitantes, o fórum espera reunir 40 mil pessoas.

“A crise hídrica é mundial, não é um problema local. Todos enfrentam dificuldades. As variações atreladas ao clima estão se concretizando”, afirma.

Ele admite, porém, que obras previstas que podiam ter evitado o racionamento não foram realizadas. “O racionamento ocorre porque não executaram o que estava no papel. Além da falta de investimento, houve paralisia por órgãos de controle. Temos problemas de gestão.”

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Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) sugere que a escassez de água na capital federal vai além da falta de chuva ou da conclusão de obras de novos reservatórios.

O trabalho analisou a evolução, desde 2000, do reservatório do Descoberto, o principal da região, que atende 2/3 da população de Brasília – 2 milhões de pessoas. Com imagens de satélite, o trabalho constatou redução de 37% da área de espelho d’água do reservatório no período de 2016/2017 na comparação com 2013/2014, início da crise. A análise considerou o chamado ano hidrológico, que vai de outubro de um ano (início da temporada de chuvas) a setembro seguinte (fim da seca).

De 2000 a 2014, mesmo em momentos de menos chuva, a área do espelho nunca ficou abaixo dos 1,1 mil hectares. A partir de então, com uma redução mais intensa das chuvas, a área começou a diminuir, batendo um recorde atrás do outro, até chegar a 773,2 hectares no último ano hidrológico, de outubro de 2016 a setembro de 2017. O volume de chuva no período foi o menor desde 2000.

Mas os pesquisadores do Ipam observaram outra mudança – a redução da cobertura vegetal na Área de Proteção Ambiental (APA) no entorno do Descoberto. A cidade cresceu na região. Houve um aumento de 336% de infraestrutura urbana de 2000 a 2016.

Fatores

“É um efeito sinérgico entre o avanço da especulação imobiliária na região da APA e a consecutiva falta (de chuva). De fato tivemos períodos de seca expandidos, mas já tinham ocorrido outros momentos de pouca chuva no passado e nem assim o reservatório ficou tão baixo”, comenta a pesquisadora Ane Alencar.

Para ela, a combinação da mudança do uso do solo com ondas de calor e de seca pode ter criado um ponto de não retorno. “Tem chovido recentemente e o reservatório está se recuperando (chegou a 66,6% na sexta-feira), mas não quer dizer que o problema acabou”, diz.

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Para André Lima, que foi secretário de Meio Ambiente do DF até novembro passado, houve ao longo do tempo um descaso com a questão ambiental. “Sempre se viu a questão como um problema de engenharia. Deixou-se a cidade crescer de forma desordenada, com ocupação em cima de nascente, em área de manancial. E chegamos a um limite.”

Lima defende que haja um programa de longo prazo para recuperar o entorno do reservatório a fim de mantê-lo como uma bacia produtora de água. “Ainda é uma área prioritariamente rural. É preciso investir em tecnologias para um uso mais sustentável. Sem isso, tem muito produtor vendendo parcelas de sua terra. Sem esse cuidado, vai virar tudo urbano.”

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Ele diz que vai ser lançado, durante o fórum, um programa, com financiamento do programa da ONU para o Meio Ambiente para avaliar como pode ser feita essa recuperação.

“A ideia é identificarações estratégicas que precisam ser tomadas para garantir a manutenção da produção hídrica na bacia: regularização fundiária, novas tecnologias de irrigação para reduzir o consumo e recuperação das nascentes. E dizer quanto isso vai custar e quais são as formas possíveis de pagar.”

Lima lembra, porém, que a saída que vem sendo buscada para a crise é a construção do reservatório Corumbá 4, em Goiás, a cerca de 100 km da capital federal. “Vamos gastar com isso cerca de R$ 1 bilhão, para buscar água longe, quando ainda há espaço para reduzir a demanda de água e conter a degradação do entorno do reservatório. É um raciocínio que deveria se aplicar a todas as metrópoles do País.”

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