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O segredo dos EUA para selar um acordo global de metano: abaixar o nível de exigência

As nações que assinaram o pacto não têm obrigação de cortar emissões de metano em determinada quantidade, apenas devem 'se comprometer com uma meta coletiva' de redução em pelo menos 30% ante os níveis de 2020 até 2030

Por Jennifer A Dlouhy e John Ainger
Atualização:

Estados Unidos e União Europeia estavam tentando atrair nações para um pacto inédito, cujo objetivo seria reduzir as emissões mundiais de metano, então o enviado americano para o clima, John Kerry, adotou um discurso bem simples.

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Assinar a promessa, divulgada na cúpula do clima COP-26 na terça-feira, 2, equivaleria a reconhecer coletivamente o problema representado pelo potente gás de efeito estufa – não significaria um "fardo" para cortar as emissões nacionais, disse Kerry.

"Vocês não estão prometendo que conseguirão uma porcentagem X – 10, 20, 30, 40%", disse Kerry aos demais países durante uma reunião sobre o esforço no mês passado. "Vocês estão prometendo que farão parte de um esforço global para conseguirmos uma redução global de 30%."

Imagem do enviado presidencial dos EUA para o Clima, John Kerry, durante reunião da Cúpula dos Líderes Mundiais da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática COP26, em Glasgow, na Escócia. Foto: Brendan Smialowski / AFP 

O resultado é uma promessa que não é vinculante para as nações que a assinam. Estas não têm nenhuma obrigação de cortar suas próprias emissões de metano em determinada quantidade, apenas devem "se comprometer com uma meta coletiva de reduzir as emissões globais de metano em pelo menos 30% ante os níveis de 2020 até 2030" e buscar as melhores abordagens disponíveis para quantificar o problema, de acordo com um comunicado conjunto dos Estados Unidos com a União Europeia.

Esse posicionamento baixou o nível de exigência para a assinatura de 105 nações – entre elas o Brasil, rico em gado. Embora o país esteja aderindo ao acordo do metano, o documento mais recente detalhando suas medidas ambientais não inclui nenhuma política de limitação das emissões do gás.

Grandes produtores de petróleo e gás, como os Estados Unidos e o Canadá, podem implantar tecnologia eficaz e relativamente barata para evitar os vazamentos da indústria hoje. Mas para França, Brasil e outros países cujas emissões de metano estão em grande parte ligadas à pecuária e são mais difíceis de controlar, as reduções seriam mais lentas. "Os países têm perfis de emissões de metano e potenciais de redução muito variados, mas todos podem contribuir para alcançar a meta global coletiva, por meio da redução doméstica de metano e de ações cooperativas internacionais", afirmaram a União Europeia e os Estados Unidos em comunicado conjunto.

Apesar do baixo nível de exigência para a entrada no acordo, a União Europeia e os Estados Unidos não conseguiram convencer os superpoluidores Rússia e China a apoiarem o pacto. Os países do acordo representam agora 15 dos 30 maiores emissores do mundo, incluindo Indonésia, Paquistão, Argentina, México, Nigéria, Iraque, Vietnã e Canadá.

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A promessa representa o primeiro compromisso político internacional para lidar com o metano, que, proporcionalmente, tem 84 vezes mais poder de retenção de calor do que o dióxido de carbono nos primeiros vinte anos após sua liberação. Se a meta for cumprida, evitará um aquecimento de 0,2 graus Celsius. Ainda assim, é apenas o primeiro passo. Para ser compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais, a taxa de redução deve ficar próxima a 45%, de acordo com um relatório das Nações Unidas.

As autoridades da União Europeia e dos Estados Unidos que trabalharam na iniciativa esperam que ela desenvolva mais força e responsabilidade, com esforços anuais para chegar à meta de redução de 2030.

Mark Brownstein, vice-presidente sênior de energia do Fundo de Defesa Ambiental, disse que as medições de metano por grupos privados e o novo Observatório Internacional de Emissões de Metano da ONU serão essenciais para cobrar a responsabilidade dos signatários. Essas medições "nos fornecerão os dados de que precisamos para avaliar se os compromissos e planos resultam em reduções concretas de emissões", disse ele.

O trabalho inicial foi fazer com que os países assinassem o acordo e garantir "o lançamento mais forte possível dessa promessa global de metano na COP-26", disse Rick Duke, contato da Casa Branca junto ao enviado presidencial para a mudança climática. Então, disse ele, o foco mudará para a implementação, com a expectativa de que avaliações anuais façam um balanço do progresso.

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Os países que aderem ao pacto podem esperar uma pressão cada vez maior para cumprir suas metas de redução do metano, mesmo sem penalidades em caso de não cumprimento.

Estamos "tentando empregar uma forma de encorajar mais investimentos, encorajar mais progresso nas políticas", disse Duke em um evento da Força-Tarefa do Ar Limpo e da revista New Statesman, em 9 de outubro. No evento de terça-feira, Kerry rebateu perguntas que sugeriam que a promessa era ineficaz, dizendo que os países que aderiram podem esperar ser responsabilizados se ficarem aquém das metas.

"Em grande medida, são as pressões dos pares, o escrutínio público, o vexame e outras coisas que atuam como incentivos", disse ele. "Não é nem mesmo uma coisa extremamente cara. É o que eu chamaria de fruta ao alcance da mão, que não foi colhida até agora. Temos aqui a possibilidade de provocar um impacto profundo."

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E há todo um ecossistema de grupos "prontos para entrar em ação" com monitoramento e apoio filantrópico, disse Sarah Smith, chefe do programa de superpoluentes da Força-Tarefa do Ar Limpo.

"Esta promessa, ancorada no nível dos chefes de estado, abre uma porta", disse ela. "Está ocorrendo no nível de primeiros-ministros e presidentes que estão reconhecendo que a redução do metano é a estratégia mais eficaz para combater o aquecimento global agora". / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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