RIO - O climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), diz que o aumento da temperatura média da Terra deve chegar a 1,5ºC já em 2030 se compromissos climáticos mais ambiciosos não forem firmados na COP-26. Ao analisar o rascunho do documento final divulgado nesta quarta-feira, 10, Nobre diz que é praticamente impossível reduzir à metade a emissão de gases do efeito estufa até o fim desta década, conforme previsto no Acordo de Paris, empurrando a adoção de metas maiores mais uma vez para os próximos anos.
O climatologista vê aspectos positivos na reunião de Glasgow. Cita o acordo para a redução de metano e o compromisso pelo fim do desmatamento, assinados por mais de cem países. Mas concorda com a ativista Greta Thunberg, que reclama da linguagem vaga dos acordos, sinalizando intenções e ações voluntárias, e nunca compromissos de fato.
“Assumindo que esse é o documento final e não haverá nenhuma mudança revolucionária até sexta-feira, não dá pra abrir uma garrafa de vinho e comemorar”, disse. “Nós, da comunidade científica, que há décadas alertamos para o problema, continuamos muito preocupados.”
Que pontos positivos o senhor vê no rascunho divulgado na quarta-feira?
O Acordo de Paris, de 2015, diz que o aumento médio da temperatura deve ser de até 2ºC, idealmente 1,5ºC. Neste rascunho, no parágrafo 23, referente às mitigações, o documento reconhece que os impactos serão muito menores se o aumento for de 1,5ºC e que “devemos perseguir esforços” para limitar o aumento. Isso não estava assim de forma tão enfática no Acordo de Paris. Se for aprovado assim é muito positivo. Lembrando que a diferença entre 1,5ºC e 2,0ºC é o embranquecimento de mais de 90% dos recifes de coral. É muito grande. O documento também menciona a redução das emissões de CO2 em 45% até 2030 e das emissões de metano em 30% até 2030. Sem falar no acordo firmado por mais de cem países para o fim do desmatamento. Esses são aspectos positivos, em que há avanços em relação a 2015.
Qual é o real impacto da redução do metano?
O gás carbônico é o principal gás do efeito-estufa, o que emitimos mais e o que tem que ser mais rapidamente cortado. Mas para termos um impacto positivo na redução das mudanças climáticas, precisamos reduzir outros gases do efeito estufa também, como o metano e o óxido nitroso. Embora o planeta emita menos metano do que CO2, metano absorve muito mais radiação térmica do que o gás carbônico. Em um século, por exemplo, essa absorção é 28 vezes maior. Por isso, é muito importante cortar o metano também. As duas estratégias devem ser adotadas paralelamente. Reduzir as emissões de metano em 30% é positivo, caminha na direção correta, mas essa meta precisaria ser maior. Essas emissões devem ser zeradas o mais rapidamente possível.
Qual o peso de cada gás do efeito estufa na conta do aquecimento global?
Contando de 1850 (quando as medições começaram a ser feitas) em diante, se emitissemos só CO2 teríamos, atualmente, um aumento médio da temperatura de 1ºC. O metano agrega 0,3ºC a essa conta. O óxido nitroso e os demais gases, 0,2ºC. Ou seja, pelas emissões, já teríamos chegado a um aumento de 1,5ºC. Sabemos, no entanto, que o aumento médio da temperatura até hoje foi de 1,1º C a 1,2ºC. Isso ocorreu porque partículas poluentes, resultantes da queima de carvão e de petróleo, refletem a radiação solar, baixando a temperatura em 0,35 a 0,4ºC. Quando reduzirmos significativamente a emissão decorrente da queima de combustível fóssil, vamos reduzir também a poluição e, consequentemente, a quantidade dessas partículas que refletem a radiação. Precisamos, então, compensar esse fator. Por isso é importante reduzir também os outros gases.
Mas, apesar dos avanços mencionados, as metas apresentadas pelos países ainda estão muito longe do ideal. Pelos números atuais, o aumento médio da temperatura ficará entre 2,4 e 2,7ºC, o que pode ter consequências desastrosas para o planeta. Não se esperava mais dessa COP?
Sim, esperávamos um compromisso maior nesta COP, mas eles foram mais uma vez adiados, para 2022 e 2023, segundo o rascunho do documento. Com as metas que estão na mesa, chegaremos a 2030 com um aumento de 13% a 16% das emissões (e não com uma redução de 50%, conforme previsto) e com uma elevação da temperatura média de 1,5ºC. A criação do fundo de US$ 100 bilhões para os países em desenvolvimento, previsto em 2010 e que deveria ocorrer este ano, também foi adiada e deve ficar para 2023. E já sabemos que esse valor é insuficiente. O que (a ativista ambiental) Greta Thunberg e outros jovens que estão nas ruas de Glasgow estão dizendo é correto. De fato, a terminologia desses documentos finais sinalizam intenções, propõe ações voluntárias, mas é muito vaga.
O senhor continua preocupado, então?
Assumindo que esse é o documento final e não haverá nenhuma mudança revolucionária até sexta-feira, não dá pra abrir uma garrafa de vinho e comemorar. Nós, da comunidade científica, que há décadas estamos alertando para o problema, continuamos muito preocupados. Pelo ritmo dos acordos e a velocidade das emissões globais não há nenhum sinal de que vamos conseguir reduzir as emissões em 50% até 2030. Pelo contrário, nos parece virtualmente impossível. Essa COP não nos deixa uma confiança de que essa meta será atingida.