Na reta final, 'Acordo de Paris' descarta meta de redução de emissões

Negociadores abrem mão de fixar objetivos numéricos de redução das emissões de gases de efeito estufa em troca de compromisso por novo quadro legal de luta contra mudanças climáticas

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Por Giovana Girardi e Andrei Netto
Atualização:

PARIS - A presidência da 21ª Conferência do Clima da ONU apresentou na noite desta quinta-feira, 10, as bases do "Acordo de Paris", o novo marco legal de luta contra as mudanças climáticas. Na tentativa de chegar a um compromisso, e acomodar os interesses de todos os 195 países, o texto acabou abandonando um dos pontos mais críticos das negociações: a cláusula que fixava metas porcentuais totais para o plano de redução de emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global. A proposta de redação final será discutida durante toda a madrugada com o intuito de levar o texto à votação ainda nesta sexta-feira.

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A última versão do documento - que será denominado "Acordo de Paris", e não protocolo ou tratado - foi apresentada pouco depois das 21h na capital francesa, 18h em Brasília, pelo chanceler da França, Laurent Fabius, também presidente da 21ª Conferência do Clima (COP21) das Nações Unidas. O texto, de 27 páginas, foi uma versão quase definitiva, que reduziu o número de trechos ainda em discussão de mais de 300 para cerca de 50. Como era previsto, as maiores divergências persistem em três áreas estruturantes, chamadas de "transversais": diferenciação entre as responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento, financiamento e nível de ambição. 

O novo rascunho - o último antes da proposta de texto final que será apresentada na sexta pela França - indica o objetivo de manter o aumento da temperatura média da Terra até 2100 "bem abaixo de 2ºC". O texto, no entanto, faz uma ponderação ao afirmar que os países farão "esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC, reconhecendo que isso significaria reduzir substancialmente os impactos das mudanças climáticas". Essa redação corresponde à fórmula defendida pelo governo do Brasil, mas também atende em parte às pressões de países como Estados Unidos, os da União Europeia e as pequenas ilhas ameaçadas de desaparecimento, que pediam "mais ambição" no acordo. 

Por outro lado, caiu do projeto de Acordo de Paris a menção do que o mundo terá de fazer para segurar essa temperatura, ou seja, o "objetivo coletivo de longo termo". Em versões anteriores, esse item especificava as metas de redução das emissões. Até a noite de quarta-feira, havia opções de atingir o pico das emissões o mais cedo possível e cortá-las entre 40% a 70% ou entre 70% e 90% até 2050, em relação aos níveis de 2010. Ambas as alternativas foram eliminadas no projeto de redação final, que ficou genérica: "Para alcançar o objetivo de temperatura global de longo prazo (de 2ºC), "as partes têm o objetivo de alcançar o pico das emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível". 

Sob condição de sigilo, um negociador-chefe de país emergente afirmou que fixar um objetivo mais ambicioso de controle da temperatura - entre 1,5ºC e 2ºC -, mas sem impor metas de redução das emissões, foi a solução encontrada para se chegar a um compromisso político que viabilize o Acordo de Paris. Em discurso, o presidente da COP 21, Laurent Fabius, reiterou que essas "renúncias" fazem parte das negociações. "Alcançar o compromisso requer renunciar o que é ideal para cada um a fim de chegar ao que é desejável para todos", argumentou, lembrando: "Chegou a hora de alcançarmos um acordo". 

Outros pontos cruciais para o Acordo de Paris, entretanto, foram mantidos. É caso do volume de financiamento anual de US$ 100 bilhões pós-2020, quando o documento entrará em vigor. Não há indicativo de como esse valor, que terá de ser arcado por países desenvolvimentos para financiar ações de adaptação e de mitigação em nações em desenvolvimento, crescerá com o passar do tempo. Emergentes, como China, Índia ou Brasil, não terão obrigação de contribuir. "Outras partes poderão, em bases voluntárias e complementares, prover recursos para países em desenvolvimento, incluindo iniciativas de cooperação Sul-Sul", diz o documento.

Outro consenso importante foi a fixação de 2018 como o ano de um primeiro balanço das metas voluntárias nacionais de redução de emissões (INDCs) e 2023 como a primeira revisão obrigatória dos objetivos. Um mecanismo será criado para que as reanálises aconteçam a cada 5 anos.

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Na noite desta quinta, as primeiras críticas ao texto dividiram organizações não-governamentais sobre a qualidade do compromisso. "Apesar de não ser o ideal, e de terem saído as menções a metas específicas de corte de emissões, o texto inclui a expressão 'alcançar a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa na segunda metade do século'. Isso é importante porque quase tem o mesmo peso de 'descarbonização'", entende Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade. "Poderia ser um texto mais ambicioso, mas só o fato de manter a bordo os Estados Unidos e a China já é uma grande vitória." 

Para Martin Kaiser, diretor internacional de Políticas de Clima do Greenpeace, "o que está na mesa simplesmente não é bom o bastante". "É um problema bem grande que as metas de emissões não mantenham o planeta abaixo de 1,5°C de aquecimento", reclamou. "Este texto deveria dizer que os países têm de apresentar números melhores, mas diz que vamos resolver isso em 10 ou 15 anos. Isso é tarde demais." 

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