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Na luta pelo babaçu

Quebradeira de coco no MA, Maria Adelina entendeu que é preciso proteger a palmeira

Por Giovana Girardi
Atualização:

Talvez poucas pessoas na Amazônia entendam tão bem quanto Maria Adelina de Sousa Chagas que a proteção ao meio ambiente está diretamente relacionada à própria sobrevivência. Quebradeira de coco de babaçu desde os 7 anos, Dada, como ela prefere ser chamada, é hoje, aos 50 anos, símbolo da luta pela preservação dessas palmeiras localizadas na fronteira oriental da Amazônia, das quais vivem cerca de 400 mil mulheres. "Aprendi com minha mãe a quebrar coco quando tinha só 7 anos, casei com 15, continuei quebrando coco, minhas filhas sabem quebrar coco, minha vida foi quebrar coco, só parava no resguardo após cada parto", conta. Mas nem sempre Dada sentiu esse orgulho de si mesma. Por muito tempo, na verdade, ela só "obedecia ordens", como se lembra. A virada aconteceu quando Dada descobriu que tinha o poder de mudar o rumo de sua vida. "Era 1985, começava a valer o Plano Nacional de Reforma Agrária e a nossa comunidade (São José dos Mouras, no interior do Maranhão) foi uma das escolhidas para virar assentamento. Pela primeira vez, senti que fazia parte de algo maior. Até então era só uma fêmea, uma reprodutora. Me tornei mulher a partir do momento em que vi que o mundo não era só o povoado em que eu vivia, que tinha direito à saúde, à educação." Na época, as quebradeiras estavam vendo sua atividade ameaçada pelo desmatamento dos babaçuais e por fazendeiros que proibiam sua entrada em terras particulares, às vezes com violência. "Compreendi que cada palmeira derrubada acabava com a sobrevivência de uma família. Se não preservar (o babaçu), a gente vai desaparecer", afirma. QUALIDADE DE VIDA Após essa epifania, a defesa do meio ambiente se tornou sua luta, juntamente com o trabalho para dar voz e qualidade de vida às mulheres. Em um primeiro momento, Dada e mais sete quebradeiras de coco de quatro municípios do Maranhão se uniram em uma articulação para defender os babaçuais e o acesso delas às palmeiras. Com o passar do tempo, outras foram se agregando até que o movimento virou interestadual, reunindo hoje mais de 5 mil mulheres também do Pará, do Piauí e do Tocantins. Nos quatro Estados, os babaçuais ocupam cerca de 18 milhões de hectares. A ação se dava basicamente por duas frentes: os empates - linha de mulheres fazendo uma barreira corporal para impedir a derrubada, no mesmo modelo usado pelos seringueiros do Acre - e articulações com os Legislativos dos municípios e dos Estados para a implantação de leis do babaçu livre. A primeira cidade a adotar a lei foi Lago do Junco (no interior do Maranhão), em 1996, e desde então mais 14 aderiram. Agora as quebradeiras brigam por uma lei nacional, que foi apresentada ao Congresso. "Está tramitando, mas a bancada ruralista não está gostando nada da idéia", conta. Agora as quebradeiras enfrentam nova ameaça: a queima do coco inteiro, transformado em carvão para abastecer siderúrgicas. "Os fazendeiros vendem direto o coco para as empresas ou alugam as terras para peões fazerem isso. Eles competem direto com a gente. Nem querem nos ver por perto", conta Maria Adelina. De acordo com ela, a situação mais delicada ocorre no Pará, onde a ação dos fazendeiros é historicamente mais truculenta. "A pressão nos últimos anos só vem aumentando. Há 40 anos tínhamos mata por aqui, hoje é só capoeira, com algumas palmeiras espalhadas. O preço subiu, o que é bom para gente, mas a pressão também aumentou."

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