Na era da economia de baixo carbono, Brasil já tem 552 startups ambientais

Espalhados por todas as regiões, esses empreendedores atuam nos setores de gestão da água e de resíduos, agropecuária, energia, logística e mobilidade, e uso do solo e florestas

Publicidade

Por Giovana Girardi
Atualização:
4 min de leitura

Nos corredores da Feria de Madrid, onde foi realizada a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) nas duas primeiras semanas do mês, enquanto diplomatas discutiam, sem muito sucesso, como avançar no combate ao aquecimento global, um grupo brasileiro mostrava que negócios inovadores estão avançando rapidamente. São as chamadas clean techs – startups que fazem negócios bons para o clima e trazem soluções com o objetivo nada modesto de tentar salvar o planeta. 

Esse movimento vem crescendo no País e no mundo. Entre 2018 e 2019, somente o Instituto Climate Ventures, que ajuda a estruturar startups com esse propósito, mapeou 552 negócios no Brasil que rendem impacto positivo no clima, promovendo o que eles chamam de economia regenerativa e de baixo carbono. Espalhados por todas as regiões do País, atuam nos setores de gestão da água e de resíduos, agropecuária, energia, logística e mobilidade, e uso do solo e florestas. 

Diogo Tolezano, fundador da Pluvi.on Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADAO

Em novembro, na Climate LaunchPad, competição internacional de clean techs que ocorreu em Amsterdã, o Brasil foi o país com o segundo maior número de negócios inscritos – 155 –, perdendo só para a Índia, com quase 500. No total, participaram do evento 2.601 empreendedores de 53 países. 

E em junho, a feira Conexão Carbono Zero, voltada para soluções que visem transformar os modelos de negócios e políticos para reverter a mudança climática, concluiu que trabalhar a favor do clima traz oportunidades que somam US$ 42 bilhões. As empresas participantes do evento revelaram que já investiram US$ 5 bilhões em soluções desse tipo e evitaram a emissão de 921 milhões de toneladas de carbono.

Alerta de inundação

Nesse cenário, estão iniciativas que podem ocorrer tanto na pequena escala quanto trazendo soluções para setores inteiros. Uma delas, de São Paulo, é a Pluvi.on, que surgiu com o objetivo de tentar salvar as pessoas de áreas de risco de eventuais enchentes. Em um mundo cada vez mais aquecido, a ocorrência de eventos extremos, como chuvas rápidas e intensas, com potencial de inundação, será cada vez mais frequente.

Continua após a publicidade

Para ajudar em projetos de adaptação para esse problema, a ideia dos fundadores da Pluvi.on foi desenvolver um sistema mais localizado e aperfeiçoado de previsão do tempo. Hoje, eles já conseguem dizer com uma precisão de mais de 80% (contra os cerca de 70% dos sistemas convencionais) se vai chover ou não. E o plano é em alguns anos não só elevar essa precisão para mais de 90% como conseguir alertar bairros e comunidades que podem sofrer com inundações. 

“Em eventos extremos, às vezes uma tempestade intensa de poucos minutos é suficiente para causar enchentes. Uma chuva de 20 milímetros ao longo do dia não é um problema, mas em dez minutos causa um caos. E a previsão do tempo tradicional não traz essa precisão”, afirma Diogo Tolezano Pires, fundador da Pluvi.on.

A empresa começa um projeto-piloto neste verão em cinco comunidades da zona leste da capital, na várzea do Tietê, que têm alta vulnerabilidade a enchentes. Miniestações meteorológicas foram instaladas nos bairros e, por meio de uma ferramenta de conversa, apelidada de São Pedro, as pessoas poderão consultar a previsão do tempo para suas regiões. 

Em um primeiro momento, elas saberão, por exemplo, se vai chover, mas a intenção é que, com o aprendizado da tecnologia e a coleta de mais dados, em alguns anos seja possível dizer, por bairro, de um modo mais micro, onde há risco de inundação.

Outro projeto vencedor da chamada deste ano de Bons Negócios pelo Clima da Climate Ventures foi o Macaúba, da startup Inocas, de Minas Gerais, que tem como objetivo gerar uma alternativa ao óleo de palma (o dendê) a partir da palmeira típica do Cerrado brasileiro.

“Hoje, 60% de tudo o que existe em um supermercado têm óleo de palma – do chocolate ao hidratante de corpo. Mas o plantio da palma levou ao desmatamento de grandes áreas de floresta tropical no mundo, em especial na Indonésia. Defendemos a macaúba como uma alternativa sustentável à palma”, explica Johannes Zimpel, diretor executivo da Inocas. 

A ideia surgiu de uma provocação feita pela companhia aérea Lufthansa, que queria uma alternativa aos combustíveis fósseis para abastecer seus aviões. A macaúba surgiu como uma opção para isso. Hoje ela ainda não chegou ao estágio de substituir o diesel da aviação, mas a Inocas desenvolveu uma metodologia de extração otimizada do óleo, que mostrou ter as mesmas qualidades da palma e pode substituí-la  nos usos mais corriqueiros. 

Continua após a publicidade

O plantio vem sendo feito em áreas de pastagem degradada, aumentando a produtividade do gado e criando renda extra do óleo. “O Cerrado tem 50 milhões hectares de pastagens. Se o conceito fosse replicado em todas, seria possível não só melhorar a renda no pasto como ter uma produção de macaúba que atingiria o dobro da produção mundial de palma”, diz Zimpel.

A ideia é ainda promover uma economia regenerativa. "Como espécie pioneira, a macaúba abre caminho para a sucessão de espécies, assegurando a conservação e a recuperação ambiental, podendo ser consorciada com outras culturas em sistemas agroflorestais ou silvipastoris ou ser adotada para plantio de áreas de preservação ambiental com possibilidade de exploração comercial dos seus frutos", explica Zimpel.

'Escutando' os encanamentos

Outro exemplo de destaque é a Stattus4, de Sorocaba, que desenvolveu, com inteligência artificial e internet das coisas, uma forma de "escutar" os encanamentos das cidades a fim de conter perdas de água no sistema.

"Hoje o Brasil perde cerca de 38% da água coletada nos mananciais durante a distribuição. Se reduzíssemos 20% disso, já seria possível abastecer os 35 milhões de brasileiros que não têm acesso à água potável", calcula Marília Lara, sócia da empresa.

O sistema de sensores desenvolvido por sua equipe melhora um trabalho que hoje depende de profissionais, os geofonistas, que vasculham a cidade escutando ruídos em hidrômetros. Com esses equipamentos outras pessoas, que não são especialistas, podem fazer uma primeira varredura, bem mais rápida, nos hidrômetros e depois, somente nos casos suspeitos, vai o especialista. "Em vez de ter de passar em todos os locais, ele vai a 2% só, melhorando o sistema", explica.

A Stattus4 já atua em 32 cidades, onde vivem mais de 8 milhões de habitantes.