Mudanças climáticas podem deixar mais difícil fazer a previsão do tempo

Pesquisas apontam que nos próximos anos será ainda mais complicado nos preparar para inundações, tempestades e ondas de calor extremas

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Por Jeremy Deaton
Atualização:

Novas pesquisas levantam a desconfortável possibilidade de que as mudanças climáticas não apenas tornem o clima mais severo, mas também mais difícil de prever, nos dando menos tempo para nos preparar para inundações, tempestades e ondas de calor extremas nos próximos anos. Os cientistas há muito se perguntam se as mudanças climáticas afetarão as previsões, mas este parece ser o primeiro estudo a investigar uma resposta. Suas descobertas, embora não sejam conclusivas, sugerem que o aumento das temperaturas pode reduzir o quão longe os meteorologistas conseguirão ver no futuro.

“Parece que climas mais frios são inerentemente mais previsíveis do que os mais quentes”, disse Aditi Sheshadri, cientista atmosférica da Universidade de Stanford (EUA) e principal autora do artigo. No clima atual, a extensão da previsão do tempo confiável é de cerca de dez dias, devido aos limites da tecnologia de previsão e à estonteante complexidade do próprio clima. Mesmo o menor detalhe de um modelo climático – o proverbial bater da asa de uma borboleta – pode introduzir erros.

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Pequenos erros se transformam em erros maiores, fazendo com que o modelo divirja do clima real ao longo do tempo. Saber mais sobre as condições iniciais pode deixar as previsões um pouco mais precisas, mas o clima é fundamentalmente caótico e, além de um certo ponto, o futuro é impossível de conhecer, pelo menos em grandes detalhes.

Para dar conta dos erros, os meteorologistas executam um conjunto de modelos climáticos, inserindo condições iniciais ligeiramente diferentes em cada modelo e observando em que pontos os modelos concordam e discordam. À medida que avançam para o futuro, os modelos vão se ramificando cada vez mais, até que tenham tanta semelhança entre si quanto com um modelo baseado em entradas completamente diferentes. Este é o ponto de “saturação do erro”, quando os modelos “perdem a memória” das condições iniciais, como escreveu Sheshadri.

No artigo, ela e seus coautores de Stanford e NOAA (a agência nacional oceânica e atmosférica dos Estados Unidos) se perguntaram se os modelos climáticos chegariam a esse ponto mais rapidamente em um clima mais quente. Eles rodaram um conjunto de condições climáticas em simulações de computador tanto em climas mais quentes quanto mais frios, medindo o tempo até a saturação do erro. O estudo se concentrou nas latitudes médias – que abarcam Estados Unidos, Europa e China – e descobriu que, em climas mais quentes, as tempestades crescem mais rápido e os erros se propagam com mais velocidade.

“É o tempo da saturação do erro que determina a janela de precisão de previsibilidade, e essa escala de tempo é mais curta nos climas mais quentes”, disse Sheshadri.

Moradores buscam pertences após chuvas torrenciais atingirem Raposos, em Minas Gerais; Estado está sendo castigado neste início de ano, com deslizamentos e enchentes Foto: REUTERS/Washington Alves

Com 3 graus Celsius de aquecimento, a janela para prever chuvas com alguma precisão diminui cerca de um dia nas latitudes médias, de acordo com o estudo. A janela se fecha mais lentamente para previsões de vento e temperatura, diminuindo cerca de meio dia.

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“É uma ideia interessante fazer a pergunta: ‘As previsões meteorológicas serão mais ou menos previsíveis no futuro, com as mudanças climáticas?’”, disse Timothy Palmer, físico de Oxford especializado em previsão do tempo que não participou da pesquisa. Ele disse que o estudo talvez levante mais perguntas do que respostas, pois parte de simulações altamente simplificadas das mudanças climáticas.

Por exemplo: nas simulações, o equador aquece mais rápido que os polos, mas, na realidade, o quadro é mais complicado. Em altitudes elevadas, os trópicos estão aquecendo mais rápido do que os polos; na superfície da Terra, os polos estão aquecendo mais rápido que os trópicos.

Simulações simplificadas, ou “idealizadas”, são úteis para permitir que os pesquisadores se aproximem de algumas variáveis-chave, mas, ao encobrir parte da complexidade do clima real, elas podem não revelar todas as mudanças que os cientistas esperariam ver na realidade.

“Acho que eles revelaram algumas sensibilidades interessantes, mas seria bom testar isso de uma maneira menos idealizada”, disse Isla Simpson, climatologista do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, que não tem vínculo com o estudo.

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“É um bom ponto de partida”, acrescentou ela. “E acho que isso motivará outros estudos para analisar a questão de um ponto de vista mais abrangente”.

Simpson disse que, além de empregar uma representação mais realista das mudanças climáticas, estudos futuros devem investigar se a previsibilidade variará de acordo com a estação do ano ou a região. Embora as previsões do tempo possam se tornar menos confiáveis em algumas partes do mundo, elas podem se tornar mais confiáveis em outras.

Pesquisas futuras também precisam investigar as diferentes maneiras pelas quais as mudanças climáticas podem dificultar a previsão do tempo, disse Palmer. Chuvas extremas e períodos de seca mais longos já são difíceis de prever com vários dias de antecedência, e o aumento das temperaturas produzirá mais de ambos os fenômenos.

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A aposta é que uma previsão do tempo mais aprimorada possa permitir que os meteorologistas continuem a produzir previsões precisas, mesmo que as mudanças climáticas introduzam mais caos no sistema.

“Não está claro se esse efeito seria grande o suficiente para neutralizar quaisquer avanços que possamos fazer à medida que o poder de computação se tornar melhor ou nossos modelos avancem”, disse Simpson. “As mudanças climáticas não são o único fator que afetará nossa capacidade de fazer previsões meteorológicas no futuro”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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