12 de junho de 2020 | 11h22
Atualizado 23 de junho de 2020 | 12h54
Mesmo com uma operação do Exército em vigor na Amazônia desde o início de maio e com uma decisão da Justiça para que os órgãos ambientais combatam o desmatamento, os crimes ambientais continuam em disparada na região.
Os alertas feitos pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam a perda de 828,97 km² no mês de maio, alta de 12,24% em relação a maio do ano passado, quando os alertas apontaram desmate de 738,56 km². Isso significa que, em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalente à metade da área da cidade de São Paulo.
É o mês de maio com maior devastação desde 2015. Quando comparada com abril deste ano – que registrou 407,04 km² de desmatamento –, a alta é ainda mais expressiva: 103%.
São 13 meses consecutivos de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior. No acumulado desde agosto (quando se inicia o calendário anual para fins de detecção do que ocorre na floresta), o Deter indica a devastação de 6.499 km², ante 3.653 km² no período de agosto de 2018 a maio de 2019. O aumento é de 78%.
Em maio se inicia a estação seca da Amazônia e é justamente quando o desmatamento se intensifica. No início do mês passado, o presidente Jair Bolsonaro decretou uma nova Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para atuar na região na chamada Operação Verde Brasil 2. Fiscais do Ibama foram subordinados aos militares na hora de decidir as ações. Foram investidos cerca de R$ 60 milhões.
No início desta semana, em uma coletiva no Pará, o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, chegou a afirmar que no mês de maio tinha ocorrido uma queda no desmatamento na região. "A queda foi quase total, nós chegamos a um número ínfimo de ilegalidade cometida", disse Mourão.
No ano passado, foi a partir de maio que o desmatamento disparou. Foi quando os alertas do Deter começaram a ser destacados na imprensa estrangeira que o presidente Jair Bolsonaro começou a colocar em dúvida os dados do Inpe. Ele chegou a dizer que os números eram mentirosos e que o então diretor do instituto, Ricardo Galvão, estaria "a serviço de alguma ONG". Ao Estadão, Galvão acusou Bolsonaro de ser "pusilânime e covarde" e acabou exonerado alguns dias depois.
O Inpe divulgou nesta terça-feira, 9, que o desmatamento consolidado entre agosto de 2018 e julho de 2019 foi o mais alto desde 2008 e superou pela primeira vez no período a faixa dos 10 mil km².
No período, a Amazônia perdeu 10.129 km², de acordo com a análise feita pelo sistema Prodes, que fornece a taxa oficial anual do desmatamento da Amazônia. O valor representa uma alta de 34,41% em relação aos 12 meses anteriores. Entre agosto de 2017 e julho de 2018, a perda havia sido de 7.536 km².
O Deter é um sistema mais dinâmico, que fornece em tempo real alertas para orientar a fiscalização em campo. Mas normalmente a tendência que ele indica, seja de alta ou de baixa, é depois confirmada pelo Prodes.
Por causa das altas que vêm sendo indicadas pelo Deter desde agosto do ano passado, especialistas já estimam que o Prodes deste ano deve trazer uma alta ainda maior que a de 2019.
“Os dados de maio preocupam e indicam uma tendência crescente de desmatamento no período, com níveis ainda maiores do que 2019 – um ano já excepcionalmente alto. Estamos diante de um cenário de total catástrofe para a Amazônia, com a expectativa de mais áreas abertas, invasões e queimadas somadas ao triste cenário do alastramento da pandemia pelo bioma”, afirma Mariana Ferreira, gerente de Ciências do WWF-Brasil, em nota à imprensa.
"De acordo com os compromissos assumidos na Política Nacional de Mudança do Clima, deveríamos reduzir à taxa de desmatamento na Amazônia para 3.900 km² em 2020. No entanto, estamos seguimos na direção contrária. Em 2019, rompemos a triste barreira dos 10.000km² e os alertas do deter apontam para a possibilidade de ter uma taxa cerca de três vezes maior que a meta estabelecida para 2020, contribuindo negativamente para as mudanças climáticas e com a alarmante perda de biodiversidade”, comenta Cristiane Mazzetti da campanha da Amazônia do Greenpeace.
Em nota técnica publicada no fim de maio, pesquisadores do Inpe revelaram preocupação com o impacto que esses cortes poderão ter sobre as queimadas deste ano. "Sabemos que essas áreas desmatadas são posteriormente queimadas, e em um clima mais seco, podem causar incêndios descontrolados", escreveu o grupo liderado pelo pesquisador Luiz Aragão.
Os cientistas afirmaram que, nos primeiros meses deste ano, o oceano Atlântico apresentou um aumento de temperatura acima da média histórica, o que pode causar mais secas na região sudoeste da Amazônia e intensificar processos de queimadas. "Este ano o desmatamento nos Estados amazônicos explicou 50% da ocorrência de queimadas no início do ano, quando são mais escassas. De agosto de 2019 a maio de 2020, detectaram-se 78.443 focos de queimadas na Amazônia, maior quantidade que no mesmo período de 2018-2019", escrevem.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) também divulgou uma nota técnica no início da semana alertando que a vegetação derrubada e não queimada desde o ano passado – em uma área que pode superar 4,5 mil km² – deverá produzir queimadas intensas a partir deste mês. Isso pode aumentar ainda mais os riscos de um aumento expressivo das internações por problemas respiratórios, aumentando a pressão sobre os sistemas de saúde da região, já impactados pela covid-19.
Procurados pela reportagem, os Ministérios da Defesa e do Meio Ambiente ainda não se pronunciaram.
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