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Mascote da Copa do Mundo, tatu-bola está em risco de extinção

Frágil e sem nenhum tipo de proteção contra a caça, mamífero é considerado ‘vulnerável’ pela perda de quase metade da Caatinga

Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Ele foi escolhido como mascote da Copa do Mundo por ter a capacidade de se transformar em uma bolinha, mas essa característica do tatu-bola acaba funcionando como um gol contra a espécie se o time adversário que ele encontrar pela frente for de seres humanos.

Toda vez que se assusta, em vez de correr em disparada ou cavar um buraco, como outros tatus, o bola se enrola dentro de uma dura carapaça. O que ao longo da evolução foi uma excelente estratégia para evitar a maioria dos predadores, no convívio com humanos, porém, faz com ele seja facilmente pego pelas mãos por caçadores, sem precisar de arma nem nada.

Tatu-bola sofre ameaça de extinção Foto: ACERVO ASSOCIAÇÃO DA CAATINGA

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O mamífero do grupo das preguiças e dos tamanduás aparece classificado como vulnerável na Lista Vermelha de espécies ameaçadas de extinção divulgada nesta sexta pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). "Acredita-se que a espécie sofreu uma redução de mais de um terço nos últimos 10 ou 15 anos", escreve a organização. 

A categoria é a de menor risco da entidade (que classifica as espécies ameaçadas em: vulnerável, em perigo, e criticamente ameaçada). Mas, pesquisadores brasileiros, em levantamento encomendado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), já identificaram que o problema é maior. A espécie, segundo eles, está "em perigo", o que deve alterar a classificação em uma atualização futura da lista.

A ameaça começa com a perda de hábitat - o animal é característico da Caatinga, bioma que já teve quase metade de sua área original desmatada - e segue com a caça de subsistência e de diversão.

"O tatu-bola foi capaz de desenvolver uma habilidade fantástica, que o protege até mesmo de uma onça pintada, mas não do homem", afirma o biólogo José Alves de Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco.

A condição da espécie fica ainda mais delicada no período de acasalamento. Pesquisadores já observaram que as fêmeas no cio costumam ser seguidas por uma fila de machos, às vezes quatro ou cinco, mas já chegaram a ser observados até nove. "Se um caçador chega perto deles e bate palma, todos viram bolinhas. Ele pega todos de uma vez só", conta o também biólogo Enrico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco.

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Gol pela proteção. A dupla de pesquisadores e outros colegas especializados em Caatinga e no tatu-bola publicaram no final de abril, na revista Biotropica, um alerta sobre a situação do mamífero e um desafio para que o fato de ele ser mascote da Copa sirva para aumentar a proteção do bioma e da espécie.

Eles sugeriram, por exemplo, que a cada gol da competição seja destinado mil hectares para a proteção na Caatinga. E pediram que se acelerasse a publicação do plano de ação para a conservação do tatu-bola.

Ao menos o segundo pedido já foi atendido. No dia 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, o ICMBio lançou o plano, que tem como objetivo reduzir à ameaça às duas espécies de tatu-bola do Brasil. O Fuleco, o mascote da Copa, foi inspirado na 100% brasileira, a Tolypeutes tricinctus. A T. matacus ocorre no Pantanal, mas também na Bolívia, no Paraguai e na Argentina.

Segundo Leandro Jerusalinsky, do ICMBio, o plano traça ações para gerar mais conhecimento sobre as espécies: como atualizar as áreas de ocorrência, estimar tamanho populacional, conhecer melhor sua ecologia e biologia, entender quanto tempo as espécies podem levar para se recuperar. Outra frente propõe uma maior proteção ao hábitat, e uma terceira focaliza em estratégias de fiscalização contra a caça.

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O plano de ação foi bem recebido pelos pesquisadores, mas eles lembram que mais ações precisam ser tomadas. "A gente sugerir que se protejam mil hectares por gol não é um delírio. As Copas em média têm 140 / 150 gols. Proteger 150 mil hectares é bem plausível. Se for uma Copa recorde, com 200 gols, também é plausível proteger 200 mil hectares", comenta Bernard. Parques. Os pesquisadores lembram que há 12 anos tramita no Ministério do Meio Ambiente um projeto para a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça, na Bahia. O proposta original previa a proteção de 820 mil ha. Hoje está em cerca de 300 mil ha. Eles pedem para que o processo seja agilizado.

Também está em discussão um projeto do Estado de Pernambuco de criar o Parque Estadual do Tatu-Bola, com 75 mil hectares, entre Petrolina, Santa Maria da Boa e Vista e Lagoa Grande. De acordo com o secretário de Meio Ambiente do Estado, Carlos Cavalcanti, a proposta foi apresentada no final de maio ao conselho estadual de meio ambiente e foi criado um grupo técnico para elaborar a justificativa técnica da unidade de conservação. Ele disse esperar que o decreto para a criação seja publicado até agosto.

Siqueira lembra que a Caatinga é o bioma menos protegido do País. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, cerca de 7,5% do território conta com algum tipo de proteção. "Mas a maior parte das unidades de conservação da Caatinga são APAs (áreas de proteção ambiental), a categoria menos restritiva, que na prática não protege nada. Menos de 2% é de proteção integral, que efetivamente tem mais capacidade de proteger a biodiversidade", afirma.

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