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Irmãos gaúchos encarnam dilema entre produção e conservação

Por Herton Escobar
Atualização:

A fazenda dos irmãos Ampessam é a encarnação do dilema entre produção de alimentos e conservação do meio ambiente. Nascidos no Rio Grande do Sul, filhos de caminhoneiro, chegaram ainda jovens a Cabeceiras (GO), 110 km ao leste de Brasília, onde o pai havia comprado 3.500 hectares de terra - quase toda ela coberta de cerrado nativo. Ávidos por produzir, não tiveram dúvida: subiram nos tratores, amarraram o correntão e foram logo derrubando tudo.

 

 

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Era o início dos anos 80. A terra do Cerrado era barata, o incentivo de ocupação era forte e as preocupações ambientais, quase inexistentes. Não demorou muito, o Cerrado virou lavoura e a mata virou carvão. No lugar da savana tropical, hoje brotam 3.500 kg/hectare de soja e 9.000 kg/hectare de milho por ano, mais uma safra de sorgo de inverno, um pouco de trigo, um pouco de girassol e até um tantinho de uva.

 

"Não tem o que não cresça aqui. É uma terra muito boa", orgulha-se Vicente Ampessam, 50 anos, que cuida da lavoura com o irmão, Luis, de 56. A família agora está no processo de desmatar - com autorização do Ibama - outros 10 mil hectares de cerrado em Jaborandi, no oeste da Bahia. Vão plantar mais mais soja, sorgo e feijão.

 

Os irmãos Ampessam, pioneiros do plantio direto, na fazenda que já foi Cerrado.AE

 

Esse é o lado bom da história. O lado ruim é que o cerrado dos Ampessam desapareceu, junto com o cerrado das fazendas vizinhas e o de tantas outras milhares de propriedades agrícolas que se instalaram no bioma ao longo das últimas quatro décadas.

 

Vicente e Luis, porém, não se vêem como inimigos do meio ambiente. Pelo contrário, falam com orgulho da maneira como preservam o solo e dos animais selvagens que circulam pela fazenda e vêm beber água no reservatório que construíram. A fazenda é tida como exemplo na região. Eles foram pioneiros no uso do plantio direto, técnica que dispensa o arado e permite plantar diretamente sob a camada de palha que é deixada no campo ao fim de cada colheita. A palha protege o solo da radiação solar, mantém a terra mais úmida, mais fértil, e evita a erosão. "Faz 24 anos que não mexemos nesse solo", decreta Luis, orgulhoso, arrastando um punhado de palha com as mãos para mostrar a terra úmida e fresca por baixo.

 

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Apesar do sucesso comercial que conquistaram (a família tem até um aviãozinho particular para ir e voltar das novas terras na Bahia), os Ampessam não perderam a simplicidade nem o gosto pelo trabalho. Moram na fazenda e ainda dirigem, eles mesmos, as plantadeiras e as colheitadeiras no campo. As máquinas antigas, de cabine aberta, são guardadas como recordação ao lado das novas, de R$ 500 mil, com cabine refrigerada, tocador de CD, rádio, GPS.

 

Na garagem ao lado, seu Albino, o patriarca, de 81 anos, passa o tempo cuidando de seus outros três "filhos": um Ford LTD 1969, um Ford F-600 1962 e uma caminhonete Chevrolet 1979, com 900 mil km rodados, com a qual trouxe a família para Goiás no início dos anos 80.

 

"A agricultura fez muita coisa errada, mas naquela época não existia essa consciência ambiental toda", diz Vicente. "Se tivessem educado o meio rural 15 anos atrás, tava tudo ótimo." Nos últimos anos, os irmãos compraram terras com vegetação preservada para compensar a parte da reserva legal que foi desmatada em sua fazenda em Goiás. E garantem que vão cumprir a legislação ambiental na Bahia.

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