Ipê, mogno e jacarandá: o sonho de consumo do mercado internacional de madeira brasileira

Entre 2012 e 2017, 92% dos ipês que tombaram no Brasil foram enviados para fora do País; indústrias de móveis, assoalhos e de construção de casas são os principais destinos

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Por André Borges
6 min de leitura

BRASÍLIA – Na rota do mercado internacional de madeira, todos os olhos dos países estrangeiros estão voltados para três árvores nativas brasileiras: o ipê, o mogno e o jacarandá. Essas três espécies, que fazem parte da listas de árvores ameaçadas de extinção, encabeçam a lista das madeiras mais procuradas por outros países, devido à beleza e à qualidade de cada uma. 

Apreensão de madeira que estava sendo retirada ilegalmente de fazenda na cidade de Feliz Natal (MT) em outubro de 2015 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O Estadão obteve dados detalhados sobre quais são os produtos mais exportados pelo Brasil. As informações oficiais do Ibama mostram que, apesar do o mercado internacional consumir apenas 10% da produção de madeira brasileira – 90% tem como destino o consumidor nacional – é para o exterior que seguem as madeiras mais nobres

Para se ter ideia, entre os anos de 2012 e 2017, 92% dos ipês que tombaram no Brasil foram enviados ao exterior, ficando apenas 8% para o consumo doméstico. O mesmo ocorreu com o mogno, que, hoje bem mais escasso na natureza, teve 90% de seu destino voltado a outros países. Na mesma toada está o jacarandá-violeta, com 91% de suas toras despachadas mundo afora. Em menor quantidade, mas também em volume representativo, aparece a cerejeira-da-amazônia, com 65% da produção consumida por outros países.

As indústrias de móveis, assoalhos e de construção de casas são os principais destinos dessa madeira. O ipê, de cor amarela-acastanhada, é uma árvore de grande porte, que pode chegar a 40 metros de altura. É encontrada na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, mas hoje um dos principais alvos dos madeireiros em busca do ipê é a região norte de Rondônia e Pará, na fronteira com o Amazonas.

O mogno, conhecido por sua cor que varia do marrom avermelhado ao vermelho, atrai pela alta resistência. A madeira pode ser trabalhada facilmente com ferramentas manuais ou mecânicas, e o acabamento produz uma superfície lisa e brilhante. É muito procurado para marcenaria, mobília, ornamentos de interiores e até mesmo construção de barcos e navios, em acabamentos e assoalho. O mogno resiste ao ataque de fungos, insetos e até a cupins de madeira seca.

Mogno, ipê-peroba e jacarandá-da-Bahia, as mais cobiçadas Foto: Divulgação

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Já o jacarandá, que era muito encontrado em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, atualmente só é mais visto no sul da Bahia. Uma das mais valorizadas madeiras brasileiras, a espécie é explorada desde a fase colonial. Com altura entre 15 e 25 metros e tronco de 40 a 80 centímetros de diâmetro, tem madeira de cor escura e resistente. É comumente utilizada em obras de marcenaria, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos.

O Ibama tem procurado aperfeiçoar o sistema de registro, transporte e exportação de madeira, com a eliminação de papeis e a centralização de dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que é administrado pelo órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Ocorre que a inserção dos dados no sistema, como os tipos de madeira e quantidade que foram produzidas por determinadas empresa, possui fragilidades. Como se trata de dados repassados pelos Estados, sem um controle rígido de informações, há brechas para fraudes, com pedidos de autorizações e registros que não correspondem à realidade do que, efetivamente, foi retirado da floresta.

Como mostrou reportagem do Estadão, a importação da madeira que sai das florestas do Brasil está concentrada em 20 países. Dados compilados pela área técnica do Ibama mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil metros cúbicos (m³) de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França, com 384 mil m³, seguida por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³). No total, o mercado legal de madeira exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais.

A lista traz ainda, em destaque, o Reino Unido (163 mil m³), Portugal (155 mil m³), Suíça (115 mil m³), República Dominicana (105 mil m³), Dinamarca (102 mil ³) e Alemanha (87 mil m³). Em volumes históricos menores aparecem, nesta ordem, Japão, Itália, Espanha, Argentina, Uruguai, Canadá, Panamá, Suécia e Antilhas Holandesas.

Esses dados do Ibama referem-se às exportações oficiais, ou seja, trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Isso não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal.

Antes de uma chapa de ipê ou mogno chegar ao porto de Santos ou qualquer outra porta de saída do território nacional, ela percorre uma cadeia que, invariavelmente, é marcada pela corrupção.

O crime se baseia, basicamente, em uma indústria de papeis falsos. Por meio de agentes públicos que atuam de forma criminosa, documentos são emitidos para “esquentar” a madeira roubada de terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo. O governo tem digitalizado há anos esse tipo de informação, por meio do Ibama, com o propósito de concentrar no órgão federal todos documentos de origem de madeira do País e, a partir disso, confrontar esses papeis com o inventário legal de madeira de corte. Esse cruzamento de dados, porém, ainda não está consolidado nacionalmente, além de conter brechas para manipulações de dados por seus gestores.

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Na prática, portanto, um país que importa madeira do Brasil pode até achar que está adquirindo um produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de um esquema fraudulento, que costuma inviabilizar o preço do mercado entre aqueles poucos madeireiros que desejam atuar de forma 100% legal. 

Como funciona o esquema de exportação ilegal?

A Operação Arquimedes, a maior da história do País em apreensão de madeira, mapeou como funciona o esquema de corrupção.Em 2017, na 1.ª fase, 10 mil m³ de madeira, volume que, se enfileirado, cobriria o percurso entre Brasília e Belém (1,5 mil quilômetros) foram apreendidas. A carga iria para outros Estados e países da América do Norte, Ásia e da Europa.

O esquema criminoso de extração de madeira começa com os “puxadores de toras”, que são contratados por madeireiros para extraírem a árvore, ilegalmente. Hoje, a maior parte dessas ações acontece em unidades de conservação e terras indígenas, onde essa exploração é proibida. São essas terras que concentram as madeiras mais nobres.

Para fazer com que madeira extraída irregularmente passe a ter “legalidade”, o madeireiro atua junto a servidores públicos que, ao cobrarem pagamento de propina, incluem os dados daquela madeira no sistema nacional, gerenciado pelo Ibama. Para legalizarem a madeira, esses agentes informam a quantidade de metros cúbicos, o local de extração e o tipo de madeira retirada, usando informações de áreas que possuem, efetivamente, autorização para extrair madeira. São os chamados “créditos florestais” que cada região possui, conforme o plano de manejo de cada floresta. Dessa forma, eles “lavam” aquela madeira extraída ilegalmente, como se tivessem sido cortadas em áreas permitidas.

As informações sobre os créditos que já constam nos sistemas são, muitas vezes, infladas por engenheiros florestais que também participam do esquema, ou seja, eles apresentam um volume de madeira disponível muito acima daquilo que realmente existe em cada local. Dessa forma, sobram créditos para legalizar madeira ilegal.

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FICHA TÉCNICA DAS PRINCIPAIS ÁRVORES:

Ipê-peroba BIOMA: Mata Atlântica CLASSIFICAÇÃO: Em perigo NOMES COMUNS: Ipê-claro, ipê-peroba, ipê-rajado, peroba-branca, perobinha. CARACTERÍSTICAS: De cor amarela-acastanhada, é uma árvore de grande porte, podendo chegar a 40 metros de altura. Mais encontrada na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Madeira de ótima qualidade, é hoje um dos principais alvos dos madeireiros na região norte de Rondônia.

Mogno BIOMA: Amazônia CLASSIFICAÇÃO:Vulnerável NOMES COMUNS: Acaju, aguano, araputanga, caoba, cedro-aguano, cedro-mogno, cedrorana, Mara. CARACTERÍSTICAS: Sua cor varia do marrom avermelhado ao vermelho. É altamente resistente ao ataque de fungos e insetos, resistindo ainda a cupins de madeira seca. A madeira pode ser trabalhada facilmente com ferramentas manuais ou mecânicas, e o acabamento produz uma superfície lisa e brilhante. O mogno é muito procurado para marcenaria e mobília, acabamento e ornamentos de interiores, e até mesmo construção de barcos e navios, em acabamentos e assoalho.

Jacarandá-da-Bahia BIOMA: Mata Atlântica CLASSIFICAÇÃO: Vulnerável NOMES COMUNS: Caviúna, graúna, jacarandá-cabiúna, pau-preto. CARACTERÍSTICAS: Era encontrada nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, mas, atualmente, só é encontrada no sul da Bahia. Uma das mais valorizadas madeiras brasileiras, é explorada desde a fase colonial. Com altura entre 15 e 25 metros e tronco de 40 a 80 centímetros de diâmetro, tem madeira de cor escura e resistente. Floresce entre setembro e novembro, e os frutos amadurecem em agosto-setembro. É comumente utilizada em obras de marcenaria, construção de instrumentos de corda e na fabricação de pianos.