Interpretação do criminoso é de que Exército estava na Amazônia só para inglês ver, diz cientista

Operação militar na floresta termina em 30 de abril; Carlos Nobre vê falta de sintonia entre ação das tropas e discurso do governo federal sobre ambiente

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Por Érika Motoda
Atualização:

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, anunciou nesta quarta-feira, 10, o fim da Operação Verde Brasil 2, em que militares foram levados à Amazônia para frear a alta de crimes ambientais. As tropas vão ficar na região somente até 30 de abril. A promessa agora é focar o trabalho dos agentes ambientais em 11 municípios com as taxas mais altas de desmate. O Estadão apurou que esse fim “prematuro” da operação está ligado à falta de verba federal para o Ministério da Defesa.

Na opinião do cientista Carlos Nobre, ligado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), a ausência dos militares não é uma má notícia. Um dos maiores especialistas em Amazônia do Brasil, ele afirma que as tropas não tinham o mesmo treinamento que os agentes ambientais, como os do Ibama, e o combate ao desmatamento também foi atrapalhado pelo discurso da gestão Jair Bolsonaro de afrouxamento da legislação do setor

O climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Foto: PEDRO IVO PRATES/ESTADAO

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Ao falar sobre resultados da Verde Brasil 2, Mourão disse que, entre 1º de junho de 2020 e 31 de janeiro deste ano, houve redução de 19% no desmate, quando comparado ao mesmo intervalo anterior. No balanço anual, porém, de agosto de 2019 a julho do ano passado, a alta é de de 9,5%. “A interpretação do criminoso é que o Exército estava lá para inglês ver”, diz Nobre.

Qual é o balanço da ação dos militares na Amazônia?

Alguém pode até dizer que, se não fosse o Exército, o desmatamento poderia ter explodido mais. Mas não foi para isso que eles foram para lá. O Exército foi para reduzir o crime ambiental, mas teve papel pouco efetivo. Minha avaliação é de que explodiu a boiada do enfraquecimento da legislação ambiental a partir da fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (na reunião ministerial de abril de 2020). Havia uma mensagem caótica do governo federal. Por um lado, a ação no campo dos militares; por outro, uma ação infralegal de enfraquecimento da legislação ambiental. Esta última ganhou a guerra. O criminoso que grila terra, desmata área ilegal e usa fogo quando é proibido se sente empoderado. A interpretação do criminoso é de que o Exército está lá para inglês ver, dar resposta de melhoria da imagem do País no exterior, mas não melhorou.

O que podemos tirar de lição?

Não adianta utilizar pessoas não capacitadas e não experientes em fiscalização no lugar de pessoas com dezenas de anos de efetividade de fiscalização.

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Agora que os militares saem de cena, e os profissionais da fiscalização voltam ao protagonismo, a situação pode melhorar?

Sim, vão melhorar. Mas é preciso investir mais em recursos para que os profissionais do Ibama e dos Estados tenham recursos para fazer a fiscalização. 

Queimada em área da floresta amazônica Foto: Gabriela Biló/ Estadão

O que é preciso fazer daqui para frente?

Se o vice-presidente de fato for sério a respeito (sobre combater o desmate), tem de aprender com o enorme sucesso que o País teve de 2004 a 2014. Se corrigirmos os valores para hoje, eram mais de R$ 300 milhões só em fiscalização. Os dados do Inpe alimentavam os sistemas de fiscalização, Ibama, ICMBio, polícias federais, estaduais, militares; eles iam e pegavam (o bandido) no ato.

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Em 2019, desmataram 2.500 hectares na floresta nacional do Jamanxim. Isso levou um mês e meio. O Inpe mandava 15 alertas por dia sobre esse desmatamento. O desmatamento não é algo que se faz em um segundo, leva semanas ou até meses. O satélite enxerga aquilo diariamente. É muito trivial mandar uma força do Ibama para interromper aquilo. Isso foi a razão do sucesso para reduzir o desmatamento em 80% de 2004 a 2012. O Brasil atingiu protagonismo internacional, foi o país que mais reduziu a emissão de gás de efeito estufa pela redução do desmatamento. Ficou muito custoso financiar o crime ambiental.

O Brasil estava indo na direção de zerar o desmatamento em poucos anos, mas infelizmente isso parou em 2015 por causa da recessão, depois houve uma pressão política muito grande da bancada ruralista. E, nos últimos anos, há o discurso político de voltar para o modelo de desenvolvimento 50 anos atrás, para um modelo sem floresta, porque “floresta atrapalha o desenvolvimento”.

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