Governo Bolsonaro rejeita parecer técnico ao excluir ipê de monitoramento internacional

Madeira brasileira mais cobiçada em todo o mundo passa a ser vendida como qualquer espécie, sem nenhum controle específico, a preços de eucalipto

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Por André Borges
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BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro, que hoje atribui a outros países a responsabilidade pelo comércio de madeira ilegal, afrouxou no ano passado o processo de exportação do ipê, contrariando um parecer técnico do Ibama e uma solicitação para que a espécie fosse incluída em um sistema de monitoramento internacional. Com essa decisão, o ipê, que é a madeira brasileira mais cobiçada em todo o mundo, passou a ser vendida como qualquer espécie, sem nenhum controle específico, a preços de eucalipto.

Em dezembro de 2018, técnicos do Ibama elaboraram um extenso relatório para demonstrar que o ipê, que tem 92% de sua produção vendida para o exterior, vinha sendo extraído há anos no País sem nenhum tipo de rigor ou fiscalização, alvo de um comércio dominado pelo crime organizado que atua na floresta. A partir deste parecer, os técnicos pediram oficialmente que a espécie fosse incluída na lista de espécies ameaçadas de extinção ou em situação de alerta administrada pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (Cites, na sigla em inglês).

Troncos abandonados de ipê cortados ilegalmente no Pará Foto: Saulo Souza

Firmada em Washington, nos Estados Unidos, em 1973, essa convenção envolve 183 países. O Brasil, que é signatário do acordo desde 1975, participa do grupo que, internacionalmente, monitora tanto a exportação, quanto a importação de espécies incluídas em suas listas, por meio de sistemas e trocas regulares de relatórios sobre cada espécie de fauna ou flora. Ao fazer parte da lista gerenciada pela convenção, o produto passa a ter uma licença obrigatória específica, que é compartilhada por todos os países membros. O ipê, depois de uma longa análise técnica e troca de informações com outros países, foi oficialmente indicado para entrar nesta lista, mas o Ministério do Meio Ambiente (MMA), sob o comando do ministro Ricardo Salles, decidiu excluir a espécie.

A exclusão foi comunicada à convenção pelo Ministério de Relações Exteriores, após um pedido feito pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim. Em agosto do ano passado, durante a 18ª reunião da (Cites COP18), que ocorreu em Genebra, na Suíça, o ipê brasileiro constou como a única espécie retirada da lista de oito propostas apresentadas pelos países membros. As decisões tomadas em Genebra teriam efeito real e imediato sobre a regulamentação e práticas operacionais do comércio da madeira no Brasil.

A reportagem questionou insistentemente o Ministério do Meio Ambiente sobre a retirada do ipê da lista de espécies monitoradas pela Cites. Não houve nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.

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O Estadão apurou que a decisão foi tomada após a cúpula da pasta e do Ibama ser procurada por madeireiros do Mato Grosso e do Pará, que pressionaram para que a espécie não entrasse na lista da Cites, sob o argumento de que a mudança iria atrapalhar o comércio internacional da madeira. Alegaram ainda que precisavam ser ouvidos no processo de decisão. 

Ocorre que a Cites é, por definição, uma convenção de preservação ao meio ambiente. Há resolução que estabelece cada critério exigido para que uma espécie seja incluída na lista convenção. A indicação do ipê, portanto, foi baseada em decisões técnicas, indicadores históricos de consumo, extração ilegal, emissões de licenças, entre outros. Esse material foi compartilhado antecipadamente entre os países membros que, após análise, concordaram com o pedido do Brasil de incluir o ipê na lista. Outras espécies nacionais já fazem parte da convenção, como o mogno, o pau-rosa, o pau-brasil e o jacarandá-da-baía.

A exclusão do ipê não foi o único ato do governo Bolsonaro que enfraqueceu a fiscalização da madeira exportada pelo Brasil. Em março deste ano, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, também acabou com as inspeções que eram feitas nos portos do País. Por meio de um “despacho interpretativo”, ele suspendeu os efeitos de uma instrução normativa (15/2011) do próprio órgão. Com a decisão, os produtos florestais passaram a ser apenas acompanhados de um documento de origem florestal (DOF). Esse DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas para que a madeira seja levada até o porto, enquanto a instrução normativa previa autorização para a exportação em si. Na ocasião, madeireiros do Pará parabenizaram o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, com uma “nota de agradecimento e esperança” do Centro das Indústrias do Pará (CIP), por ter liberado a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade dessa uma autorização específica.

Dados do Ibama mostram que, entre os anos de 2012 e 2017, cerca de 92% dos ipês que foram retirados das florestas brasileiras foram enviados ao exterior, ficando apenas 8% para o consumo doméstico. As indústrias de móveis, assoalhos, decks e de construção de casas são os principais destinos dessa madeira. O ipê, de cor amarela-acastanhada, é uma árvore de grande porte, que pode chegar a 40 metros de altura. É encontrada na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, mas hoje um dos principais alvos dos madeireiros em busca do ipê é a região norte de Rondônia e Pará, na fronteira com o Amazonas.

O ipê já é uma espécie considerada ameaçada no Peru e na Venezuela. Os dois vizinhos do Brasil integram a relações das 183 nações que compõem a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção.

Registro mostra pedido de retirada do ipê de lista de espécies ameaçadas feito pelo governo brasileiro à convenção Cites Foto: Reprodução