Governo apresenta PL que reduz floresta na Amazônia

Após pressão de produtores rurais do Pará, nova proposta transforma 349 mil hectares do Jamanxim em Área de Proteção Ambiental, nível menos restritivo de conservação; valor é menor que a MP vetada pelo presidente e maior que plano inicial

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Por Giovana Girardi
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4 min de leitura

SÃO PAULO - Pouco menos de um mês após o presidente Michel Temer vetar a Medida Provisória 756, que reduzia a Floresta Nacional (flona) do Jamanxim, no Pará – e uma semana após oito viaturas do Ibama terem sido queimadas na BR-163, perto da região –, o governo cedeu à pressão de produtores rurais do entorno da unidade e parlamentares ligados ao setor no Congresso.Ele enviou ao Congresso projeto de lei com nova sugestão de redução da floresta. Os produtores rurais afirmaram não estar satisfeitos com a nova proposta, assim como os ambientalistas.

A BR-163, onde estava o caminhão, estava bloqueada por manifestantes que querem a redução da Floresta Nacional de Jamanxim (foto) Foto: Nacho Doce/Reuters

O texto prevê uma mudança nos limites da floresta, levando a uma redução de 349.046 hectares. Essa área será transformada em Área de Proteção Ambiental (APA), o nível menos restritivo de unidade de conservação. Essa passa a ter 953.613 ha. É um corte menor que o proposto na versão final da MP, depois de ser modificada no Congresso, que pedia a redução de 486 mil hectares, mas maior do que dizia o texto original do governo, de 304 mil hectares.

O PL foi apresentado após duas semanas de pressão por parte de produtores rurais do Pará. De um lado, no Congresso, havia a ameaça de que o veto de Temer seria derrubado. Em campo, proprietários de terra da região no entorno de Jamanxim vinham promovendo bloqueios de 24 horas em vários pontos da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, pedindo a apresentação do PL. A promessa tinha sido feita pelo próprio ministro Sarney Filho, em vídeo em que aparecia ao lado do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), na véspera do veto de Temer. Sarney Filho anunciava que a MP seria vetada, mas que um PL seria apresentado nos mesmos termos. 

Dias depois, porém, ele disse que isso somente ocorreria depois do parecer técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Na madrugada de sexta passada, oito novas viaturas que seriam entregues ao Ibama foram incendiadas na BR-163, no que foi visto pelo órgão como um atentado – em protesto contra os vetos. Procurado nesta sexta-feira, 14, Flexa Ribeiro disse que não comentaria o projeto, pois não havia lido o novo texto. 

Na sexta-feira, 14, logo depois de saberem do envio do PL, os manifestantes desfizeram o bloqueio e o fluxo na Rodovia BR-163 foi retomado. Na opinião de Gelson Dill, vice-prefeito da cidade de Novo Progresso, o maior município da região, o texto “não satisfaz os anseios dos produtores, mas ameniza bastante”. De acordo com Dill, vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais do município, o ideal era a medida provisória aprovada no Congresso, e o grupo deve pedir a deputados ruralistas emendas ao projeto de lei.

Por meio de nota, o Ministério do Meio Ambiente disse que o objetivo é resolver conflitos existentes desde a criação da floresta nacional, em 2006, delimitada em uma área onde havia algumas propriedades, que deveriam ter sido indenizadas. De lá para cá, a situação só piorou, e Jamanxim é a unidade de conservação onde mais cresceu a taxa de desmatamento nos últimos anos, segundo o Prodes, sistema de monitoramento do desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. 

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A justificativa é citada no PL. “A área tem sido palco de recorrentes conflitos fundiários e de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo associados à grilagem de terra e à ausência de regramento ambiental. Com reflexos na escalada da criminalidade e da violência contra agentes públicos, sendo necessária a implementação de políticas de governo adequadas para essas questões.”

Os primeiros cálculos do (ICMBio), que balizaram o texto original da MP, sugeriam que uma redução de 35 mil hectares seria o suficiente para resolver o conflito. Segundo ambientalistas, a área dez vezes maior vai regularizar grileiros que chegaram após a criação da floresta nacional.

O ministério disse que o PL teve como base novos estudos do ICMBio. “Vários cenários foram elaborados, considerando a relação entre o número de ocupações e o tamanho da área a ser excluída. Na proposta atual, refinamos a análise, mantendo os mesmos critérios, procurando excluir as áreas mais ocupadas, sem com isso perder muito da área original da unidade”, complementou a pasta, após ser questionada sobre a diferença de valores. 

O ministério disse ainda que a área transformada em área de proteção ambiental “poderá permitir a regularização fundiária destas áreas”. “A área da floresta nacional, por sua vez, passará a atender os objetivos que motivaram sua criação, voltados para o manejo sustentável, inviabilizados em função do conflito instalado”.

Críticas. Ambientalistas temem que isso aconteça e a redução final seja ainda maior, como ocorreu com a MP. “O governo está encurralado e só liga para atender às pressões do Congresso”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. Ele e colegas calcularam quanto pode ser o ganho para quem está na região se o PL for aprovado.

Pela conta – considerando que APA permite a presença de propriedades privadas –, se o governo vender as terras ocupadas pelas regras atuais dará subsídio de pelo menos R$ 500 milhões a posseiros. Foi considerada a possibilidade de regularização fundiária prevista na MP 759, sancionada na terça por Temer, que prevê que grandes porções de áreas públicas invadidas na Amazônia sejam legalizadas. Pela lei, podem ser cobrados apenas de 10% a 50% dos valores aplicados pelo Incra, já mais baixos do que os valores praticados pelo mercado. Assim, em vez de pagar por um hectare de terra cerca de R$ 1,8 mil, grileiros poderiam pagar algo entre 10% e 50% de R$ 672 o hectare – o valor do Incra. “Considerando esses porcentuais e a área total que será reduzida (350 mil hectares), os posseiros receberiam um subsídio entre R$ 605 milhões e R$ 511 milhões”, estima Barreto.