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Especialista liga mudança climática a aumento de turbulências em voos

Piloto afirma que medida mais urgente a ser adotada é manter passageiros com cintos atados durante todo o percurso

Por Mariana Lenharo
Atualização:

A sensação vai desde um leve friozinho no estômago até o mais terrível desespero diante da iminência de uma queda. Os passageiros não passam ilesos por uma turbulência em voo mas, por culpa do aquecimento global, devem começar a se acostumar com a frequência cada vez maior com que elas vêm acontecendo, como a que deixou 20 feridos no dia 25 de maio de 2009 em um voo da TAM procedente de Miami meia hora antes de pousar em Guarulhos.

 

A questão foi levantada por especialistas das áreas de meteorologia, aviação civil e engenharia aeronáutica. “O aquecimento global dá origem a um número maior de fenômenos atmosféricos extremos, dentre eles os que são responsáveis pela turbulência aeronáutica”, diz Rubens Villela, meteorologista do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).Villela é o autor de um artigo publicado no ano passado pela revista Aero Magazine, em que questiona qual tem sido a causa da recorrência do aumento de turbulências. “Seria mais um sinal da comprovada mudança climática global?” Ele cita sete ocorrências de repercussão mundial só em 2009, sem contar o acidente do voo 447, da Air France, que matou 228 pessoas.Desde que o homem começou a voar, as turbulências já se apresentavam como obstáculos. Elas ocorrem por causa das mudanças de velocidade e direção do ar. A movimentação é semelhante à agitação da superfície do mar, mas não se pode vê-la.Existem duas principais causas para a turbulência em voo: a passagem das aeronaves por rotas próximas de cúmulos-nimbos, que são enormes nuvens de tempestade, ou o encontro de uma corrente de jato (ou jet stream), fluxos de ar fortes e estreitos.Nos dois casos, o aquecimento global – que é o aumento da temperatura média do ar perto da superfície terrestre – atua como potencializador. Ele provoca um desequilíbrio maior entre a temperatura na superfície e nas camadas mais elevadas da atmosfera, estimulando a formação de cúmulos-nimbos, além de aumentar o contraste entre a temperatura dos polos e dos trópicos, intensificando as correntes de ar.Apesar de ser um assunto recorrente entre pilotos e especialistas da área, ainda não existem estudos que comprovem esse fenômeno. “Ainda é difícil determinar com que intensidade e em que lugares isso ocorre”, afirma o engenheiro aeronáutico James Waterhouse, professor da USP de São Carlos. “Trata-se de uma conclusão qualitativa e não quantitativa.”O meteorologista da Climatempo Marcelo Pinheiro concorda e reforça que ainda é preciso que se faça mais estudos sobre a influência do clima no aumento das turbulências. “Não dá para confirmar a teoria porque precisa-se pesquisar o assunto.”Para o piloto George William Sucupira, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (Appa), não há dúvida de que o clima está mudando e, com isso, as instabilidades nos voos têm aumentado. “Turbulências sempre ocorreram, porém isso está se tornando mais frequente. Antes, os casos eram mais isolados.”O que muda para as companhias aéreas e para quem viaja de avião? “As providências envolvem a mudança na logística do transporte aéreo”, afirma o piloto Marcus Reis, coordenador dos cursos de Ciências Aeronáuticas e Gestão da Aviação da Universidade Estácio de Sá, no Rio.Para Reis, a medida mais urgente a ser adotada é manter os passageiros com os cintos atados durante todo o voo. Ele afirma que os próprios pilotos já estão percebendo em quais zonas passaram a enfrentar mais turbulências e pedindo a mudança de rotas. Mas a operação que envolve custos, porque pode aumentar o tempo de voo e o consumo de combustível.O fenômeno não é reconhecido pelos órgãos oficiais. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Centro de Investigação de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e a Força Aérea Brasileira (FAB) preferiram não se manifestar.

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