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Escolas na Amazônia constroem projetos agroecológicos em parceria com as comunidades

Casas Familiares Rurais, que surgiram na França nos anos 1930, buscam adequar o conhecimento à realidade de onde vivemos alunos; falta de recursos é desafio

Por Eduardo Geraque
Atualização:

Na teoria, uma escola dos sonhos pode ser aquela em que famílias, pedagogos e professores sentam à mesma mesa para discutir qual a melhor forma de atender aquela comunidade, inclusive oferecendo cursos práticos, profissionalizantes, o que significa adequar o conhecimento que será transmitido aos adolescentes à realidade de onde eles vivem. É um conceito que já existe, inclusive, no Brasil.

Apesar de ter surgido no interior da França nos anos 1930, as Casas Familiares Rurais atravessaram o Atlântico no pós-guerra e foram criadas, primeiro, no Espírito Santo. No interior do Amapá, por exemplo, elas surgiram nos anos 1980, após articulação provocada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e pela Igreja Católica. É uma experiência única que, aos trancos e barrancos por causa das dificuldades financeiras, continua até hoje.

Alunos de escola da família no interior do Amapá: "Além do ensino formal, também existe a educação voltada para o enfoque escolhido pela comunidade, que pode ser o agrícola, o agroextrativista, o agroecológico e assim por diante”, explica a professora Kelly Gomes. Foto: Célio Cavalcanti Filho/Divulgação

“As escolas da família, onde elas existem, são a única opção para os alunos do Ensino Médio e Fundamental II”, afirma Kelly Gomes, professora da Universidade Estadual do Amapá e atuante nos convênios de cooperação assinados entre as escolas e a instituição de ensino superior local. “Nessas instituições, além do ensino formal, também existe a educação voltada para o enfoque escolhido pela comunidade, que pode ser o agrícola, o agroextrativista, o agroecológico e assim por diante”, explica Kelly.

Alternância

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Por causa das distâncias amazônicas, uma das principais características pedagógicas dessas instituições de ensino é o regime de alternância. Os alunos, em alguns casos, costumam ficar 15 dias em regime de internato nas escolas e outros 15 dias em casa, aplicando, por exemplo, aquilo que eles aprenderam nas aulas de ensino profissionalizante. “Nós temos relatos de crianças de 4 anos com marcas de facão pelo corpo todo, porque muitas vezes elas vão sozinhas para a mata coletar açaí”, afirma Kelly, indicando como a educação voltada para as cadeias de produção da região – açaí, castanha e pescado – é importante.

Segundo a pesquisadora, o Amapá tem atualmente seis escolas de família, a maioria delas passando por dificuldades financeiras. Cada uma delas abriga, quando os recursos permitem, entre 100 e 150 alunos. Os jovens têm aulas de campo e todo o conteúdo formal exigido pelo Ministério da Educação (MEC).

“Para as instituições terem as suas verbas anuais elas precisam apresentar um projeto pedagógico formatado em conjunto com a comunidade e assinar um termo de parceria com o Estado, que faz os repasses. Mas, muitas vezes, nem sempre os recursos são pagos corretamente”, explica Aerton Paiva, presidente do Instituto Interelos, instituição que trabalha com associações produtivas no interior do Amapá, principalmente no Arquipélago do Bailique.

Fundo

“Agora, nós criamos um fundo patrimonial, instrumento muito usado em outros países, que vai começar sua captação no segundo semestre. Vamos arrecadar R$ 50 milhões e o rendimento gerado pelo fundo será usado para manter duas escolas na região do Bailique”, afirma Paiva. Os recursos, segundo o executivo, serão essenciais para manter em operação, durante todo o ano, a Escola da Família Agroextrativista Macacoari, no município de Itaubal, e a Escola Agroextrativista do Bailique, que ainda será montada.

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“Uma das mais bem estruturadas atualmente é a escola da comunidade do Carvão. As outras, muitas vezes, ficam fechadas durante uma época do ano por falta de recursos. Mas a consolidação desse modelo é fundamental para evitar o êxodo rural. Muitos dos alunos, quando precisam sair de suas realidades para estudar nas cidades, acabam não conseguindo”, afirma Kelly, professora de educação do campo que, em 2018, quando assumiu a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Amapá, passou a ter uma relação próxima com as escolas da família do interior do estado.

“São escolas comunitárias, que seguem as diretrizes do MEC e do conselho municipal de educação, mas são mantidas pelas associações.” Segundo a professora da Estadual do Amapá, os pais, muitas vezes, pagam uma pequena quantia por ano para manter a escola funcionando e também ajudam com produtos que produzem, como farinha e peixe. “Estamos muito vinculados a um padrão internacional do que é educação, baseado em uma sala de aula tradicional, fechada. Há uma diversidade sociocultural gigantesca que ultrapassa o currículo”, explica Kelly, a primeira doutora da família, que cresceu no interior do Pará.

Alunos em barco no Amapá: escolaoferececursos profissionalizantes. Foto: Célio Cavalcanti Filho/Divulgação

As escolas da região do Bailique (um arquipélago a 200 km de Macapá de oito ilhas, sendo que sete são habitadas atualmente) vão ajudar a manter os jovens na região, que já colhe frutos por causa da organização de seus moradores. A Amazonbai (nome fantasia da Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas do Bailique) permite aos integrantes das 51 comunidades ribeirinhas da região sonhar em viver da pesca e da floresta. Há quase dez anos, o aumento da produção vem ocorrendo de forma sustentável, com técnicas de manejo – as mesas que serão ensinadas nas escolas – que mantêm a floresta em pé.

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A comunidade amapaense, quase perto da linha do Equador (o estádio de futebol de Macapá tem cada metade do campo em um hemisfério), conta com a ajuda tanto de órgãos públicos, como a Embrapa, quanto de ONGs para se fortalecer ainda mais. Os certificados obtidos nos últimos anos, além de mostrar que o caminho escolhido tem gerado bons resultados, ajuda a agregar valor ao açaí do Bailique.

Em 2019, a Amazonbai tornou-se a primeira instituição do País a receber a Certificação FSC para Serviços Ecossistêmicos. Processo que veio se somar aos das obtenções dos certificados FSC para Manejo Florestal em 2016 e FSC Cadeia de Custódia em 2018. “Na Amazônia não existem analfabetos, existem crianças que não tiveram oportunidades. É importante romper preconceitos e mostrar que o campo não é ruim”, afirma Kelly.

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