Enviada da ONU para clima cobra compromisso de todos países

Criadora do conceito de desenvolvimento sustentável, a norueguesa Gro Harlem Brundtland visita o Brasil

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Por Andrea Vialli
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Médica de formação, a norueguesa Gro Harlem Brundtland, 68, ganhou projeção na história contemporânea por ter presidido a Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, que ficou conhecida como a Comissão Brundtland, e definiu rumos para integrar o desenvolvimento econômico às questões socioambientais. Ela ficou conhecida por criar o conceito de desenvolvimento sustentável - "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às próprias necessidades." Brundltand foi também a primeira mulher a chefiar o governo da Noruega, e dirigiu a Organização Mundial de Saúde (OMS). Hoje, é enviada especial das Nações Unidas para o clima. Na prática, age nos bastidores da diplomacia para convencer os líderes mundiais a acelerar as negociações globais sobre clima. Em visita ao Brasil, Brundtland conversou com o Estado. Como uma das mentoras do conceito de desenvolvimento sustentável, como avalia o avanço da humanidade nessa questão, desde que o conceito foi criado, em 1987? Temos que admitir que, após a criação do conceito, aumentou a consciência em todas as áreas. Temos tido avanços em entender que a questão é intersetorial, e requer a participação do setor privado, instituições científicas, governos, ONGs e opinião pública. Mas estamos no meio do caminho. Aumentou a consciência global em relação às questões ambientais, e muito já começa a ser posto em prática. Muitos países passaram a adotar políticas ambientais, passaram a investir em novas tecnologias. Muitas das idéias surgidas na Comissão começaram a sair do papel, mas não é suficiente. Não estamos indo na velocidade suficiente. Quando tivemos os ataques terroristas nos EUA, em 2001, houve um desvio de atenção para as questões ambientais. O perigo vinha de outras fontes. Mas no último ano, a questão das mudanças climáticas se tornou "quente", invadindo os discursos políticos e roubando a atenção pública. Atualmente tem sido anunciados esforços para refrear os efeitos do aquecimento global, mas os primeiros alertas foram dados há 20 anos atrás. Porque só agora começou essa "corrida" em direção à sustentabilidade? De fato, os efeitos da ação humana sobre o aquecimento global foram descritos há 20 anos. Em 1987 já havia sido levantada a necessidade de se ter uma convenção mundial sobre o clima. Mesmo com uma forte base científica, essa convenção nunca chegou a ser realizada. Isso porque havia disputas entre os cientistas, sobre o quão clara estava a questão, quantas dúvidas ainda havia. O debate continuou por anos. Mesmo quando o Protocolo de Kyoto foi criado, negociado e ratificado, o debate continuou. E os EUA disseram que não iam ratificar, pois havia ainda dúvidas em relação aos estudos científicos. Agora, o debate acabou, porque os cientistas chegaram a conclusões muito claras. Os EUA pararam de dizer que não têm nada a ver com a questão e que duvidam da ciência. Eles passaram a dizer que aceitam que a atividade humana tem impacto no aquecimento global. Mas continuam defendo que as metas de redução de gases de efeito estufa têm de ser voluntárias. É uma posição muito diferente da que eles tinham há um ano. Por isso eu acho que hoje a questão tomou esse corpo. Todo mundo está sendo questionado sobre o que está sendo feito para combater a mudança climática. A mudança de posição dos EUA trouxe um argumento a mais para se incrementar essa luta contra a mudança climática? Acho que o momento criou a mudança de posição dos Estados Unidos, quando os próprios cientistas anunciaram que o debate havia acabado e que era preciso agir. A questão é como trazer os Estados Unidos, o Brasil, a China, a Índia, para negociar. Há um jogo de empurrar a culpa. A China aumenta dramaticamente suas emissões, e diz aos EUA, por que devemos nós reduzir nossas emissões se vocês não aceitam fazer isso? E os EUA dizem que, em breve, a China estará passando à frente em emissões, então precisa reduzir o CO2 também. É um jogo de empurra. Todo mundo tem que fazer sua parte, incluindo EUA, India e Brasil. Cada país é parte da solução, de um jeito ou de outro. O Protocolo de Kyoto é suficiente para reverter os efeitos do aquecimento global? É claro que, mesmo se o Protocolo de Kyoto for implementado à perfeição, ele não será suficiente, sabemos disso. Porque a contribuição dos países comprometidos em Kyoto para o aquecimento global era de 30%. Eles representavam 30% das emissões. Mas, as emissões totais estão aumentando, por causa da China e outros países emergentes, que não tem obrigações no protocolo e estão aumentando suas emissões ano a ano. Não será suficiente, a não que se apliquem compromissos de redução para todos os países. Todos têm de estar envolvidos, de alguma maneira. Não quero criar um debate aqui, e sugerir que Brasil ou Índia tenham os mesmos compromissos de redução do CO2 que têm os países ricos. Mas todos os países têm que contribuir, de algum modo, para uma solução. É isso que precisa ser negociado, e será o assunto a ser tratado na Conferência do Clima em Bali. Não é sustentável que só os países da OCDE tenham metas nos próximos 20 ou 30 anos. Mas os emergentes não querem se comprometer por causa da ausência dos EUA, e volta o jogo de empurra. O Brasil tem acenado para o mundo inteiro com os biocombustíveis, em especial o etanol, como uma solução para aliviar o aquecimento global, mas esbarra nos problemas sociais e ambientais associados à produção. Como resolver essa equação? Eu diria que todos os tipos de energia, exceto a solar, têm problemas de alguma ordem. Nada é sem problemas.Temos que olhar os tipos de energia e seus processos de produção, e ver de que modo podemos escolher uma fonte, ou várias ao mesmo tempo. Temos que olhar para o que há e decidir melhorar a melhor alternativa. Eu sei que o etanol brasileiro tem um lugar nesse cenário, e os biocombustíveis de modo geral. Tem uma lugar, mas não é a solução, é parte dela. Temos que ter soluções realmente novas, que ainda não estão disponíveis no curto prazo, mas temos que olhar para um conjunto de vários tipos de energia. É preciso manter o olho atento ao balanço socioambiental da produção de energia, suas conseqüências. Mesmo as fontes mais limpas de energia carregam um passivo socioambiental em sua produção. Tudo tem seu lado negativo, mas temos que olhar na perspectiva de um meio termo. Algum dos problemas que rondam a produção de etanol, como maus tratos no campo, podem ser amenizados. Estou certa de que é possível melhorar, e que há bons exemplos de produção sustentável, inclusive no Brasil. Faz parte do desafio produzir energia do modo mais socialmente e ambientalmente responsável. O Brasil tem conseguido colocar em prática o conceito de desenvolvimento sustentável? O País está longe de ter uma política perfeita nesse campo, e por dois motivos. Um é que o Brasil é um país continental, com vastos recursos naturais, como a floresta tropical, e assim é um país que enfrenta um desafio maior que outros países. Sei que há passos positivos sendo dados, mas não são suficientes. É possível fazer mais. Outra questão é como elaborar um sistema internacional de negociações, acordos e financiamento que estimule uma boa política no Brasil. A Indonésia é outro exemplo de país com o desafio de achar meios de apoiar uma política de Estado voltada à conservação, mas com desenvolvimento para as comunidades que ali vivem. Um exemplo no Brasil é Cubatão. Fomos a Cubatão em 1985, e olhei aquela cidade e fiquei chocada. Era um exemplo de industrialização com vasta poluição. Em 1995, voltei à cidade e vi que muito havia mudado em Cubatão. Mas muito precisa ser feito ainda. Quem está na frente na implementação da sustentabilidade? Governos, empresas ou ONGs? Cada um desses atores inspira o outro, na minha experiência. Se as empresas fazem algo errado, os governos e as ONGs pressionam. Se as empresas fazem tudo certo, as ONGs perguntam ao governo: por que vocês não regulamentam isso? Se uma empresa grande toma importantes decisões de longo prazo que tenham peso na questão da sustentabilidade, elas passam a ter um problema com os produtos da concorrência, mais baratos, uma vez que a empresa "sustentável" fez grandes investimentos em inovação. Mas ela promove mudanças para toda a indústria. É fácil de entender quando olhamos a indústria automobilística. A Toyota fez mudanças de planejamento a longo prazo, investiu muito dinheiro em energias limpas e seu carro ficou mais caro. Esse carro concorre com outros carros que ainda são sujos, o que, na prática, não é justo. Mas impulsionou o governo japonês a implementar regras antipoluição, o que diminuiu essa injustiça. Alguns governos saem na frente. Na Noruega, em 1990, impusemos um imposto sobre emissões de CO2. Na época, não havia tantas tecnologias para frear as emissões. Como impusemos a taxa, investimentos foram realizados, mudanças aconteceram. As emissões, hoje, são um terço do que eram. Regulação governamental e decisões de longo prazo são importantes. As empresas de hoje elegeram a bandeira da sustentabilidade como um diferencial competitivo. Acredita que estão colocando o discurso em prática? É possível que estejam falando mais do que estão fazendo. Mas acho que é importante que as ONGs sejam mais ativas em relação às empresas. Elas sempre foram críticas em relação aos governos. Quando ONGs passam um bom tempo criticando empresas por não seguirem um padrão sustentável, elas ajudam muito. Isso ajuda as empresas a se mexer. Há empresas que não estão atentas a isso. Em dez anos, teremos regulamentações globais em relação a meio ambiente, e as empresas tem que estar preparadas. Há bons exemplos de empresas engajadas em desenvolvimento sustentável, que estão buscando novos modelos de negócios calcados em sustentabilidade? Há instalações de extração de petróleo mais poluentes e menos poluentes. O mesmo se aplica a minas de carvão. A maior parte das fontes de energia usadas hoje pelo homem não são renováveis, são de origem fóssil. E isso vai continuar por décadas, porque investimentos foram feitos, no mundo todo. Muitas instalações de carvão são construídas a cada semana, e o mais importante é que tenham a melhor tecnologia para evitar poluição. Mas, no caso do carvão, nem a melhor tecnologia de extração é boa o bastante. Mas não há alternativas no momento para substituir o carvão. Então, temos um século, pelo menos, em que o carvão e o petróleo serão as fontes principais. Como capturar o carbono dessas instalações? Na Noruega, planejamos uma planta de extração de gás natural que irá capturar o carbono e armazená-lo debaixo do mar de Bering. Isso está envolvendo as empresas, governo e instituições de pesquisa. Se der certo, pode ser modificado e usado em plantas de carvão também. Pode ser uma tecnologia que vai ajudar o mundo a capturar o carbono de modo seguro.

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