
27 de setembro de 2019 | 05h00
Atualizado 13 de dezembro de 2019 | 11h41
SÃO PAULO - Um vazamento de petróleo se espalha pelos nove Estados do Nordeste e chega ao litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, no Sudeste. O poluente foi identificado em uma vasta área da costa brasileira. O governo federal afirma que análises já apontaram ser petróleo cru, de origem desconhecida e de tipo não produzido no Brasil.
As manchas já foram encontradas em todos os Estados nordestinos: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Em novembro, o óleo atigiu o litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, no Sudeste.
A análise feita pela Marinha e pela Petrobrás "apontou que a substância é petróleo cru, ou seja, não se origina de nenhum derivado de óleo". Conforme o órgão, a substância se trata de hidrocarboneto, conhecido como piche, e é a mesma em todos os pontos analisados.
A origem ainda é desconhecida e de tipo não produzido no Brasil. Investigações sigilosas realizadas pela Marinha e pela Petrobrás encontraram petróleo com a mesma "assinatura"do óleo da Venezuela em manchas que se espalham pelo mar na Região Nordeste. O presidente Jair Bolsonaro disse não descartar que tenha sido uma ação criminosa, mas ponderou que a apuração sobre o caso ainda está em curso.
A conclusão já foi comunicada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Não é possível dizer que todo o vazamento que atinge as praias do Nordeste tenha a mesma origem, mas análises já realizadas em algumas manchas concluíram, com certeza, que se trata de material de origem venezuelana.
O Estado questionou a Petrobrás sobre a possível presença de óleo da Venezuela nas instalações da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, estrutura que, em princípio, seria construída com a parceria da estatal venezuelana PDVSA. A Petrobrás informou que nunca processou óleo de origem venezuelana em Abreu e Lima, nem mantinha estoque de produtos daquele país em suas instalações.
Uma das hipóteses para o derramamento de óleo nas praias do Nordeste é a circulação de navios fantasmas petroleiros pelo Atlântico, motivada pelas sanções econômicas dos Estados Unidos à Venezuela. Os chamados navios fantasmas do século 21 não são embarcações mal-assombradas, mas aquelas que procuram navegar sem registro oficial. Para isso, trocam de nome e até desligam o transponder. O aparelho, obrigatório em todas as embarcações, registra a localização em tempo real de cada navio.
Uma análise da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) reforçou o indício de se tratar de um navio pirata.
No início de novembro, a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte e a Polícia Federal apontaram que um navio de bandeira grega carregado de petróleo venezuelano, o NM Bouboulina, é o principal suspeito pelo vazamento. A Delta Tankers, dona da embarcação, negou envolvimento no caso e afirmou que as autoridades brasileiras não apresentaram "nenhuma prova".
Em uma audiência na Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Alves Borges Oliveira, afirmou que não descarta a possibilidade de que o vazamento de óleo no Nordeste fosse proveniente do pré-sal.
Ele respondeu ao deputado Daniel Coelho (Cidadania), que perguntou objetivamente se o óleo poderia ser do pré-sal. Coelho afirmou que vem recebendo informações de "que há uma possibilidade de que o vazamento teria ocorrido em decorrência de perfuração de área de pré-sal".
Nenhuma apuração oficial encontrou indícios de que ONGs estejam envolvidos no caso. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, porém, insinuou nas redes sociais que o Greenpeace pudesse estar por trás da ocorrência.
Em resposta, a organização internacional afirmou que o ministro havia mentido para tentar criar "uma cortina de fumaça" a fim de esconder sua incapacidade "em lidar com a situação".
Técnicos ambientais de Alagoas detectaram manchas de óleo na foz do Rio São Francisco, no município de Piaçabuçu, no litoral sul do Estado, em monitoramento de rotina. Já o governo de Sergipe descobriu que não poderá realizar de imediato seu plano de instalar boias para impedir que o óleo chegue ao rio pela falta de equipamentos do tipo, que haviam sido prometidos pela Petrobrás.
A foz do São Francisco, maior rio inteiramente brasileiro, fica na divisa entre Alagoas e Sergipe. O aparecimento do óleo ficou restrito à foz, não chegando a invadir o rio. Portanto, até o momento, o abastecimento da população nordestina não foi afetado.
Estão sendo tomadas previdências para evitar o contato direto dos banhistas com o piche, que pode provocar irritações e processos alérgicos, especialmente na superfície da mão, nos olhos e na boca. A fim de preservar a vida e a saúde das pessoas, é importante não tomar banho, pescar ou comer nas praias afetadas.
Para alertar a população, o Instituto de Defesa do Meio Ambiente em Natal (Idema), juntamente com o projeto Tamar, elaborou material educativo com os procedimentos que devem ser tomados em caso de contato com o óleo ou tiver conhecimento de um animal contaminado. É preciso evitar o contato com o óleo e, caso aconteça, colocar gelo no local ou retirar com óleo de cozinha. Caso a pessoa tenha reação alérgica, procurar urgentemente atendimento médico.
Segundo o diretor geral do Idema, Leonlene Aguiar, todos os municípios estão orientados para a coleta feita pela limpeza urbana, de forma adequada, com pá, luvas e sem utilização de máquinas.
Entenda como o óleo encontrado nas praias nordestinas pode afetar a saúde humana.
Não há evidência de contaminação de peixes ou crustáceos, mas a orientação é para que as autoridades locais de vigilância sanitária avaliem o pescado capturado nas áreas afetadas.
O espalhamento de óleo ameaça tartarugas, aves e o peixe-boi marinho, o mamífero dos oceanos com maior risco de extinção no Brasil. Segundo especialistas, o petróleo cru pode afetar a digestão dos animais e o desenvolvimento de algas, essenciais para a cadeia alimentar dessas espécies.
Se o responsável pelo despejo for identificado, mesmo que seja estrangeiro, poderá ser multado em até R$ 50 milhões, com base na Lei 9.605/1988, que pune condutas lesivas ao meio ambiente. O culpado por poluir o oceano terá, ainda, de responder pelo crime ambiental.
Turistas que vão para locais do Nordeste afetados pelo óleo podem negociar com as operadoras com as quais fecharam pacote para remarcar datas ou até cancelar a viagem, sem ter de pagar multa por isso. Esse é o entendimento do Procon de São Paulo, que afirma que o consumidor não pode ser responsabilizado ou prejudicado por algo que não tem culpa.
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10 de outubro de 2019 | 09h00
SÃO PAULO - Considerado o maior episódio de vazamento de óleo no Brasil em termos de extensão, o desastre ambiental que atingiu pelo menos 139 pontos nos nove Estados do Nordeste pode causar impacto na saúde humana, ainda que em escala pequena, quando comparada aos danos ao ecossistema local. Especialistas afirmam que o poluente pode desencadear doenças respiratórias e da pele, mas destacam que seria necessária exposição prolongada para levar a problemas mais graves.
"O petróleo é resultante da decomposição de matéria orgânica presente no planeta há milhões de anos, formando uma mistura de hidrocarbonetos como tolueno, xileno, benzina e benzeno. Sendo assim, o risco se assemelha ao de inalar ou passar gasolina ou querosene na pele", afirma o médico toxicologista Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Wong, é difícil precisar a toxicidade do óleo em questão, porque cada poço de petróleo é gerado a partir da decomposição de plantas, animais e outros materiais orgânicos provenientes de fontes distintas.
"Alguns petróleos têm mais substâncias tóxicas, outros menos. Os que possuem mais benzeno em sua composição podem, em casos mais graves, provocar alterações neurológicas e até leucemia", explica.
A inalação dos gases liberados com a vaporização do petróleo pode levar a quadros de doenças respiratórias, como bronquite e asma.
"O maior problema acaba sendo uma pneumonia química causada pela aspiração dos hidrocarbonetos, que também pode levar a uma depressão do sistema nervoso central", explica Daniel Junqueira Dorta, professor de Toxicologia e Química Clínica da USP e membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Toxicologia.
Já o contato do óleo com a pele pode causar uma lesão chamada dermatite de contato aguda, segundo Luiz Fernando Fleury, da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
"O contato prolongado pode levar a elaioconiose, uma lesão por obstrução de poros. Mas isso seria mais para pessoas que trabalham com o óleo, que lidam com essas substâncias de maneira mais crônica", esclarece.
Os especialistas são unânimes ao afirmar que, para que a situação chegue a altos níveis de gravidade, é necessário que a pessoa tenha contato repetido e prolongado com o óleo, a ponto de o organismo absorver e jogar as substâncias tóxicas na corrente sanguínea. E, embora a quantidade de óleo encontrada nas praias nordestinas seja grande, não é suficiente para apresentar grandes riscos à população local.
"Em geral, essas pessoas estão em ambiente externo, então não vão ser expostas à inalação de altas concentrações dos hidrocarbonetos", explica Wong. "O problema seria se estivesse em ambiente fechado ou se houvesse quantidade muito maior no mar, porque haveria vaporização constante, fazendo com que, eventualmente, as pessoas que moram na região absorvessem as substâncias tóxicas."
É recomendável que os banhistas se mantenham longe do mar, já que o petróleo solúvel em água é o que mais penetra na pele. Em caso de contato, deve-se lavar o mais rápido possível com água e sabão.
"Em caso de ingestão, o tratamento recomendado é oferecer carvão ativado para o paciente, para evitar a absorção da substância e promover uma eliminação mais fácil pelo organismo", finaliza Dorta.
Para alertar a população, o Instituto de Defesa do Meio Ambiente (Idema), em Natal, juntamente com o Projeto Tamar, elaborou material educativo com os procedimentos que devem ser tomados em caso de contato com o óleo ou tiver conhecimento de um animal contaminado.
É preciso evitar o contato com o óleo e, caso aconteça, colocar gelo no local ou retirar com óleo de cozinha. Caso a pessoa tenha reação alérgica, procurar urgentemente atendimento médico.
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Equipe do 'Estado' acompanhou o trabalho de limpeza da Praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, uma das regiões do Nordeste atingidas pelas manchas de petróleo Tiago Queiroz|Estadão
A repórter Priscila Mengue e o fotógrafo Tiago Queiroz acompanham o drama das manchas de petróleo nas praias da região
Atualizado
Equipe do 'Estado' acompanhou o trabalho de limpeza da Praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, uma das regiões do Nordeste atingidas pelas manchas de petróleo Tiago Queiroz|Estadão
JABOATÃO DOS GUARARAPES - O litoral do Nordeste brasileiro virou o foco das atenções desde o fim de agosto com o aparecimento de manchas de petróleo nas praias e em outros pontos da costa. Para acompanhar de perto o drama vivido pela população da região e os impactos ambientais, o Estado enviou ao Nordeste a repórter Priscila Mengue e o repórter fotográfico Tiago Queiroz.
Bastidores da Cobertura - Clique aqui e veja como foram os bastidores da cobertura da repórter Priscila Mengue e do repórter fotográfico Tiago Queiroz.
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