Em 192 páginas, papa Francisco celebra meio ambiente

Revista italiana antecipa conteúdo da encíclica que o Vaticano divulga nesta quinta (18)

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Por Edison Veiga
Atualização:
Papa Francisco dividiu sua carta em uma introdução, seis capítulos e duas orações finais Foto: EFE

Atualizada às 21h38

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Jorge Bergoglio mostra que é Francisco iniciando sua encíclica com o santo de quem emprestou o nome. Laudato Sii (ou, em português, Louvado Seja) teve o conteúdo antecipado nesta segunda-feira, 15, pela revista italiana L’Espresso - em uma última versão antes da revisão final. A encíclica é considerada a primeira, de fato, de autoria de Francisco - já que a Lumen Fidei, de julho de 2013, havia sido iniciada por Bento XVI. 

Conforme especialistas já apostavam, o documento é voltado à importância dos cuidados com o meio ambiente. Ele traz no capítulo Diálogo sobre o Ambiente na Política Internacional um apelo do papa. Ele diz que acordos internacionais são urgentes para “estabelecer percursos negociados a fim de evitar catástrofes locais que acabam por prejudicar a todos”.

“O mais importante é que o papa foi bastante radical na denúncia das desigualdades econômicas e das injustiças sociais associadas à degradação do meio ambiente”, pontua o biólogo e sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - e professor, durante 20 anos, de Ecologia na PUC de Campinas.

“Ele mostra que os primeiros reflexos dos problemas ambientais se dão na vida dos mais pobres, dos mais frágeis. Isso é algo que muitas vezes o próprio movimento ambientalista não tem de forma clara.”

Esta é a 298.º encíclica da história da Igreja Católica - e a primeira que traz a ecologia como ponto central. Oficialmente, o Vaticano vai divulgar o documento na quinta-feira. Francisco teve muitos consultores para escrever a carta. Dentre os brasileiros, teriam sido ouvidos o teólogo Leonardo Boff, além de d. Erwin Kläutler, bispo da prelazia do Xingu.

“É comum que sejam consultados especialistas durante o processo de feitura das encíclicas”, explica o filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor da PUC de São Paulo. “Nenhuma encíclica tem apenas as mãos do papa. Historicamente, é notável o trabalho do Padre Lebret (Louis-Joseph Lebret, dominicano francês que viveu entre 1897 e 1966, tendo passado parte da vida no Brasil), que praticamente foi o ‘ghost writer’ da Populorum Progressio, do papa Paulo VI, encíclica que teve até o (ex-presidente da República) Fernando Henrique Cardoso como consultor indireto.”

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São Francisco. “A escolha, aparentemente óbvia, mas nem tanto, de uma citação do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, para iniciar a encíclica, e a presença de um teólogo católico de rito oriental, Ioannis Zizioulas, na apresentação da encíclica (agendada para quinta) sugerem, contudo, a marca específica de Bergoglio no tratamento do tema”, comenta Borba. “Tanto no poema franciscano quanto na teologia oriental, a natureza ocupa um lugar muito mais destacado na mística católica do que no pensamento católico entre os Concílios de Trento (1545-1563) e Vaticano II (1962-1965).” 

“O fato é que a encíclica chega num momento complexo para a defesa do meio ambiente em todo o planeta. Apesar do otimismo gerado pela Eco-92, pelo Protocolo de Kyoto (1997) sobre a redução da emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa e pelos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (2000), os primeiros 15 anos deste século viram um aumento da degradação ambiental e o sacrifício das agendas conservacionistas em função do crescimento econômico”, complementa o biólogo.

“Por outro lado, também cresceu a frequência dos desastres naturais por causas climáticas, como furacões, secas prolongadas, invernos muito frios e enchentes, levando várias lideranças mundiais a se declararem comprometidas com a questão ambiental e dispostas a mudar a escrita recente na Conferência de Paris sobre o Clima (COP21) neste ano.” Por fim, Borba diz que a encíclica deve retomar uma das principais críticas ao Protocolo de Kyoto: “A de que as nações ‘em desenvolvimento’ estariam desobrigadas de esforços para reduzir as emissões de gases para não reduzir seu crescimento econômico”.

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Citações. Outro aspecto relevante do documento escrito por Francisco está nas notas de rodapé. Entre as 172 citações há a presença de outrora persona non grata na Igreja, como o jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), que defendia a integração entre ciência e tecnologia. “É revolucionária a menção dele em uma encíclica”, diz Altemeyer Júnior. 

Também são significativas as menções a conferências nacionais de bispos - no total, há referências a colegiados de 14 países: Brasil, México, Austrália, Paraguai, Bolívia, Argentina, Nova Zelândia, Portugal, África do Sul, Filipinas, Alemanha, Estados Unidos, Japão e República Dominicana. “Com isso, Francisco mostra que ele é só mais um bispo, que o Vaticano não está acima dos demais bispos e, principalmente, que ele está ouvindo o que pensam seus colegas religiosos”, analisa o teólogo. “O papa se coloca como irmão entre irmãos.”

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