Ecodesign, no ritmo da floresta

Designer argentino diz que mercado começa a respeitar a oferta da Amazônia e a usar madeiras alternativas

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Por Karina Ninni
Atualização:

O argentino Christian Ullmann é mais brasileiro do que o sotaque deixa transparecer. Chegou ao País em 1996, com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para fazer uma pesquisa sobre tecnologias na área de design. E não foi mais embora.

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Formado em Design Industrial, ele se dedica a projetos ligados ao ecodesign há 15 anos. Um deles é a mostra Design & Natureza, em que grandes nomes do setor criam objetos ecologicamente corretos e viáveis.

Na exposição deste ano, Zanine Caldas, Baba Vacaro, Marko Brajovic e outros designers criaram móveis tendo em mente o tema “redução no uso de recursos naturais”. Após passar por São Paulo, a mostra pode ser visitada em Ribeirão Preto até o dia 7.

“Eu e a Marili Brandão criamos o projeto em 1999. Naquela época, o mercado ditava o padrão: se era madeira vermelha, tudo era feito em madeira vermelha. Se era madeira clara, a mesma coisa. Eu tinha trabalhado no Ibama com a divulgação de madeiras alternativas da Amazônia para fabricação de móveis. Sabia que o Brasil escondia um verdadeiro tesouro na floresta.”

Ullmann acredita que, aos poucos, a situação está mudando. “Não é mais o mercado quem diz: queremos a madeira tal. É a floresta tropical que acena com as possibilidades de madeira.”

Mas o designer ainda enxerga grandes desafios para tornar a Amazônia uma referência de sustentabilidade e geração de renda para as populações locais, com base na inserção dos produtos amazônicos no mercado mundial. “O primeiro é o compromisso dos empresários em assumir a tendência ambiental; o segundo, um pouco mais difícil, é confeccionar esses produtos; e o terceiro, um grande entrave, implica introduzir os projetos de designers locais no processo de industrialização dessa produção.”

Para ele, é preciso valorizar o diferencial sul-americano tropical, característica que todo estrangeiro deseja dos produtos locais. “Competir contra a qualidade ou os baixos custos dos produtos globais, todos sabemos, não é o caminho.”

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Avesso à burocracia, Ullmann percebeu muito cedo o que não queria da profissão. “Estava fora dos meus planos ficar num escritório buscando soluções para problemas de empresas que produzem em grande escala. Redesenhar um parafuso que não funcionou, por exemplo. Eu queria brincar com o design.” Na faculdade, Ullmann teve contato com teorias europeias que já disseminavam o conceito de ecodesign. Mas, segundo ele, na época ninguém pensava nisso seriamente.

“A grande diferença hoje é que os jovens já saem da universidade com isso na cabeça: pensando em reaproveitamento, em reciclagem, em trabalhar com madeira certificada.” Eterno otimista, Ullmann acredita que é possível implementar cada vez mais propostas sustentáveis. “Ainda fazemos muita coisa errada, mas está mudando. Se vai dar tempo ou não, por enquanto não sabemos”, teoriza.

Aos 43 anos, o designer não para. Em 2000, concebeu e colocou em prática, ao lado da colega Tânia de Paula, a Oficina Nômade – um projeto voltado para resgatar e valorizar materiais e técnicas artesanais tradicionais, direcionando a produção para o mercado contemporâneo. A iniciativa já passou pelo interior de São Paulo, Macapá, Bahia, Santa Catarina, Paraná e Amazonas.

“Tínhamos o projeto em mente, mas tudo começou quando uma empresa de refrigerantes me pediu um brinde de final de ano. A condição era que o objeto fosse desenvolvido na Amazônia, com trabalho de comunidades e em madeira certificada.” Ullmann passou três meses em Itacoatiara (AM) e produziu os brindes com jovens graduados pela escola de marcenaria do Senai local.

 

Souvenirs e milhas

O designer conta que, quando produziu os brindes, percebeu que a ideia era viável. “Então, pegamos nossas economias, nossas milhas, e fomos para Boa Vista do Ramos, a duas horas de barco de Manaus”, conta o argentino, lembrando que ninguém apostava na ideia.

Ele e Tânia logo ficaram sabendo que uma loja voltada para a classe A em São Paulo buscava produtos masculinos em madeira certificada. A negociação vingou e a dupla acabou criando uma coleção de materiais para escritório em madeira certificada doada pela Mil Madeireira.

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Mas, além da Oficina Nômade, Ullmann tem uma outra menina dos olhos: o projeto Mais Design e Menos Resíduo, no qual moradores de periferias de grandes cidades trabalham com matéria-prima reciclável. “Quanto mais perto estamos das comunidades artesanais melhor para todos. Design não é só fazer produto caro e difícil de entender para a classe AA”, resume.

Apesar de saber que a maioria dos designers desenvolve produtos para um consumidor de maior poder aquisitivo, Ullmann afirma que, desde o início da década, está surgindo uma contracorrente.

Segundo ele, já se pode encontrar projetos feitos para o Design & Natureza em lojas de classe média, a preços acessíveis ao consumidor comum. “Esse novo design propõe uma nova forma de pensar, de produzir, de comercializar, de usar, de descartar e de reciclar; propõe uma nova estética, uma nova ética, uma nova tabela de valores e um novo equilíbrio, que aos poucos ganha espaço, credibilidade e novos seguidores.”

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