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Desmate volta a ameaçar São Félix do Xingu

Município do Pará teme acabar com conquistas recentes

Por Bruno Deiro e Werther Santana
Atualização:

Recordista do desmatamento na Amazônia nos anos 2000, São Félix do Xingu, no sul do Pará, virou o jogo neste começo de década. Um pacto contra o desmatamento reduziu a derrubada de árvores a um décimo do que era há dez anos. Desde 2011, a cidade não é mais a número 1 na "lista negra" de principais desmatadores do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O município, com território quase do tamanho de Santa Catarina, encontra, porém, barreiras para deixar de vez a lista e já põe em risco as conquistas obtidas nos últimos anos.

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Após alcançar seu menor índice histórico de desmate em 2011 – 140,1 km2 –, os números voltaram a subir no ano passado, para 169,4 km2, na medição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A alta foi confirmada no último relatório do Instituto Imazon, do fim de agosto, mostrando que em julho a cidade figurou pela primeira vez no ano como uma das dez consideradas críticas, com 11 km2 desmatados no mês.

Reduzir o desmatamento a 40 km2 anuais é o critério que falta para tirar São Félix da Lista de Municípios Prioritários da Amazônia, designação dada pelo MMA às 47 cidades que sofrem uma série de embargos por desmatar o bioma. Às margens do Rio Xingu, o território de 84 mil km2 é apontado pelo governo local como principal obstáculo – a distância da prefeitura às terras ao sul do município é de 350 km, com uma reserva indígena no meio. "É injusto que uma cidade como a nossa tenha de cumprir as mesmas metas de municípios minúsculos. Nosso esforço até aqui já é maior do que o de qualquer outro município na Amazônia", diz o prefeito João Cleber (PPS).

No fim de julho, a prefeitura enviou um documento ao governo federal pedindo metas diferenciadas de redução, proporcionais às áreas das cidades – as vizinhas Paragominas (19 mil km2) e Santana do Araguaia (11 mil km2) já deixaram a lista. Segundo a Casa Civil, o documento está em análise no MMA.

Hoje, os principais focos de desmatamento em São Félix estão concentrados na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, onde a gestão é estadual, e em assentamentos do Incra. Por isso, a mudança nas regras é vista com ressalvas por alguns pesquisadores. Eron Martins, do Instituto Imazon, lembra que metade do município é formada por terras indígenas, protegidas.

"Excluindo essas áreas, o município tem um desafio semelhante ao de seus vizinhos. O governo deve manter a regra rígida, pois não é só em São Felix, o desmatamento está aumentando como um todo", afirma Martins. Em junho, o Imazon registrou crescimento de 437% no desmatamento da Amazônia em relação ao ano passado.

O temor é que, após o esforço para reduzir os danos, as ações percam a adesão dos pequenos produtores e o desmatamento volte a crescer.

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Recorde. Nenhum município do País desmatou tanto a Amazônia recentemente como São Félix. Há 13 anos, eram 2,5 mil km2 ao ano e, desde então, uma área equivalente à das Ilhas Malvinas (12 mil km2) de florestas foi derrubada para abrir espaço para a pecuária – hoje são 2,1 milhões de cabeças de gado, ou 1% do total nacional. Esse passivo recorde só ganhou repercussão em 2008, com a criação da lista do MMA.

A cidade pagou o preço do desflorestamento descontrolado. As sanções incluíam a redução de linhas de crédito para os produtores rurais e a recusa de grandes frigoríficos, preocupados com possível responsabilização judicial pelos danos. Os pequenos produtores, desmatadores ou não, foram os maiores prejudicados.

Com diversos municípios no topo da lista, o Pará iniciou em 2011 um pacto contra o desmatamento que incluiu municípios, governo federal, iniciativa privada, ONGs e instituições de pesquisa. Com base no exemplo de Paragominas, que em 2010 foi a primeira cidade a deixar a lista por esforços próprios, o Programa Município Verdes foi lançado em 2011 para combater o desmatamento e incentivar o desenvolvimento rural sustentável nas localidades do Pará. Hoje, 97 das 144 cidades paraenses participam da iniciativa.

Em São Félix do Xingu, onde durante 40 anos a ordem foi abrir espaço na mata, os primeiros projetos representaram quase uma mudança cultural. É o caso de Lazir Soares Castro, que veio de Minas na década de 70 para tentar a sorte na região. "Para cada alqueire de floresta que desmatassem, os interessados ganhavam cinco. O governo chegava a recomendar que derrubássemos toda a mata para evitar invasão", lembra o pecuarista, que hoje tem uma fazenda de mais de 500 alqueires.

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Castro é dono de uma das mais de 1,6 mil terras do Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistema de monitoramento e licenciamento ambiental. Num município onde só 5% dos imóveis estão regularizados, o CAR tem ajudado a manter o desmate controlado em São Félix – na região, é proibido o uso, transporte e comercialização de produtos oriundos de propriedades rurais sem o cadastro.

No fim de agosto, a meta de cadastrar 80% dos imóveis foi atingida. "A pressão pelo desenvolvimento é inevitável. Nosso trabalho é ajudar a reduzir os impactos e buscar alternativas para que as empresas também se sintam responsáveis", diz Ian Thompson, diretor de programas de conservação na América Latina da TNC. Desde 2009, a ONG auxilia projetos de conservação locais e foi uma das principais apoiadoras do cadastramento de terras.

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