Crise do clima pode derrubar PIB do Brasil e torná-lo 83% menor do potencial sem aquecimento global

Relatório do IPCC divulgado nesta segunda-feira, 28, aponta efeitos devastadores sobre economia e saúde dos brasileiros

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Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Os efeitos das mudanças climáticas serão - e já são - sentidos no Brasil de diferentes formas. De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta segunda-feira, 28, além dos efeitos sobre os diferentes ecossistemas e sobre a população, o resultado também se revela na geração de riquezas pelo País. O PIB brasileiro já é cerca de 13,5% menor do que seria sem o aquecimento causado pelo homem desde 1991.

A constatação é de um dos estudos citados pelo relatório, mas não para por aí. Se esse caminho de aquecimento não for evitado, a economia brasileira sofrerá ainda mais. A renda média mundial deve cair 23% com a continuidade das emissões de gases do efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2) é o principal deles. No Brasil, até 2100, esse índice negativo de perda econômica pode chegar à queda de 83% em relação do que poderia ser sem os efeitos das alterações do clima.

Resgates após tragédia em Petrópolis;PIB brasileiro já é cerca de 13,5% menor do que seria sem o aquecimento causado pelo homem desde 1991 Foto: Terrence McCoy/Washington Post

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O último documento do IPCC mostrou, em agosto de 2021, que a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto anteriormente e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor.

De acordo com estudo citado pelo relatório lançado nesta segunda-feira, 28, cada tonelada de CO2 emitida globalmente se reflete em um custo ao país de cerca de US$24 (cerca de R$ 125) em efeitos da mudança climática. Em 2021,36,4 bilhões de toneladas de CO2 foram emitidos no mundo. O relatório aponta que entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas no planeta estão vulneráveis hoje aos efeitos das mudanças climáticas - com consequências diferentes entre países e regiões, mas marcadamente piores de acordo com a fragilidade socioambiental.

Apesar de os efeitos serem sentidos em maior intensidade pelas populações mais vulneráveis mundo afora, algumas dessas consequências serão distribuídas em várias camadas. A produção agrícola nacional, principal impulsionador do PIB em anos de crise econômica, deve ser duramente atingida. Segundo estudo citado pelo relatório do IPCC, a produção de arroz, por exemplo, pode ter queda de 6% com a manutenção de altas emissões ou 3% com cortes rápidos.

Já a produção de trigo pode cair 21% no primeiro cenário ou 5% com cortes rápidos, e a de milho em 10% com altas emissões ou 6% com cortes rápidos. No entanto, esses índices também podem ser piores, com queda de até 71% para o milho produzido no Cerrado, por exemplo, e menor produtividade na pecuária e pesca.

Além do aumento de chuvas e inundações no Sudeste brasileiro, onde estão as maiores cidades do País como São Paulo e Belo Horizonte, a seca é um fantasma cada vez mais real no território nacional. A previsão é que as chuvas diminuammais 22% no Nordeste até 2100 se as emissões forem mantidas em patamar elevado.

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A Amazônia também deve ser duramente atingida, principalmente em sua borda sul. Até o fim do século, o aquecimento deve reduzir em 27% o fluxo para a bacia do Rio Tapajós e 53% para a bacia do Araguaia-Tocantins, ambas tributárias do Rio Amazonas, o maior do mundo.

Secas e inundações são algumas das causas ambientais mais frequentemente associadas a processos de migração. O fenômeno social é uma das consequências previstas para a região Nordeste com o aumento das temperaturas médias até o final deste século.

De acordo com especialistas, os efeitos desse processo serão duplamente negativos. Além de forçar o deslocamento de grandes massas de população, esse fluxo deve ir parar nas cidades, já inchadas e com serviços e planejamento públicos precários.

Neste ano, no Brasil, por exemplo, fortes chuvas, mais concentradas e mais frequentes, atingiram os Estados da Bahia, Minas, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mais de 220 mortes foram registradas em Petrópolis neste mês em decorrência de temporais e deslizamentos. No mesmo período, ondas de calor e estiagem atingiram o Sul do País causando recordes de temperatura na região.

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Se os efeitos econômicos estão claros, as consequências para saúde do brasileiro não ficam atrás. Segundo estudo citado pelo relatório do IPCC, o calor e a umidade devem gerar condições além da tolerância humana, se as emissões não forem reduzidas. O Brasil está entre os países que teriam as mais perigosas condições. 

“O cenário descrito pelo relatório é mais grave do que inicialmente previsto, impactando negativamente infraestruturas, ecossistemas, meios de subsistência, qualidade de vida e a sobrevivência de populações mais vulneráveis”, dizCaroline Rocha, gerente de Clima do instituto de pesquisas WRI Brasil.

O relatório revela que o chamado bulbo úmido, a combinação entre calor e umidade, deve subir. A temperatura do bulbo úmido de 31°C éperigosa para o homem e acima de 35°C por mais de seis horas torna-se insuportável. Caso as emissões sejam cortadas aos níveis atualmente previstos, parte da região amazônica terá temperaturas de 32°C de 1 a 12 dias por ano, segundo estudo citado pelo IPCC. 

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A pesquisa afirma que se as emissões forem ainda mais altas, a maior parte do território nacional terá temperaturas de 32°C por pelo menos um dia por ano. Já em partes do Norte e do Centro-Oeste, essa condição deve chegar a até 30 dias por ano. Em algumas regiões do Nordeste, no entanto, a valores podem chegar aos 35°C.

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