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Corte de madeira na Amazônia em três meses já é o maior desde 2016 

Retirada seletiva, quando só algumas árvores são cortadas com objetivo de exploração madeireira, afetou área de 2.133 km², maior do que a do Município de São Paulo. Setor já prevê aumento de receita com a proposta do governo de liberar exportação in natura

Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Em pouco mais de três meses, de 1.º de agosto a 13 de novembro, o corte seletivo de madeira da Amazônia – quando só algumas árvores são tiradas com o objetivo de exploração de madeira – afetou uma área de 2.133 km², superando em 35% toda a extração ao longo dos 12 meses anteriores (agosto de 2018 a julho de 2019, em que a perda foi de 1.573 km². É o que revela o Deter, sistema de detecção rápida por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

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O total de 2.133 km² é o equivalente à área do Município de São Paulo multiplicada por 1,4. Esse corte seletivo na Amazônia em pouco mais de um trimestre já é maior do que em cada um dos três ciclos anteriores de monitoramento do Inpe, que vão de agosto a julho (2016-2017, 2017-2018 e 2018-2019). 

Os dados de corte seletivo se referem ao primeiro movimento de degradação da floresta, quando árvores mais nobres, como ipê e jatobá, são retiradas para fins madeireiros. É a etapa inicial de um processo que vai rareando a floresta até o ponto em que ela é queimada ou cortada totalmente – o chamado corte raso – para a colocação posterior de pastagem, por exemplo. 

Exploração só pode ocorrer com plano de manejo Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

O balanço oficial de desmate do Inpe se refere só ao corte raso e não engloba o corte seletivo, que integra outro monitoramento do Inpe. Este mês, o Inpe mostrou alta de 29,5% do desmate da Amazônia. Esse balanço, portanto, não inclui essas perdas esparsas de árvores dentro da mata. 

Na semana passada, o Estado revelou que Jair Bolsonaro estuda liberar a exportação de madeira in natura – hoje essa venda é ilegal. A madeira nativa explorada legalmente só pode ser exportada após passar por algum processamento, o que agrega valor ao produto exportado e oferece proteção extra à floresta, uma vez que cria mais etapas passíveis de fiscalização.

A expectativa do setor madeireiro é, se liberada a exportação, elevar a receita do mercado de R$ 600 milhões (com madeira processada e legal) para cerca de R$ 1,2 bilhão anual. De 2.133 km² de corte seletivo desde agosto, a maior parte foi no Pará (907 km²), Mato Grosso (765 km²) e Amazonas (276 km²). Procurados, Ministério do Meio Ambiente e Secretarias de Ambiente de Pará, Mato Grosso e Amazonas não se manifestaram até as 21 horas desta terça. 

Fiscalização menos rígida agrava cenário, segundo especialistas

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O aumento, para especialistas e fiscais do Ibama ouvidos pelo Estado, segue a mesma lógica das altas seguidas no desmate (o corte raso) e estaria ligado à fiscalização menor. De janeiro a setembro, autuações de crimes contra a flora (como extração irregular de madeira) na Amazônia Legal caíram 40% ante o mesmo período de 2018.

Só com imagens de satélite não é possível diferenciar o corte seletivo ilegal do legal, mas a exploração legal só pode ocorrer com plano de manejo aprovado pela autoridade federal ou local – e não há indícios de que tenham sido aprovados mais planos nos últimos meses.

Além da possibilidade de autorizar a exportação de madeira in natura, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, flexibilizou normas de fiscalização e de multa a serrarias que comprem madeira ilegal. Conforme publicou o jornal O Globo, Bim enviou documento a fiscais dizendo que empresas que compraram madeira acompanhadas de documentos de origem florestal fraudados não podem ser multadas pelo Ibama a menos que demonstrado indício de que o comprador sabia antes que o documento era falso.

Exportação de madeira in natura pode virar problema ambiental, diz pesquisador

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“Temos, em média, 10% a 15% do mercado de madeira sendo exportado. Nossa intenção é que esse volume chegue a pelo menos 30%”, diz o superintendente do Fórum Nacional de Base Florestal, Valdinei Bento dos Santos. O Fórum é formado por 24 instituições do setor madeireiro do País.

Beto Mesquita, da BVRio, que promove negócios que cumpram a lei ambiental, discorda. Ele lembra que o mercado internacional de madeira, especialmente Estados Unidos e União Europeia, demanda garantias, por parte dos compradores de seus países, de que os produtos que importam são legais. 

“A medida do governo de só multar se ficar demonstrado conhecimento prévio, em vez de reforçar que o consumidor tem responsabilidade pela origem do produto, o isenta disso, o que é ruim para fomentar a ilegalidade”, afirma. “Quando combina isso com a possibilidade de exportar diretamente a tora piora ainda mais o cenário. Porque uma das maneiras de identificar a ilegalidade é nos intervalos da cadeia produtiva. Mas se exporta direto, resta apenas uma chance de checar a ilegalidade”, explica.

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Para Paulo Hartung, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas (como eucalipto e pinus), o movimento é ruim para o setor.

“Os empresários do setor agrícola, com sua visão estratégica, sabem da importância da conservação ambiental como aliada para o negócio. Por isso, o setor repudia essas ações de desmatamento ilegal praticadas por criminosos”, diz.

“Os desmatamentos e incêndios ilegais da Amazônia geraram um forte impacto negativo para imagem do Brasil e para os setores produtivos. Essas novas mudanças podem pressionar ainda mais a imagem internacional, em um momento que deveríamos somar forças para reverter esse cenário”, complementa.  

Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, o veto à venda de madeira in natura é uma política de desenvolvimento econômico local, com o processamento de toras. “Liberar exportação de toras reduzirá a oportunidade de desenvolvimento local. E pode ser um problema ambiental se aumentar a exploração, porque há muita extração ilegal.” / COLABOROU ANDRÉ BORGES

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