Consumo alto de energia, transporte e bens explicam emissões altas nos EUA

BBC Brasil acompanhou famílias nos EUA e no Burundi, respectivamente entre os países que mais e menos poluem o planeta.

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Por Daniel Gallas
Atualização:

Delegações de 192 países discutirão a partir do dia 7 de dezembro, em Copenhague, na Dinamarca, formas de reduzir as emissões de gases nocivos ao meio ambiente. Na véspera da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a BBC Brasil visitou duas famílias que vivem nos dois extremos da lista de países que poluem o meio ambiente. Em uma ponta estão os Estados Unidos, cuja população tem a maior pegada ambiental (o quanto cada pessoa polui o planeta) entre os países desenvolvidos. Na outra, está o Burundi, um dos países mais pobres do planeta e também um dos que menos polui. Duas famílias revelaram seus hábitos de consumo e o que faz com que as suas pegadas ambientais sejam tão diferentes. Para comparar os dois extremos, eles responderam a perguntas sobre três itens que compõem a pegada ambiental de cada família: o gasto de energia, o uso de transporte e o consumo geral de bens e serviços. AS FAMÍLIAS Em Miami, nos Estados Unidos, a BBC Brasil visitou Charles e Melanie Glenn, um casal de médicos residentes. Eles moram em uma casa alugada de três quartos com a filha de sete meses, Amelie. Em Bujumbura, capital do Burundi, foram entrevistados Willy Rwankineza e Espérance Iradukunda. Ambos com curso superior, ele trabalha em um banco, e ela, em uma organização não-governamental. Eles moram em uma casa própria com quatro filhos e dois empregados. As duas famílias possuem um padrão de vida considerado bom em seus países. Charles e Melanie fazem parte da vasta classe média americana. Willy e Espérance, apesar de não serem ricos, ainda assim estão entre as pessoas com melhor padrão de vida no Burundi - país que possui a menor renda per capita do mundo. ENERGIA Apesar de na casa americana morarem apenas três pessoas, o consumo mensal de energia elétrica é, em média, quase oito vezes maior do que o da casa do Burundi, onde moram oito pessoas. Em Miami, Charles e Melanie consomem cerca de 950 kWh por mês. O casal possui vários eletrodomésticos - televisão, aparelho de DVD, refrigerador, máquinas de lavar e secar roupas, fogão elétrico, entre outros. Como eles passam grande parte do tempo fora de casa, trabalhando, muitos eletrodomésticos ficam desligados a maior parte do dia. O maior gasto da família é com ar condicionado. Os três aparelhos da casa ficam ligados quase o tempo inteiro enquanto as pessoas estão em casa, para suportar o calor de mais de 25ºC de Miami, que dura no mínimo seis meses do ano. No Burundi, Willy e Espérance gastam, em média, cerca de 120 kWh por mês. A conta total de luz da família, feita com cartões pré-pagos de energia, é de apenas US$ 5 por mês. A lista total de eletrodomésticos da casa é curta: um refrigerador, uma televisão e um ferro de passar. O casal não tem máquina de lavar ou secar; as roupas são lavadas a mão pelos empregados. Não há fogão a gás ou elétrico; a comida é esquentada com lenha. Eles também não têm computador. Outro fator que contribui para o baixo consumo de energia da família é a escassez de eletricidade no Burundi. Nos últimos meses, o governo tem cortado o suprimento de energia elétrica todos os dias das 22h às 6h. Só os poucos que têm gerador próprio escapam do apagão diário. Tanto os americanos quanto os burundianos entrevistados pela BBC Brasil não têm gás em casa, o que diminui bastante a pegada ambiental das famílias. No Burundi, a grande maioria das casas não tem aquecimento a gás, nem mesmo para a água. O costume é que os banhos sejam tomados na temperatura ambiente, já que quase nunca faz frio no país. Em Miami, os Glenn usam um sistema natural de aquecimento de água, mas isso ainda é raro entre os americanos, que dependem do gás para o banho. Nos Estados frios do país, como Alasca, Dakota do Norte e Wyoming, o consumo de gás é o maior responsável pela alta pegada ambiental da população. No Burundi, o país inteiro tem o mesmo clima, que não exige aquecimento. TRANSPORTE As duas famílias entrevistadas dependem muito do carro no dia-a-dia e o seu uso é semelhante. O americano Charles estima que sua família roda cerca de 160 km por semana com o carro. O burundiano Willy acredita que o uso semanal do carro seja de 110 km. Charles e Melanie têm apenas um carro. Eles trabalham no mesmo hospital em Miami, que possui uma creche para a filha Amelie, o que reduz muito as viagens de carro. Eles vão para o hospital cedo e voltam à tarde. Eventualmente, Melanie usa o ônibus para ir para casa, que é uma opção mais ecológica. Além de dirigir para o trabalho, Willy leva e busca a mulher Espérance no trabalho e faz o mesmo com os filhos na escola duas vezes por dia, já que a família toda almoça em casa. As distâncias em Bujumbura, no entanto, são bem menores. A principal diferença em termos de transporte entre as famílias é o uso de avião. O transporte aéreo é um dos setores que mais emitem gás carbônico no meio ambiente. Tanto os pais de Charles como os de Melanie moram no Estado do Kansas, a dois mil quilômetros de distância. Desde que Amelie nasceu, eles já viajaram três vezes ao Kansas de avião. Além disso, no último ano eles passaram férias na Guatemala e Charles foi para a Inglaterra. Willy e Espérance, que são mais velhos que o casal americano, nunca viajaram de avião na vida. A família do Burundi nunca contribuiu para emissões de CO2 por avião. O principal motivo é o alto preço das passagens em relação ao padrão de vida do Burundi. Uma passagem de avião de Bujumbura para Nairóbi, no Quênia, uma das opções mais próximas e baratas, custa em torno de US$ 400, o que é mais de três vezes a renda anual média de uma pessoa no Burundi. No país, apenas profissionais com boas carreiras ganham um salário mensal de US$ 400. Ainda assim, toda a renda mensal seria suficiente para comprar apenas uma passagem de avião. Nas férias e feriados, Willy diz que sua família fica em casa. "Aqui no Burundi você dorme nas suas férias", brinca ele. Uma vez por ano eles vão de carro para o interior para visitar os pais de Espérance. CONSUMO GERAL DE BENS E COMIDA O terceiro fator que forma a pegada ambiental é o consumo geral de bens e comida. O cálculo desse item é complicado, porque ele exige que se some a pegada ambiental de todos os bens que uma determinada família têm - como roupas, móveis, produtos eletrônicas e comida, por exemplo. Cada produto tem uma pegada ambiental própria, que é a quantidade de gases que foram emitidos na sua fabricação e transporte. A família do Burundi tem hábitos bem mais modestos do que a família americana, com menos bens de consumo como brinquedos, roupas e produtos eletrônicos. Por isso, sua pegada ambiental é muito menor, em termos de consumo. No caso da comida, o Burundi é um país essencialmente rural e há mais alimentos produzidos localmente, o que é mais ecológico. Não há grandes supermercados e lojas na capital, e Willy e Espérance compram alimentos de agricultores ambulantes que andam a pé ou de bicicleta e vendem seus produtos de porta em porta. O alimento sai praticamente da terra para a mesa do consumidor final sem emissão de CO2. Em geral, os burundianos só comem verduras e frutas da estação, já que não há grandes importações de alimentos e frigoríficos para armazenamento - outro fator que reduz muito a emissão de gases. Já o casal de Miami compra seus alimentos em um grande supermercado da cidade. A Flórida é um Estado que produz muitas frutas e verduras, o que diminui a necessidade de transporte e armazenamento dos alimentos e reduz a pegada ambiental da produção agrícola no Estado. Ainda assim, Miami tem centenas de supermercados com alimentos importados de todas as partes do mundo, algo ainda inédito em Bujumbura. * Confira amanhã uma reportagem em vídeo sobre os hábitos da família de Willy e Espérance, no Burundi. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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