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Compromisso de reduzir desmate e queimada assumido por Mourão é 'desafiador', dizem especialistas

Vice-presidente afirmou que pretende ter taxas de queimadas e desmatamento 'abaixo da média ou dos mínimos históricos' ainda este mês; pesquisadores avaliam que objetivo depende dos esforços empenhados

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Por Ludimila Honorato
Atualização:

SÃO PAULO - O compromisso assumido nesta sexta-feira, 4, pelo vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, de reduzir as taxas de desmatamento e queimadas na Amazônia "abaixo da média ou dos mínimos históricos" ainda no mês de setembro é considerado difícil e desafiador por especialistas ouvidos pelo Estadão. Eles avaliam que até existe uma possibilidade, mas ela dependeria do nível de esforços empenhados.

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Mourão reconheceu, durante o evento Retomada Verde, promovido pelo Estadão, que o governo "entrou tarde" nas ações para frear o desmate, situação que, segundo ele, foi agravada pela pandemia. No ano passado, as Forças Armadas atuaram na Amazônia apenas para combater as queimadas.

"Deveríamos ter permanecido no terreno com aquela força constituída para já entrar de imediato, entrar de cabeça no combate ao desmatamento. Não fizemos isso, fomos entrar tarde", afirmou. "O objetivo é chegarmos com o desmatamento e as queimadas abaixo da média ou dos mínimos históricos que já tivemos anteriormente ainda em setembro."

Atualmente, desmonte do Ibama e especulação fundiária contribuem para altas taxas de desmatamento na Amazônia, diz especialista. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Na opinião do pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais, é positivo que o governo queira colocar recursos para reduzir essas taxas, mas avalia que será "muito desafiador". "Depende muito do nível de esforço colocado. Efetivamente, com emprego maior das Forças Armadas, é possível num tempo relativamente curto obter uma redução substancial, mas essa ação tem de ser forte e mobilizar equipamentos e usar inteligência, mas não é fácil", disse.

Ele afirma que o número acumulado do período mais longo demora para ter uma resposta, mas que seria possível conseguir um valor em setembro inferior ao do ano passado. "A emergência não passou, mas só o fato de ter parado de piorar não deixa de ser positivo." Para ele, as poucas reduções desse ano, como a diminuição de 5% no número de incêndios em agosto em relação ao mesmo mês de 2019, "por si só não é uma vitória" e é preciso "colher os resultados" ainda.

O climatologista Carlos Nobre também acredita ser difícil atingir níveis baixos neste mês. "Este ano, com cerca de 3.600 homens do Exército na Amazônia desde maio, a efetividade do combate ao desmatamento e às queimadas é bastante baixa de modo geral, pois esses números têm sido tão altos até agosto em comparação com 2019. Portanto, fica difícil afirmar que os desmatamentos e queimadas em setembro atingiriam níveis muito menores do que no ano passado", avalia.

Ele lembra que, em 2019, quando cerca de 4 mil homens do Exército estiveram na Amazônia entre setembro e outubro para combater as queimadas, o problema diminuiu um pouco naqueles meses em relação ao ano anterior, "mas isso não aconteceu com os desmatamentos, que cresceram bastante naqueles dois meses".

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Segundo Rajão, três fatores principais contribuem hoje para as altas taxas de desmatamento e queimada no País. Primeiro, o aumento do valor do boi e da soja em relação à desvalorização do real; depois, o desmonte do Ibama realizado pelo ministro Ricardo Salles, "com substituição de fiscais experientes por outros profissionais que não têm experiência para assumir cargo de comando"; e a especulação fundiária, com o desmatamento sendo feito na expectativa de regularização de terras. "A partir do momento que o governo fala que é prioridade e vai regularizar, isso obviamente gera expectativa que o desmatamento hoje tenha retorno no futuro com título, com valor mais alto do que foi investido."

Meios para o enfrentamento

Para reverter esse cenário, o pesquisador da UFMG diz que, em primeiro lugar, é preciso haver um posicionamento claro do próprio Ministério da Agricultura de que quem desmatar ilegalmente não vai ser titulado. "Uma questão importante é a implementação do Código Florestal, onde você vai ter uma punição para quem desmatar ilegalmente." Por fim, ele afirma que o próprio fortalecimento dos órgãos de controle ajudaria a reduzir as taxas, mas não é isso que se vê, uma vez que só o Ibama perdeu 55% dos fiscais em uma década, como mostrou o Estadão em agosto.

Rajão lembra que um dos fatores para a redução do desmatamento no início dos anos 2000 foi quando a coordenação do plano de controle saiu do ministério e foi para o Palácio do Planalto, o que, segundo ele, dá mais importância para a agenda, além do apoio das Forças Armadas. "Tem potencial importante, mas esse potencial é muito desafiador."

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Além das ações em campo, Carlos Nobre considera que é importante fazer o rastreamento dos recursos que financiam o crime ambiental, o que requer trabalho apurado de órgãos de inteligência, e destruir maquinário de desmatamento ilegal, o que já funcionou para punir financeiramente quem arca com os custos do crime ambiental. "É preciso que estas ações que funcionaram no passado voltem e com eficácia."

Outras investidas que o especialista pontua são políticas de apoio e subsídios aos municípios que conseguirem reduzir taxas de desmatamento e proteção mais efetiva de unidades de conservação e territórios indígenas. "Há que se mudar o discurso de defesa permanente da expansão da pecuária e agricultura tradicionais na Amazônia. O grande potencial econômico está na floresta em pé", afirma o climatologista.

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