Como criar uma ‘cidade verde’ em nove anos

Com parceria entre prefeitura e comunidade, cidade da Alemanha produz o dobro da energia que precisa, a partir de fontes renováveis

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Por Giovana Girardi
Atualização:
Casa com teto solar da cidade de Saerbeck, Alemanha Foto: Divulgação/Prefeitura de Saerbeck

SAEBERCK - Uma cidadezinha no noroeste da Alemanha, com apenas 7.200 habitantes, em um ambiente mais rural, tem um slogan nada modesto para o seu tamanho: se coloca como a cidade onde o futuro já chegou, ao menos do ponto de vista energético-climático.

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Saerbeck, na região de Nordrhein-Westphalen, é um desses exemplos de quando o poder público e a comunidade se juntam sob o mesmo objetivo. Em nove anos, a cidade passou de quase zero para uma produção de energia a partir de fontes renováveis que hoje responde pelo dobro da necessidade local. Um parque de bioenergia produz a partir de turbinas eólicas, painéis solares e biogás da decomposição de resíduos. Casas e prédios colocaram tetos solares e um sistema central e integrado de aquecimento, movido com pallet de madeira, substituiu o uso de gás natural. 

O Estado visitou a cidade em meio à 23.ª Conferência do Clima da ONU, realizada em Bonn, que fica a duas horas de Saerbeck, e encerrada ontem.

Ali, a mudança começou em 2008, quando um concurso foi aberto na região em busca de projetos para desenvolver a “Municipalidade Climática do Futuro”. Saerbeck se empenhou em pensar em um plano de ação para zerar suas emissões de carbono até 2030 e ganhou a competição, com € 1 milhão de incentivo. 

“Analisamos onde estávamos, para onde queríamos ir, onde estaríamos no futuro e o que poderíamos fazer para aumentar a nossa fatia de renováveis. As metas de zerar CO2 eram para 2030, mas já em 2013 alcançamos esse resultado ao menos no que se refere à eletricidade”, conta o prefeito Wilfried Roos. Foi o pontapé para dar início a uma série de projetos pensados com a comunidade, que propôs ideias e participou das discussões e execução de cada um dos sete campos definidos. “O objetivo era fazer dos cidadãos parte do projeto.”

Da munição ao sol. A população foi questionada, por exemplo, se teria interesse em ter a própria casa transformada em uma produtora de energia e funcionar com maior eficiência energética. Logo de início, 25% das famílias disseram que gostariam de participar. Entre 2009 e 2014, 440 unidades fotovoltaicas foram instaladas no telhado de casas, e também de escolas e fazendas. São quase 10 megawatts instalados, que respondem por 26% da produção de energia local, ou o suficiente para 2 mil famílias. 

Outro trabalho criou uma central de aquecimento em um prédio público movido a pallets de madeira, obtidos a partir de árvores derrubadas em tempestades. Uma igreja e dois prédios comerciais se associaram à ideia e acabaram criando uma rede integrada de aquecimento de 700 metros que atende também a duas escolas, unidades esportivas e uma creche. 

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Para engajar ainda mais a população, há reuniões mensais. As crianças são envolvidas em projetos de educação ambiental em bases diárias, em que elas até aprendem a fazer cachorro-quente e muffins com o novo aquecimento, além de participarem da instalação dos painéis solares nas escolas. 

Entre as linhas de atuação, a mais efetiva foi transformar um antigo campo de munições do Exército alemão em parque de bioenergia a 1,5 km da cidade. O local foi comprado com o prêmio de € 1 milhão. Parte da área de 900 mil metros foi remodelada para abrigar sete turbinas eólicas, cada uma com capacidade de gerar 3 megawatts. Os antigos bunkers de munição foram adaptados para receber painéis solares, que juntos têm a capacidade de gerar, no pico, 5,7 megawatts (ou o necessário para abastecer 1.700 casas). O investimento total, de cerca de € 70 milhões, veio de cooperativas e empresas locais, mas também de aportes dos habitantes.

Como a energia produzida é muito maior do que a utilizada na cidade, ela é repassada para um grid regional, que retorna em descontos de impostos e pagamento de renda para a cidade. O valor também é reinvestido em projetos. 

No total, a cidade aponta que houve redução das emissões per capita em 42%, passando de 9,6 toneladas de CO2 por habitante em 2010 para 5,5 toneladas em 2014. E o custo de energia caiu 16%. “Podemos ver que funciona e teve resultado imediato em um ano de funcionamento. É bom para o clima, mas também bom por reduzir custos”, afirma Guido Wallraven, gerente dos projetos.

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Contrastes. Ao longo das duas semanas de Conferência do Clima da ONU, que terminou na sexta-feira, uma incômoda pergunta foi feita repetidas vezes ao país que abrigou o evento. Normalmente associada aos altos investimentos em energias renováveis, a Alemanha foi questionada sobre se anunciaria um prazo para o fim do uso de carvão na produção de energia.

ONGs fizeram protestos e excursões para jornalistas para a maior mina de carvão da Europa – localizada nos arredores de Bonn, onde foi realizada a cúpula – que queima o tipo mais sujo do combustível fóssil, o lignite. Mas o anúncio não veio no esperado, e considerado decepcionante, discurso da primeira-ministra Angela Merkel ao se dirigir a chefes de estado, ministros e delegados. 

A Alemanha ainda hoje responde por cerca de 30% da capacidade de carvão da União Europeia e, internamente, o combustível responde por 40% da matriz energética. Parte disso, porém, é exportado. Tanto que fontes renováveis somam 29% da produção, mas 32% do consumo.

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* A repórter viaja como bolsista do fellowship Climate Change Media Partnership

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