Coalizão dobra nº de doadoras para proteger florestas; Estados da Amazônia miram recursos

Iniciativa será apresentada na COP-26; recebimento de recursos por governos locais brasileiros depende de aval da União

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Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - A Coalizão Reduzindo Emissões pela Aceleração do Financiamento Florestal (Leaf, na sigla em inglês), iniciativa público-privada apoiada pelos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, ao lado de grandes companhias globais, vai aumentar o número de empresas doadoras para cerca do dobro – hoje, são 12 – até o fim do ano. Mais doadores serão anunciados em Glasgow, na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-26), que começou nesse domingo, 31, informou a Emergent, instituição americana sem fins lucrativos e coordenadora administrativa da coalizão.

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O grupo pretende amealhar pelo menos US$ 1 bilhão (cerca de R% 5,65 bilhões) em remuneração para manter florestas em pé. A preservação dessas áreas verdes é considerada fundamental para evitar o aumento de emissões de gases de efeito estufa e também criar a compensação para poluição atmosférica em outras partes do mundo. 

O financiamento, por parte de governos e empresas de países desenvolvidos, para que nações pobres ou em desenvolvimento preservem suas florestas será um dos destaques nas negociações da COP-26. A posição brasileira sob o governo Jair Bolsonaro, de cobrar dos países desenvolvidos verbas para manter a floresta em pé por aqui, tem sido alvo de críticas, especialmente em meio ao aumento do desmatamento nos últimos dois anos.

Por causa do avanço da derrubada de florestas, o Brasil ficou na contramão do mundo em termos de emissões de gases do efeito estufa no ano passado. Por aqui, as emissões cresceram 9,5% ante 2019. No mundo, houve queda agregada de quase 7%, em meio à retração da economia global provocada pela pandemia de covid-19.

Bolsonaro declarou na quarta-feira, 27, que não irá a Glasgow, mas, apesar da controvérsia com a posição do governo federal, oito Estados da Amazônia Legal foram habilitados na Chamada Global lançada pela coalizão Leaf. Os resultados foram anunciados no início de outubro. Governadores do Consórcio da Amazônia Legal buscam apoio da União para participarem da iniciativa – um dos requisitos para governos subnacionais aderirem formalmente à coalizão é o aval, por escrito, de seus governos nacionais. 

Queimada na Amazônia perto da cidade de Porto Velho; criado em 2008, o Fundo Amazônia tinha financiado 103 projetos até o fim de 2018 Foto: Bruno Kelly/Reuters

A Leaf foi lançada em abril, na conferência de líderes sobre meio ambiente chamada pelo presidente americano, Joe Biden. É um mecanismo de REDD (sigla para "reduzindo emissões por desflorestamento e degradação florestal"). A lógica do mecanismo, criado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), é formar fundos para recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases estufa associadas ao desflorestamento. Ou seja, é uma forma de remunerar países ou governos subnacionais que trabalham para manter suas florestas em pé.

No Brasil, o mais conhecido mecanismo de REDD é o Fundo Amazônia, criado em 2008 com doações dos governos da Noruega e, em menor valor, da Alemanha. Com um valor inicial de R$ 3,4 bilhões, o Fundo Amazônia apoia ou já apoiou, com financiamento direto e não-reembolsável, 103 projetos de preservação, desenvolvimento sustentável ou de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal, mas está congelado desde 2019, após intervenção do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Com a mudança na governança, os países doadores decidiram suspender o repasse de novos recursos. Assim, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gestor do Fundo Amazônia, congelou a análise de novos projetos. 

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O modelo da Leaf é semelhante, mas a coalizão público-privada se diferencia ao atrair, voluntariamente, doações de grandes companhias, disse a diretora-geral de Gestão de Fundos da Emergent, a brasileira Juliana Santiago, funcionária licenciada do BNDES que já trabalhou com o Fundo Amazônia. Amazon, Nestlé, Unilever, McKinsey, Bayer, Boston Consulting Group, Salesforce, Airbnb e GSK apoiam a coalizão desde o lançamento. E.ON, PwC e Delta Airlines aderiram depois.

Junto das adesões de mais empresas, também serão anunciadas em meio à COP metas financeiras, segundo a Emergent. Santiago evitou citar os nomes das corporações, mas informou que nenhuma tem capital brasileiro, embora companhias nacionais mantenham "conversas" com a instituição americana, para eventual adesão à coalizão. Para aderir à Leaf, não basta disposição para doar. Além do compromisso de investir, no mínimo, US$ 10 milhões entre 2022 e 2026, as companhias precisam cumprir uma série de requisitos em termos de compromissos ambientais – como medir suas emissões, participar de algum sistema de mitigação dessas emissões e fazer divulgações públicas sobre isso.

Outra diferença em relação ao Fundo Amazônia são as regiões participantes. No caso da política brasileira, a "jurisdição" (governo nacional ou subnacional) onde as florestas serão preservadas é o próprio Brasil, com foco na Amazônia Legal. Já a coalizão Leaf está aberta a todas as "jurisdições" que tenham florestas tropicais ou subtropicais no mundo. Os oito Estados brasileiros habilitados integram um grupo de 22 governos nacionais e subnacionais aprovados na primeira chamada global da coalizão, em locais como a América Central, a Amazônia, a Bacia do Congo (África) e o Sudeste Asiático.

Governo do Pará busca apoio para tentar continuar com ações na região amazônica após paralisação de recursos do Fundo Amazônia Foto: Vinícius Mendonça/IBAMA

Segundo a diretora da Emergent, cada Estado brasileiro está num estágio diferente em termos de cumprimento dos requisitos para integrar a coalizão. Só após a verificação do cumprimento de requisitos – como a escolha de um gestor para administrar os recursos e a comprovação da capacidade de monitoramento do desflorestamento e das emissões oriundas dele, entre outros itens – serão celebrados acordos formais.

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Primeiros pagamentos a governos locais deve sair em 2023

Também na COP-26, no próximo dia 6, a Emergent assinará um memorando de entendimento com o Consórcio da Amazônia Legal sobre a participação dos governos estaduais na coalizão, disse Santiago. Conforme a programação já anunciada, o consórcio de governos estaduais será representado pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

Os primeiros pagamentos para os Estados brasileiros deverão sair apenas no fim de 2023 e, disse Santiago. Não é possível estimar valores, nem por Estado nem para todos os governo brasileiros. Isso porque os pagamentos dependerão da comprovação do quanto cada Estado ou país deixou de emitir, em gases do efeito estufa, por causa de desmatamento.

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Os cálculos serão feitos com base nas emissões médias de 2017 a 2021. Ou seja, a "jurisdição" participante da coalizão global terá de demonstrar, de forma certificada por instituição científica independente, que emitiu menos em 2022 e nos anos subsequentes, até 2026, para fazer jus aos pagamentos. Além disso, assim como no Fundo Amazônia, o financiamento tem que ser aplicado em projetos de preservação, desenvolvimento sustentável ou de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal.

Para Santiago, é importante que o modelo seja assim, para que os novos ingressantes trazidos pela coalizão, ou seja, as grandes companhias globais, propiciem incentivos para que países ou Estados detentores de florestas façam além do já previsto em suas metas de redução de emissões de gases.

"A coalizão traz um novo entrante, que aumenta suas ambições, contribui para além de suas cadeias (de produção), em áreas que não são sua atividade-fim, mobilizando recursos voluntários para (preservar) florestas, mas quer que o outro lado (os locais que detém as florestas) também aumente sua ambição. Então, o pagamento é por resultados futuros. ‘Me comprometo a pagar, desde que você se comprometa a reduzir’. A lógica é o aumento de ambição", afirmou a executiva brasileira.

A diretora da Emergent vê os governos brasileiros bem posicionados para receber os recursos nos próximos anos. Isso porque o Brasil é um dos países que tem maior "capital intelectual" tanto na produção de conhecimento científico sobre o efeito do desmate nas mudanças climáticas quanto no desenvolvimento de políticas públicas para reduzir o desflorestamento. "Temos grande potencial de sermos uma das principais potências globais verdes, nos reposicionando como o país que mais reduz o desmatamento, que mais contribui com a mitigação das mudanças climáticas no mundo", afirmou.

Por isso, as companhias globais têm "muito interesse" em "cooperar" com o Brasil. "O potencial de que mais corporações também se engajem com a coalizão e tragam mais capital para a floresta é muito grande. Torçamos para que o Brasil aproveite essa oportunidade e alcance os resultados esperados para que seja remunerado por tal", completou Santiago.

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