Certificação de marcha à ré

Enquanto florestas tropicais certificadas disparam em todo o mundo, Amazônia perde milhares de hectares

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Por Karina Ninni
Atualização:

Na contramão do restante do planeta, a certificação florestal na Amazônia registrou queda entre 2008 e 2009. No período, a área certificada na região caiu 4,7% – passando de 2,75 milhões de hectares para 2,62 milhões, segundo Estêvão Braga, da World Wildlife Foundation (WWF). No restante do mundo, a área de florestas tropicais certificadas cresceu cerca de 500 mil hectares, segundo o Forest Stewardship Council (FSC).

 

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Hoje, a maior área certificada na Amazônia é a Terra Indígena Baú, da qual se extrai castanha para a produção de óleo – que está parada. A madeireira Precious Woods Brasil, primeira a receber certificação, em 1997, perdeu uma área em 2009 por problemas com documentação, motivo que também levou à extinção o único projeto do Brasil em área de várzea, no arquipélago de Marajó (PA).

 

A função da certificação é atestar a origem da matéria-prima florestal. Para ter certificado, a empresa deve provar que a terra onde trabalha tem documentação confiável, além de cumprir uma série de exigências, até mesmo relativas ao tratamento dispensado a funcionários, e assumir compromissos de longo prazo de manejo sustentável dos recursos. “Para produtos madeireiros, a área certificada hoje na Amazônia é de 1,2 milhão de hectares”, diz Marco Lentini, do Instituto Floresta Tropical.

 

Dos 16 milhões de metros cúbicos de madeira produzidos na região em 2008, menos de 3% eram certificados. Atualmente não há madeireiras buscando certificação na região. Pior: empresas vêm perdendo áreas com o “selo verde”.

 

Desde 2002, pelo menos nove empresas perderam suas áreas certificadas de manejo madeireiro na Amazônia. Os motivos são os mesmos: problemas com a documentação da terra, frequentemente seguidos de invasão. Casos como o da Maracaí Florestal, que perdeu o selo por uma denúncia do Greenpeace, são raros.

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Andando para trás

O episódio da Precious Woods Brasil ocorreu em uma área de 45 mil hectares. “Nós tínhamos como comprovar a posse, mas não a propriedade. Em 2005, o manejo florestal em áreas de direito de posse começou a ser questionado pelo governo”, explica Christian Marzari, CEO da empresa no Brasil.

 

A empresa realiza o manejo de impacto reduzido, que consiste no uso de técnicas que minimizam os danos causados à floresta. Pela exploração convencional, quando se derruba uma árvore, dezenas de outras vão junto. O manejo de impacto reduzido evita o desmate desnecessário e preserva a estrutura da floresta. Só árvores prontas para o corte são retiradas.

 

“Em 2007, a área foi invadida, impedindo a continuação da concessão florestal. Nosso contrato venceu em 2009 e a empresa teve de desocupar a área”, resume Marzari.

 

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Os invasores, conhecidos como “sem-toras”, desmatam ilegalmente, bancados por serrarias espalhadas pelo interior, que compram a madeira sem documento. Só que, de acordo com a Lei de Gestão de Florestas Públicas, em áreas de conflitos sociais é impossível fazer manejo. E, se não há manejo, não pode haver certificação.

 

Caso semelhante foi o de Dario Bernardes, proprietário da Fazenda Santa Marta, de 22 mil hectares, também no Pará. Em 1999, ele arrendou 16 mil hectares de florestas para a Juruá Florestal, que certificou a área em 2001. Foi o primeiro projeto no Estado a receber o carimbo do FSC, líder mundial em número de países com projetos registrados. O sistema tem padrões internacionais e seu selo figura na maioria dos produtos certificados no Brasil.

 

“Trabalhamos bem até 2006.Quando foi instalado um assentamento na divisa com a fazenda, começaram a roubar madeira. Construíram até forno de carvão na minha área”, afirma Bernardes.

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Ele conseguiu uma liminar de reintegração de posse ainda em 2006, que só foi aprovada no ano passado. “Enquanto isso, roubaram 345 mil m³ de madeira do meu projeto certificado”, conta Bernardes.

 

Outro caso é o da madeireira Emapa, que certificou o único projeto de manejo de madeiras de várzea no Brasil, em Chaves, no arquipélago de Marajó. “Eu me preparei três anos para me certificar. Em 2003, consegui. E em 2006 o projeto foi cancelado por conta da documentação das terras”, resume o proprietário José Augusto Correia Moreira.

 

‘Ilegais à vontade’

Os problemas com a documentação de áreas certificadas pioraram depois que a Lei de Gestão de Florestas Públicas tirou do Ibama a atribuição de aprovar os Planos de Manejo Florestal e conceder autorizações para exploração. Essas funções passaram para os órgãos ambientais estaduais.

 

“Quando foi feito o cadastro florestal na região, tudo o que tinha floresta e não tinha título definitivo virou terra pública”, resume Fernando Castanheira, do Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal.

 

“Muitos Estados não têm tradição de lidar com florestas”, diz Fábio de Albuquerque, fundador da madeireira Ecolog e membro do Grupo de Produtores Florestais Certificados. Ele tem uma área de 30 mil hectares em Rondônia. “Os órgãos estaduais penalizam quem trabalha dentro da lei e deixam os ilegais à vontade”.

 

Além de tudo isso, o mercado para os produtos com selo verde não é um mar de rosas. “Fui bem recebido no exterior, mas vendia madeira com selo pelo mesmo preço da não certificada. O mercado ainda não é tão seletivo assim como dizem”, confirma Moreira, da Emapa.

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Em São Paulo, maior consumidor de madeira tropical do mundo, menos de 2% da madeira vendida é certificada.

 

“São Paulo consome 4 milhões de m³ de madeira tropical por ano, e a Amazônia só produz 600 mil m³ de madeira certificada. Mas, em março de 2009, 23 entidades do setor da construção civil se comprometeram a usar madeira legal e a substituí-la aos poucos pela certificada. Estamos tentando reverter a situação”, diz o engenheiro da WWF no Brasil Estêvão Braga, que representa a instituição no conselho brasileiro do FSC.

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