Castanha é um dos pilares da bioeconomia da Amazônia, mas pode render muito mais

Levantamento aponta potencial de produção de mais de 3 milhões de toneladas, mas execução fica em 34 mil toneladas e País fica atrás da Bolívia. Extrativistas dependem de áreas extensas de floresta conservada

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Por Eduardo Geraque
Atualização:

O caso da castanha-do-Brasil é emblemático para mostrar como um dos pilares do desenvolvimento sustentável amazônico, uma solução ambiental segura para se manter a floresta em pé, poderia ter um alicerce muito mais sólido e, dessa forma, gerar muito mais renda e promover qualidade de vida para as comunidades tradicionais da floresta.

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Os dados levantados por uma pesquisa do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, publicada em 2017, evidenciam um potencial anual de produção para a castanha-do-Brasil (também conhecido por castanha-do-Pará) da ordem de 3,7 milhões de toneladas ao ano. Em 2018, os números oficiais do governo federal, entretanto, mostram que houve uma produção de 34,2 mil toneladas de castanha. Uma diferença, entre fato e realidade, de mais de 10 mil por cento - desde lá, ainda mais por causa da pandemia, pouca coisa mudou.

O Brasil, em termos de exportação e volume de negócios no mercado internacional da castanha, está atrás da Bolívia, um país com uma economia e uma área menores do que a brasileira.

Produção de castanhas-do-Brasil no município de Itacoatiara, próximo a Manaus, no Amazonas Foto: Márcio Fernandes/AE

“Um dos principais gargalos são os atravessadores. O estado tem que se envolver mais na cadeia, mas está fechando o olho”, afirma Sandra Neves, presidente da Associação dos Agropecuários de Beruri, no interior do Pará. É uma iniciativa que existe desde 1996, mas hoje dá emprego formal a 65 pessoas na agroindústria do grupo e também compra castanhas coletadas por um total de 350 famílias, entre comunidades que vivem em reservas ambientais e terras indígenas.

Algumas comunidades estão a mais de meio dia de barco da cidade. Por isso, um dos trabalhos da associação é investir em conscientização e boas práticas de produção para que os coletores tenham consciência da importância que eles têm. Segundo Sandra, é importante que o mercado reconheça cada vez mais o papel de quem está lá na ponta da cadeia, no chão de floresta, para que as remunerações possam ser mais justas.

A castanha-da-amazônia já é um dos pilares do desenvolvimento sustentável da Amazônia, apesar das crescentes ameaças históricas e dificuldades estruturais que a cadeia de valor sofre

André Machado, assessor técnico do OCA (Observatório da Castanha)

Na maior floresta tropical do planeta, toda a cadeia de produção do fruto está estruturada na relação extrativista, feita a partir das castanheiras. Os extrativistas dependem de áreas extensas de floresta conservada, por isso a produção é chave para manter a floresta em pé, principalmente, onde estão os castanhais. A própria coleta auxilia na dispersão das sementes pela floresta, o que acaba ajudando na preservação da biodiversidade.

“Os extrativistas realizam um trabalho de vigilância e gestão territorial, percorrendo enormes áreas de ocorrência da castanha e protegendo o território contra a grilagem de terras, desmatamento e queimadas. A crescente ameaça gerada pela insegurança fundiária e ambiental na Amazônia, agravada significativamente nos últimos anos, é um empecilho para o desenvolvimento de uma economia ecológica inclusiva baseada na floresta”, afirma Machado.

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Segundo Sandra, amazonense e descendente de libaneses, não existe dúvida de que uma estruturação melhor da cadeia é essencial para que a geração de renda aumente em termos quantitativos e qualitativos. “O potencial que a castanha tem é enorme e está subaproveitado. Poderíamos atingir muito mais famílias”, afirma.

O Observatório da Castanha vem atuando em algumas frentes para tentar mudar a realidade sentida no dia a dia pelos associados do Beruri e de várias outras regiões da Amazônia. Uma delas envolve a promoção da iniciativa Diálogos Pró-Castanha, onde diversos atores da cadeia de produção da castanha que historicamente não dialogam sentem a mesma mesa para buscar soluções conjuntas. O OCA também faz um monitoramento participativo de preços na base produtiva, estrutura grupos de trabalho em qualidade dos direitos humanos, e, ainda este ano, promoverá o 1º Encontro Nacional de Castanheiros.

Castanheiros da comunidade quilombola da Vila Cachoeira Porteira que fica em uma área protegida na beira do rio Trombetas, no Pará Foto: Evelson de Freitas/Estadão 05/02/2013

Em termos dos principais gargalos para o desenvolvimento da produção, explica Machado, existem vários problemas que precisam ser enfrentados de forma intersetorial e com inteligência de gestão. “Se fosse para escolher um que deveria ser atacado primeiro, tínhamos que resolver os entraves da regulação e das políticas públicas. Antes de cobrar seriedade dos atores privados, precisamos que o próprio estado reconheça, proteja e apoie as cadeias da economia da sociobiodiversidade como elementos essenciais para uma retomada econômica brasileira com foco na sustentabilidade e nos seus serviços ambientais gerados”, afirma o assessor do OCA.

Segundo Machado, o fato de a situação ter se deteriorado muito nos últimos 5 anos, com o abandono das cadeias, não significa que uma reviravolta não possa ser planejada. “O cenário pode ser revertido com o apoio e a atenção necessários que a cadeia merece”, afirma.

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