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Casal de jovens oceanógrafos e pescadores reaproveitam redes jogadas no mar

Ideia é evitar a pesca fantasma, quando um animal fica preso à estrutura abandonada no oceano, e criar alternativa de renda para a comunidade local em Ilha Grande; faturamento em 2021 foi de cerca de R$ 75 mil

Por Eduardo Geraque
Atualização:

“Agora, além da distração, tem uma rendazinha que ajuda. A situação, com as redinhas, está melhorando”, afirma Seu Filinho, pescador de 86 anos nascido e criado em Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro. Em 2019, quando a pandemia já assustava e matava milhares de pessoas no mundo, o morador da praia de Matariz foi o primeiro a abraçar a ideia apresentada por uma casal de oceanógrafos, vindo de fora.

Os oceanógrafos Beatriz Mattiuzzo e Lucas Gonçalves, em cima de redes velhas, na fábrica desativada de sardinha em Ilha Grande (RJ) Foto: Joaquim Lima

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Na ilha para trabalhar com mergulho e turismo, Beatriz Mattiuzzo e Lucas Gonçalves, que haviam se conhecido na Universidade de São Paulo (USP), logo perceberam que a atividade ficaria um bom tempo parada por causa das restrições obrigatórias e necessárias de circulação de pessoas. Foi quando uma outra iniciativa começou a prosperar.

“Comecei a perceber que havia muita rede de pesca que acabava sendo descartada pelos pescadores e, um dia ou outro, iria parar no mar. Era um resíduo que poderia, de repente, ser usado para alguma coisa", conta Beatriz - ou Bia, como é mais conhecida. As redes jogadas como lixo no mar, em todo o mundo, afetam milhares de animais todos os dias, pela chamada pesca fantasma. Quando o animal, uma tartaruga, por exemplo, acaba preso no fundo do mar em uma rede de pesca já não mais utilizada.

O pescador Filhinho, de 86 anos, costura redes de pesca que são usadas para produção de bolsas e mochilas Foto: Joaquim Lima

“Os pescadores costumam costurar suas redes como forma de repará-las. Percebi que essa habilidade poderia ser usada de uma outra maneira”, explica a oceanógrafa, que já rodou o mundo atrás de sons de golfinhos em trabalhos voluntários e agora virou uma empreendedora de impacto social no litoral fluminense ao lado do companheiro.

“Começamos a montar uma pequena linha de produção em casa mesmo. Os pescadores passaram a usar a capacidade que eles têm de costurar redes para fazer produtos comercializados pelo site”, explica Bia, de 27 anos - Lucas tem 30. Parte da renda é revertida para os próprios comunitários envolvidos com a produção dos itens, como bolsas e mochilas feitas de rede de pesca. Tem até fruteiras suspensas e a “redeco”, um pequeno saco que pode ter muitas utilidades.

“Nosso propósito nasceu pela questão ambiental e agora também tem impacto social importante. São 500 quilos de rede que deixaram de ir para o mar e um faturamento de R$ 75 mil, que já foi distribuído diretamente para os pescadores”, afirma Bia, referindo-se aos números de 2021. Hoje, a empresa Marulho (o som que o mar faz e que os empreendedores também querem fazer ecoar pelo mundo) conta com 15 colaboradores.

A oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Bia, entrega redes usadas para seu Filinho, o primeiro "redeiro" da cidade Foto: Joaquim Lima

Ao dizer que a renda está ajudando, seu Filinho não está usa apenas uma força de expressão. A comparação com algumas décadas atrás, ainda mais para quem vai completar 87 anos no fim de 2022, é inevitável. Os pescadores e moradores mais antigos de Ilha de Grande têm na memória os bons tempos vividos entre os anos 1940 e 1980, principalmente, quando a indústria da sardinha gerava emprego e renda na região.

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A ilha, hoje conhecida pelos mergulhadores e adeptos de belas praias, chegou a ter 10 fábricas funcionando ao mesmo tempo. A prosperidade é lembrada até hoje. “No começo, aos 13 anos, comecei a pescar aqui perto. Depois você vai pegando prática e indo cada vez mais para longe”, lembra Seu Filinho, que, assim como muitos outros, se especializou em pegar os cardumes de sardinha.

O cenário deixado pela indústria do pescado em Ilha Grande ainda está presente na praia de Matariz, onde os produtos de Marulho são feitos. “A família dona de uma das fábricas abandonadas, que ainda está de pé, cedeu uma pequena área onde podemos trabalhar e mostrar nosso projeto”, afirma Bia. Apesar dos 8 mil itens já comercializados, os empreendedores não têm dúvidas de que ainda existe muito espaço para crescer.

O que era para ser um trabalho temporário em Ilha Grande – os planos de Bia eram de ficar mais ou menos um ano na região – tem tudo para virar definitivo. Tanto que a oceanógrafa formada na USP, agora, está fazendo um mestrado na Universidade Federal Rural do Rio para mensurar os impactos sociais, ambientais e econômicos que o trabalho que vem sendo feito com os pescadores está gerando. “Os indicadores obtidos até aqui mostram resultados positivos”, explica.

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