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Brasil defende etanol em conferência do clima na Alemanha

País retoma pauta do combustível limpo como solução barata para reduzir emissões do setor de transporte

Por Giovana Girardi
Atualização:

BONN - Paralelamente às negociações climáticas que ocorrem na Conferência do Clima, em Bonn (Alemanha), o Brasil retoma a “diplomacia do etanol” como uma de suas principais bandeiras no combate ao aquecimento global. Na cúpula, que vai até a próxima sexta, dia 17, o País aproveitou o seu evento oficial para fazer a promoção da Plataforma Biofuturo.

Proposta. Governo planeja lançar programa para retomar crescimento de biocombustíveis Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

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Lançada em 2016, na conferência de Marrakesh, com o apoio de outros 19 países, trata-se de uma parceria para incentivar os biocombustíveis avançados e ajudar a reduzir a emissão de gases de efeito estufa do setor de transporte. Em Bonn, o plano é juntar novamente todos os membros para revisar o que avançou no último ano.

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Há ainda a expectativa de que o Brasil apresente como seu principal resultado para esse esforço o programa Renovabio, que está sendo costurado pelo Ministério de Minas e Energia para fomentar novos investimentos e promover a retomada do crescimento dos biocombustíveis. Havia uma expectativa de que ele seria levado ao Congresso na semana que passou, mas a proposta está parada.

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O governo brasileiro defende o etanol como uma solução já disponível, fácil e barata para promover em larga escala a redução imediata das emissões do setor de transporte. Mas essa ideia enfrenta dois desafios. Um deles é interno - a previsão de investimentos do País para 2050 no último Plano Nacional de Energia é de 74% em fósseis, uma queda em relação aos 81% de hoje, mas ainda alto.  Ao mesmo tempo, se discute no Congresso a prorrogação do Repetro, regime especial de tributação que dá subsídios para a indústria do petróleo e gás. Em meados de outubro, a medida provisória 795 foi aprovada em comissão especial do Congresso criada para analisar o texto e agora vai passar pelos plenários das duas casas. O embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, foi questionado a respeito nesta sexta-feira, 10, na COP, na primeira coletiva de imprensa concedida pelo País no evento, logo após ele ter dito que o Brasil continua engajado em promover o uso de biocombustíveis e da bioeconomia. Marcondes respondeu apenas que a MP em questão ainda está sendo discutida e que o Itamaraty está “monitorando com muito cuidado”.O outro desafio é externo - eletrificação de carros, em especial na Europa, onde muitos países já têm data para o fim dos carros movidos a combustível. Só em 2016, segundo a Agência Internacional de Energia, foram vendidos no mundo 750 mil veículos elétricos. França e do Reino Unido, por exemplo, anunciaram planos de, até 2040, banirem a venda de carros novos a diesel e gasolina. A Noruega propôs uma meta de substituição dos carros a gasolina até 2025. China e Índia estudam adotar esse caminho.  E as montadoras já vêm se antecipando às mudanças de legislação. É o caso da Smart, que disse que pretende produzir apenas carros elétricos a partir de 2020. A Renault-Nissan informou que planeja, até 2022, vender 12 novos modelos 100% elétricos. E Volks fará investimentos de € 20 bilhões para que todos os modelos do grupo já venham com opções a energia limpa.Projeção Nesse cenário, o País pode se isolar com o etanol? Não está insistindo em um negócio que só vai fazer sentido aqui? A expectativa brasileira é que, mesmo que a eletrificação dos carros seja rápida, não será imediata nem onipresente. Haverá um período de transição de pelo menos 15 anos, em que o etanol já pode ajudar na redução de emissões.

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“Não é uma questão de sermos contra os carros elétricos, mas em matéria de mudança do clima temos de usar todas as alternativas”, diz o embaixador José Antonio Marcondes, negociador-chefe da delegação brasileira em Bonn. Ele lembra que apesar de um carro elétrico não emitir gases de efeito estufa, é preciso analisar de onde vem a fonte de energia. Se de fontes limpas, como eólica, solar e hidrelétrica, o ganho para o clima é real. Mas se vem de fonte térmica a carvão ou a gás, a poluição continua sendo gerada.

“O carro elétrico virá, em várias versões. Mas acredito que até 2030 estamos falando mais de híbridos que de elétricos 100%, e os híbridos podem se beneficiar de motor a etanol ou flex. Aí sim ele será um carro verde. Fora isso, pode ser carro da cor do carvão (por causa da fonte da energia elétrica). De fato ele está se desenvolvendo rápido, mas temos de contar com todas as soluções possível para o desafio colocado pelo Acordo de Paris para 2030 e além”, complementa Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).

A proposta brasileira tem respaldo da Agência Internacional de Energia (IEA) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo essas organizações, a transição para uma economia de baixo carbono e o cumprimento do Acordo de Paris, que prevê limitar o aquecimento global bem abaixo dos 2°C, não vai ocorrer sem a ajuda da bioenergia. “Precisamos de todas as tecnologias de baixo carbono que conhecemos. A contribuição da bioenergia é muito importante porque nós estimamos que quase 20% da redução das emissões vão vir dela”, diz Paolo Frankl, líder da Divisão de Energias Renováveis da IEA. 

Para Frankl e outros especialistas ouvidos pelo Estado, o futuro do etanol, porém, não está no transporte individual, mas em ônibus, caminhões e, quem sabe, na aviação e na marinha - para as quais a tecnologia ainda está em fase de experimentação. E também no uso para a produção de bioquímicos (em substituição ao petróleo).

“Claro que há o carro elétrico, mas isso é para cidades. Mas quando pensamos em caminhões, navios, aviões, há realmente pouco a fazer. Por isso não deve haver dicotomia entre biocombustíveis e carros elétricos. Preferimos dizer que se complementam”, diz Frankl.

Pesquisa

A pesquisa, ao menos no Brasil, por enquanto, ainda não vai nessa linha. O que os estudos têm mostrado é que há capacidade para mais que triplicar a produção de litros de etanol por hectare e, com isso, promover uma queda nas emissões do setor de transporte.

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O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, vai apresentar uma análise nesta terça-feira, na COP em Bonn, que calcula que com o etanol de segunda geração (que usa a celulose para produzir o combustível em vez de somente o açúcar) e com o advento da chamada cana-energia (que tem mais fibras e, portanto, mais celulose), é possível chegar a 2030 com uma produção de 25 mil litros por hectare de cana plantada – contra 7 mil de hoje.

O desafio, explica Marcelo Poppe, líder do estudo, é justamente criar as condições para esse escalonamento. Hoje somente duas usinas no Brasil produzem etanol de segunda geração. "Tem de converter não só as instalações para fazer a hidrólise (quebra) da celulose, mas criar outras etapas antes. A colheita tem de ser mais ampla, trazer também a palha e a folha para indústria. Serão necessárias novas máquinas para trazer isso. Hoje se usa o bagaço para gerar energia. O produtor vai ter de escolher se opta por produzir mais etanol e menos energia elétrica”, explica.

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O trabalho estima ainda que, considerando um consumo global projetado de gasolina de 1,7 trilhão de litros em 2025, o bioetanol à base de cana-energia poderia substituir 10% da gasolina total consumida no mundo usando menos de 10 milhões de hectares de terra. A ideia aqui, afirma Poppe, não é que o Brasil supra isso tudo sozinho, mas que outros países invistam na produção desse etanol para gerar mercado.

"Tem de haver uma convergência para esse novo cenário. Por isso que o Brasil lançou a Plataforma Biofuturo e conseguiu adesão de 19 países, como Estados Unidos, Canadá, países nórdicos, Índia, China. A ideia é que eles participem dessa transição, também plantem as suas variedades de cana ou cana-energia ou usem o que for mais produtivo, como resíduos vegetais, florestais”, diz.

Um outro trabalho, de pesquisadores da Unicamp, da USP e da Esalq, com colaboração de americanos, dinamarqueses e ingleses, estimou que essa troca até poderia ser toda provida pelo Brasil. Pelos cálculos, considerando as áreas de pastagem degradada no Brasil, e excluindo todas as áreas com vegetação nativa e de preservação permanente (APP) e de produção alimentar, a expansão do cultivo da cana no Brasil tem o potencial de substituir até 13,7% do petróleo consumido no mundo. Segundo o estudo, isso reduziria as emissões globais de gás carbônico em até 5,6% em 2045. O trabalho foi publicado no final de outubro na revista Nature Climate Change.

Um dos autores do trabalho, o pesquisador Marcos Buckeridge, da USP, lembra que isso tudo só vai ocorrer, porém, se os investimentos em pesquisa continuarem. Parte do incentivo para o setor poderá vir do Renovabio, mas sem ciência, esse salto não será dado. “Estamos desenvolvendo cana transgênica e pensando na possibilidade de fazer combustível direto da biomassa, quebrando-a com compostos químicos para ter compostos de carbono e desenvolver similares a gasolina e ao diesel. Seria toda uma nova geração, mas tem de estar conectado com políticas públicas de incentivo”, defende.

* A repórter viaja como bolsista do fellowship Climate Change Media Partnership

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