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Brasil chega à COP como pária ambiental, afirma climatologista Carlos Nobre

Pressionado a reduzir emissão de gases do efeito estufa, Brasil vai à Conferência do Clima com imagem internacional negativa. COP é a mais importante desde 2015, afirma cientista

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

O climatologista Carlos Nobre, uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia no futuro, avaliou a 26.ª edição da Conferência do Clima como a mais importante desde a de 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado. No centro desta edição, a Amazônia aparece como um dos principais desafios do mundo para enfrentar a questão climática, e o Brasil, avalia o climatologista, chega como um pária ambiental por causa do fracasso no combate ao desmatamento. “O país está sem nenhuma credibilidade internacional com relação aos compromissos climáticos”, disse em entrevista ao Estadão.

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Com o crescimento da emissão de gases do efeito estufa em 2020, na contramão do mundo, o País chega pressionado pela comunidade internacional a assumir o compromisso de reduzir o desmatamento na Amazônia, principal fonte de gases no território nacional. O momento é crucial, na avaliação de Carlos Nobre: se este compromisso não for feito agora, dificilmente o mundo vai reduzir a emissão de gases de efeito estufa pela metade até 2030, o que pode elevar a temperatura do planeta acima de 1,5º C.

Nesta entrevista, Nobre avaliou o histórico do Brasil em relação às políticas climáticas e a descredibilidade atual que o país tem perante os outros países. Para o pesquisador, o país chega a Conferência do Clima com uma imagem internacional negativa e precisa assumir compromissos caso queira cobrar dos países desenvolvidos verbas para manter a floresta de pé.

O climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Foto: PEDRO IVO PRATES/ESTADAO

Após apresentar um crescimento na emissão de gases estufas em 2020, com que imagem o Brasil chega na 26ª edição da Conferência do Clima (COP-26)?

O Brasil chega à Conferência do Clima como um pária ambiental. O país está sem nenhuma credibilidade internacional com relação aos compromissos climáticos. A notícia do aumento dos gases de efeito estufa em 2020, na contramão do que aconteceu nos principais países do mundo, piora ainda mais essa situação. O que leva a esse aumento é a continuidade do aumento do desmatamento da Amazônia, o aumento dos incêndios na floresta e no Cerrado, o afrouxamento da fiscalização e da legislação ambiental e nenhuma regulação ou medida para reduzir a emissão de gases estufas por parte da produção agrícola, que no ano passado foi enorme devido à pandemia. Então, o que o país mostrou é que não se compromete com o combate ao desmatamento. No ano passado, 12 mil km² de áreas foram desmatadas, mais do que os 11 mil km² de 2019. Já chegamos a ter 4 mil km² de desmatamento anual em 2012 e nos comprometemos a baixar para além disso, mas retrocedemos e estamos com uma imagem muito ruim.

O quanto o país deve ser pressionado pela comunidade internacional a se comprometer com metas que reduzam o desmatamento e, consequentemente, a emissão de gases do efeito estufa?

Eu diria que a pressão internacional em cima do país é enorme no primeiro momento, por todas as questões que elenquei anteriormente. Se a pressão vai continuar ou não, vai depender de como o país se mostra ao longo da Conferência. Não ir nem o presidente e nem o vice-presidente, que preside a Amazônia Legal, já é um mau sinal para o mundo. Mostra que o país está em cima do muro com relação ao compromisso de assumir políticas que reduzam a emissão de gases estufas. Essa é a COP mais relevante desde 2015 (que originou o Acordo de Paris) e o Brasil chegar dessa forma, sem o presidente e o vice-presidente, deixa o país muito desacreditado.

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A atenção que o país recebe nesta COP é maior do que em 2015?

A atenção sobre o Brasil nessa COP é maior do que era em 2015. Naquele ano, o país chegou com metas bem definidas. Algumas poderiam ser ambiciosas, mas eram metas que fizeram do Brasil o país em desenvolvimento que mais se comprometeu com a questão climática. Naquele ano, o Brasil vinha de uma redução de desmatamento na Amazônia de uma área de 27 mil km² por ano em 2004 para uma área de 4 mil km² por ano em 2012. Então, o país vinha bem, mostrava compromisso. Agora, o país chega com esse descrédito na política ambiental e marcado por uma política que contou com declarações terríveis de Ricardo Salles quando ele estava como ministro, declarações que foram para o mundo.

Com o quadro de piora e uma política ambiental que regride já há alguns anos, a atuação de outros países para com o Brasil tem sido de pressão para além da retórica? Ou há uma passividade?

Os países estão pressionando o Brasil com a questão das políticas ambientais. O governo brasileiro age de um modo que exige recursos internacionais para combater o desmatamento, mas não apresenta metas concretas para essa redução. O vice-presidente age como se tivesse sequestrado alguém e que, portanto, precisam pagar por esse resgate de alguém. Não é assim. Então, precisamos ver como vai se portar o país na COP. O novo ministro do Meio Ambiente (Joaquim Leite) não é conhecido pelo mundo e já disse que não vai ser empecilho nos acordos, mas isso é algo que precisamos ver como os outros países vão enxergar.

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Caso o país continue sem se comprometer com essa redução, quais podem ser as consequências para o mundo e para a humanidade?

Se o Brasil não colocar metas bem definidas este ano de reduzir o desmatamento na Amazônia - e quando digo desmatamento, falo de qualquer tipo de desmatamento, não só o ‘ilegal’ -, vamos perder de 60% a 70% da floresta nos próximos 50 anos. No sul da Amazônia já há áreas com um processo de savanização muito grande. Isso é extremamente preocupante. O desafio do mundo nos próximos oito anos é reduzir em 50% a emissão de gases estufas para evitar que a temperatura do planeta cresça 1,5º C. É o maior desafio da humanidade, e o Brasil tem um papel crucial nisso que é se comprometer com a Amazônia.

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