Amazônia registra 2º ano com maior desmatamento desde 2015

Enfraquecimento de regulamentações e fiscalizações ambientais levaram a taxas mais altas de devastação ambiental; houve queda de 5,79% em relação ao ano passado, que bateu recorde

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Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

O desmatamento acumulado entre agosto de 2020 e julho deste ano na Amazônia foi o segundo maior do governo Jair Bolsonaro e o terceiro maior da série histórica, iniciada em 2015, segundo os mais recentes dados do Deter, sistema de alerta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência. Com esses dados divulgados nesta sexta-feira,  6, é possível ver o consolidado dos últimos 12 meses, equivalente ao período usado pelo sistema Prodes, responsável pelo balanço anual e pelos dados oficiais do governo.

A área de 8.712 km2 registrada em alertas de desmate do Deter coloca o período 2020/2021 atrás apenas dos 9.216 km2 desmatados entre agosto de 2019 e julho do ano passado, conforme os números dos últimos seis anos. Houve queda de 5,79% em relação ao ano anterior, que registrou recorde. No Brasil e no exterior, a gestão Bolsonaro tem sido alvo de críticas por causa da alta do desmatamento e do número de incêndios. 

Desmatamento na Floresta Nacional de Jamanxim, perto deNovo Progresso, no Pará Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 11/9/2019

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O mês de julho fechou com 1.417 km2 de desmatamento na Amazônia. Pará e Amazonas ocupam o primeiro e o segundo lugar no ranking dos maiores desmatadores do mês, com 498 km2 e 402 km2, respectivamente. Como o Estadão mostrou, há entraves na fiscalização ambiental da Amazônia na gestão Jair Bolsonaro. Em 2019 e 2020, a média de processos com multas pagas por crimes que envolvem a vegetação nos Estados da Amazônia Legal despencou 93% na comparação com a média dos quatro anos anteriores. 

"Os números falam por si: em três anos de governo Bolsonaro, temos três recordes de desmatamento na Amazônia desde 2008. Todos os brasileiros já estão sentindo as consequências dessa política da destruição: o aumento da conta da luz, o risco de falta de água e as dificuldades do homem do campo com suas lavouras têm relação com uma Amazônia cada vez mais perto do seu limite", alerta Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.

O governo federal foi procurado para comentar os números. A vice-presidência informou que há “dados divergentes” e destacou a queda “de 5% na área de alerta mensal de desmatamento, se compararmos os períodos de 1.º de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020 e 1.º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021”. “Com relação a desmatamento, cuja série histórica iniciou em 1988, o levantamento oficial é realizado pelo Inpe, só que por meio do Projeto Prodes. No último ano de referência do Prodes, que se estendeu de 1.º de agosto de 2020 a 31 de julho de 2021, houve um total de 11.088 km² de área de desmatamento, correspondente a 20,02% abaixo da média histórica de 13.862,85 km²."

Cerrado

No caso do Cerrado, onde vivem 5% dos animais e plantas do planeta, os dados de alertas Deter indicam 661 km2 de desmatamento em julho, totalizando 5.102 km2 entre agosto de2020 o último mês - um crescimento de quase 24% em relação ao ano anterior (2019-2020). Maranhão, Bahia e Tocantins lideram o ranking dos Estados com maior área desmatada no último ano.

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Assim como o desmatamento da Amazônia, a destruição do Cerrado tem sérias consequências para o Brasil: o bioma desempenha papel essencial no apoio ao ciclo da água no Brasil, já que é fonte de oito das 12 bacias hidrográficas do país. O desmatamento contínuo reduz as chuvas e aumenta as temperaturas locais, colocando também em risco a vegetação remanescente e a produção de alimentos.

Às vésperas do sexto relatório científico do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), os dados de desmatamento da Amazônia e do Cerrado colocam o Brasil na contramão do que é preciso fazer para combater a emergência climática, já que essa destruição ambiental é também a principal fonte das emissões de gases de efeito estufa. O Brasil é o sexto maior emissor do planeta.

"Enquanto o desmatamento aumenta, PIB, renda per capita, nível educacional, saúde infantil e expectativa de vida no Brasil recuam. O que também cresceu nos últimos anos foi o desemprego e a desigualdade social. Estamos perdendo os dois maiores biomas do Brasil sem que isso gere crescimento, qualidade de vida ou renda para o País", ressalta Voivodic.

O Brasil já figurava como um dos campeões de desmatamento e de fragmentação de florestas e outros ecossistemas entre 2000 e 2018, segundo relatório do WWF-Internacional lançado no começo deste ano. O motivo para esta liderança era justamente o fato de termos duas frentes simultâneas de destruição - Amazônia e Cerrado. O estudo mostrou que, a exemplo do que acontece no Brasil, em todo o mundo, a agricultura comercial, especialmente em larga escala, é a principal causa do desmatamento de áreas para pecuária e o cultivo de commodities.

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No entanto, esse desmatamento é desnecessário, considerando que o Brasil possui cerca de 1,6 milhões de km² de pastagens degradadas, segundo o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás. Essa área poderia e deveria ser usada pela agropecuária, reduzindo a necessidade de abrir matas nativas. A mineração e a expansão da infraestrutura, tais como redes de estradas de ferro e rodovias, que conectam as zonas de produção aos mercados domésticos e de exportação, são outros dois importantes vetores.

Além disso, houve aumento importante de atividades ilegais nos últimos anos, como grilagem, garimpo, extração de madeira e invasão em terras públicas. Após um ano e meio de pandemia e quase 600 mil mortos, os dados do desmatamento preocupam também pelo ponto de vista da saúde pública: diversos estudos têm mostrado a forte relação entre desmatamento e doenças zoonóticas, mostrando que o surgimento de novas doenças é elevado em regiões tropicais, biodiversas e historicamente cobertas por florestas e savanas que estão passando por mudanças no uso da terra.

Meio ambiente teve troca turbulenta de ministro

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Um mês antes, e após dois anos e meio no cargo, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deixou o comando da pasta. Ele não resistiu ao desgaste provocado pelas suspeitas de envolvimento num esquema ilegal de retirada e venda de madeira e se tornou alvo de inquérito, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em seu lugar assumiu o então secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, Joaquim Álvaro Pereira Leite.

Leite, foi indicado para o cargo pelo próprio Ricardo Salles. Seu perfil motivou críticas dos ambientalistas. Ex-secretário da Amazônia e de Serviços Ambientais no Ministério, Leite é ligado aos ruralistas. Por 23 anos, foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade que apoiou Salles para o cargo, mas que ficou rachada diante da atuação do ministro. 

A saída de Salles representou a queda de um dos raros remanescentes dos chamados ministros ideológicos. Já tinham sido trocados por Bolsonaro nomes como Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), entre outros. A proximidade de Salles com o presidente vinha garantindo sua permanência. Mas, diante do avanço das investigações, essa blindagem política ruiu.

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