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Opinião|Amazônia: mulher poderosa

O crescimento das árvores varia ao longo do ano. Nos climas temperados essa flutuação é entendida, mas a flutuação observada na Floresta Amazônica era um mistério. 

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Atualização:

Nos climas temperados, quando chega o outono a temperatura diminui, os dias ficam mais curtos e as árvores perdem as folhas. A chuva é substituída pela neve. Baixa temperatura, pouca luz e falta de água fazem com que a fotossíntese seja interrompida. É o clima controlando o comportamento da floresta.

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Na Floresta Amazônica as variações climáticas são mais sutis. A temperatura permanece alta o ano inteiro, o clima é sempre úmido e as árvores estão sempre verdes. Mas existe um período mais seco, entre junho e novembro, em que a temperatura é mais baixa, a chuva diminui e os dias ficam um pouco mais curtos. Inicialmente se acreditava que essas mudanças sutis não deveriam afetar o crescimento da floresta. Se imaginava que ela crescia o ano todo ou reduzia um pouco seu crescimento durante a seca. Algumas décadas atrás, surgiram as primeiras evidências que na Amazônia acontecia o contrário, era exatamente durante a seca que a floresta crescia mais rápido. Seria possível que nossa floresta desobedecesse ao clima?

Os cientistas usaram dados coletados em quatro torres, mais altas que o topo das árvores, para descobrir o que acontece. Nelas você pode medir vários parâmetros a diferentes alturas. É possível medir a quantidade de luz, a umidade e a quantidade de gás carbônico ao rés do chão, no meio da copa das árvores ou mesmo acima da copa. Foi usando os dados coletados nas torres em Santarém, Belém, Manaus e na Reserva de Jaru, em Rondônia, que os cientistas conseguiram entender o que estava acontecendo.

Eles mediram a quantidade de chuva, de luz disponível para fotossíntese e a massa de carbono fixado pela floresta por dia (o ritmo de crescimento). Estas medidas demonstraram que, ao longo do ano, quando a quantidade de chuva diminui em junho e julho, a floresta diminui um pouco seu ritmo de crescimento, apesar da quantidade de luz disponível aumentar muito (menos dias nublados compensam a pequena diminuição na duração do dia). Mas, logo em seguida, no auge da seca, a velocidade de crescimento aumenta, muito antes de começar a chover e exatamente quando a quantidade de luz diminui. Esse resultado confirma a suspeita dos cientistas. A Floresta Amazônica não segue a lógica climática das florestas de regiões frias, ela parece ter outro relacionamento com o clima. 

Não satisfeitos, os cientistas resolveram estudar a razão desse aumento durante a seca. Analisando fotos obtidas com câmaras instaladas nessas torres, e coletando as folhas no solo, os cientistas descobriram o que acontece. É exatamente no momento em que começa a seca que a grande maioria das árvores da Floresta Amazônica “resolve” trocar suas folhas. Mas, ao contrário das árvores de clima frio, elas não derrubam as folhas, ficam peladas, e depois produzem as novas. As novas brotam enquanto as velhas são derrubadas e é o aparecimento dessas novas folhas, ainda na seca, que faz com que a floresta, com suas novas máquinas de fotossíntese trabalhando a todo vapor, acelerem seu crescimento.

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Essa descoberta demonstra que a Floresta Amazônica não se curva às mudanças anuais no clima, mas usa o início da seca para se renovar, e cresce mais rápido quando as condições são aparentemente mais adversas.

Como esse crescimento mais rápido ocorre quando a atmosfera está mais seca e é nesse período que a floresta produz mais vapor de água e transporta água do solo para a atmosfera, em vez de se submeter à seca, podemos imaginar que a Floresta Amazônica se contrapõe às mudanças climáticas, umedecendo a atmosfera. Ou seja, ao contrário das florestas frias que se comportam como uma dama submissa aos desejos do clima, nossa Amazônia é uma mulher confiante e poderosa, que modifica o clima em vez de se submeter. Mais uma razão para ser admirada e preservada.

MAIS INFORMAÇÕES: LEAF DEVELOPMENT AND DEMOGRAPHY EXPLAIN PHOTOSYNTHETIC SEASONALITY IN AMAZON EVERGREEN FORESTS. SCIENCE VOL. 351 PAG. 972 2016

FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

Opinião por Fernando Reinach
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