Alertas do Inpe indicam alta de 40% em desmate na Amazônia; governo contesta

Consolidado de 12 meses é feito com base em dados do Deter; tendência foi confirmada pelo balanço oficial nos outros anos. Ministro Ricardo Salles diz que números são interpretados de forma ‘equivocada’

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Por Giovana Girardi
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SÃO PAULO - Depois de passar quase duas semanas dizendo que os dados de desmatamento da Amazônia são mentirosos, o governo Jair Bolsonaro reconheceu nesta quarta-feira, 31, que a taxa está em alta, mas afirmou que os números que vieram à tona nos últimos dias foram uma interpretação equivocada. O presidente anunciou no sábado que haveria uma “surpresa” nos números e nesta quarta chegou a dizer que apresentaria o “dado real”. Mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encerrou o dia sem trazer os tais dados e dizendo apenas que os “porcentuais interpretativos cairão.”

O período em que a taxa anual do desmatamento é medida se encerrou nesta quarta (de 1.º de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte), e dados de alertas disponíveis no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que a perda da vegetação este ano pode ter sido bem maior que no ano anterior. O agregado de alertas feitos pelo Deter – o sistema de detecção em tempo real – aponta alta de 40% ante o mesmo período do ano anterior. Os satélites observaram uma perda até esta quarta-feira de 5.879 km² da floresta, ante 4.197 km² entre 2017 e 2018, considerando somente o desmatamento com solo exposto.

A alta de desmate indicada pelos alertas do Inpe tem sido observada por outros sistemas de monitoramento Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Os valores começaram a subir mais do que nos últimos anos a partir de maio. Julho, segundo o Deter, trouxe a maior perda em um mês desde 2015. Até esta quarta, o desmatamento observado foi de 1864,2 km² – um valor 212% mais alto que julho de 2017. É mais do que a área da cidade de São Paulo, que tem cerca de 1.500 km². Considerando essa medida, o agregado do ano é de 6.443 km², contra 4.572 km² no ano anterior.

Os números acendem um sinal vermelho. O Deter fornece dados diariamente ao Ibama e às secretarias estaduais de Meio Ambiente para orientá-las na fiscalização. O sistema observa situações como desmatamento com solo exposto, desmatamento com vegetação, limpeza para mineração, degradação. Considerando os três primeiros pontos, que realmente indicam a perda da floresta, o chamado corte raso, chega-se a esses números de julho.

Mais rápido, porém com resolução menor, o Deter funciona como indicador do que um outro sistema, o Prodes, deve mostrar até o fim do ano. Este sim é o monitoramento que fornece a taxa anual oficial da perda da vegetação na Amazônia. Nas últimas semanas, a gestão Bolsonaro, repercutindo análises de junho, começou a criticar o Inpe e chegou a dizer que os dados são mentirosos, que o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estaria “a serviço de alguma ONG” e que a divulgação dos números prejudica o País.

“Dado real”. Nesta quarta-feira, 31, o presidente falou duas vezes sobre o assunto. No fim da manhã, disse que à tarde seria divulgado o “dado real” do desmate. “Foi uma variação muito abrupta. Alguma coisa aconteceu. E a desconfiança nossa é por aí, que existem dados lá que são alertas de desmatamento. Alerta não é desmatamento”, disse.

Algumas horas depois, afirmou que não seria divulgado nada e que, após o Inpe dizer que há “suspeita” de desmatamento, alguém do Ibama deveria “ir lá e comprovar”. O presidente ainda disse que os números não podem ser jogados. “Vão ser compilados agora. Vai ser discutido com todo mundo para passar exatos para todo mundo.”

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Um pouco depois, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se manifestou. Ele havia acabado de sair de uma reunião com o ministro da Ciência, Marcos Pontes, técnicos do Inpe e um diretor do Ibama, onde ouviu explicações de como os sistemas de monitoramento funciona. 

“O desmatamento vem aumentando desde 2012. Tem aumento de desmatamento, precisamos ver agora como coibir”, admitiu Salles. Mas disse que a elevação de 88% observada nos alertas em junho tinha sido interpretação de “jornalistas, técnicos e ditos especialistas” para produzir “impacto midiático”. Também alegou que há, entre os dados, alertas duplicados ou desmates de mais de um ano que só foram vistos agora. Segundo ele, a elevação de 88% foi “reconhecida por todos (na reunião) que não reflete a realidade”.

"Hoje verificamos na reunião que foi feita entre o Inpe e o Ibama de que há áreas que estão sendo creditadas como agora e que não são de agora, são do ano passado. Portanto se você puder deduzir essas áreas, certamente esses porcentuais interpretativos cairão", afirmou Salles.

Diretor do Inpe diz não ter dúvida sobre alta no desmate

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Ao Estado, o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, afirmou que todos os dados apresentados por Salles foram contra-argumentados pelos técnicos. Ele reconheceu que às vezes um alerta pode não se confirmar depois como um real desmatamento, mas que, em geral, os sinais demonstrados pelo Deter são confirmados depois pelo Prodes. Se um aponta alta, o outro provavelmente confirmará a mesma alta depois.

O Deter, frisou, assim como fizeram os técnicos na reunião, não traz a taxa oficial de desmatamento. Ele é usado para orientar a fiscalização – a ideia é que os órgãos possam ir a campo para conseguir deter uma devastação em curso –, mas permite entender a tendência do que está ocorrendo no campo. 

“Não significa que os 40% de alta vistos pelos alertas vão depois significar uma alta de 40% no Prodes. Os sistemas são diferentes. É como se um olhasse com uma câmera mais aberta e o outro focasse mais. Mas há correlação em torno de 82%. Vai ter alta neste ano com o Prodes, não tenho a menor dúvida”, diz ele, que está no Inpe desde 1970 e cumpre mandato à frente do órgão até 2020.

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Em geral, o Deter mostra um valor menor do que de fato o Prodes vai constatar. Entre agosto de 2017 e julho do ano passado, por exemplo, o Prodes mediu 7.536 km² de desmatamento – o Deter tinha visto um corte raso de 4.572 km². Nunca ocorreu de o Deter mostrar algo maior do que o Prodes constatou de fato depois. 

Ocorre que justamente por ser mais ágil, o sistema têm algumas limitações. A resolução de suas imagens é de 64 metros, ante 30 metros do Prodes. E o satélite leva 5 dias para fazer imagens de um mesmo local, ante 16 dias no caso do Prodes. 

Se por acaso uma dada região estiver com muitas nuvens ao longo desses cinco dias, o Deter pode não ver algo naquele local em um determinado mês. E ver no mês seguinte. Por isso a comparação mês a mês costuma não ser recomendada.

O valor em si da vegetação perdida, porém, é altamente confiável – tem uma taxa de acerto de mais de 90%. Os dados do Inpe também são transparentes e podem ser checados por quem quiser ver. São publicados em revistas científicas e usadas por pesquisadores do mundo inteiro. 

Outros sistemas de monitoramento também apontam alta de desmate

A alta de desmate indicada pelos alertas do Inpe tem sido observada por outros sistemas de monitoramento da Amazônia desde 2018. É o caso do Global Land Analysis & Discover, da Universidade de Maryland (EUA); do sistema da ONG Imazon; e do MapBiomas, iniciativa de universidades e ONGs que trabalha com os três dados anteriores e também com os de um monitoramento feito pelo Ministério da Defesa.

De acordo com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, a taxa de desmatamento não só está crescendo, como esse aumento está acelerando a partir de maio. E os cortes estão ocorrendo de modo mais ousado.

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Como os dados do Deter são abertos para consulta por outras fontes, o MapBiomas faz um trabalho de validá-los. Ou seja, faz uma checagem das informações com imagens de satélite de mais alta resolução. Ele fez isso, por exemplo, com a área que o Deter apontou como o maior desmatamento dos últimos meses. Um polígono de 32 km² em Altamira.

“Analisamos as imagens, cruzamos com dados do Cadastro Ambiental Rural e vimos que se trata de corte ilegal, ocorrido ao longo de 70 dias. Não havia autorização para ele ser feito. Uma área quase do tamanho da Floresta da Tijuca (no Rio)”./ COLABORARAM CAMILA TURTELLI, MARIANA HAUBERT, JULIA LINDNER e TULIO KRUSE

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