Agropecuária e desmatamento respondem por 23% das emissões de gases-estufa no mundo

Novo relatório do IPCC, que destaca as relações entre uso do solo e mudanças climáticas, aponta que combater a perda das florestas, reflorestar e produzir alimentos de forma mais sustentável são fundamentais para conter o aquecimento global

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Foto do author Roberta Jansen
Por Giovana Girardi e Roberta Jansen
Atualização:
Agricultura, desmatamento e outros usos do solo responderam por 13% das emissões de CO2, 44% de metano e 82% de óxido nitroso das atividades humanas em todo o mundo entre 2007 e 2016, representando 23% do total de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com o novo relatório do IPCC Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Desmatamento e agropecuária respondem por mais de 20% das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. A perda da vegetação, por sua vez, faz o planeta absorver cada vez menos o CO2 em excesso que está na atmosfera, minando ainda mais sua capacidade de combater as mudanças climáticas em curso. Atacar esses problemas, portanto, é fundamental para conter o aquecimento global.

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Essa é uma das principais conclusões do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado na manhã desta quinta-feira, 8, em Genebra – o primeiro focado no uso da terra. Documentos anteriores do IPCC davam mais destaque para o papel da queima de combusíveis fósseis justamente por ser essa a principal fonte de gases de efeito estufa.

O novo trabalho traz um recorte sobre o uso da terra e mostra que se esse problema não for enfrentado juntamente com a redução das emissões no setor de energia, será impossível resolver a crise climática.

A divulgação do documento deve aumentar a pressão internacional sobre países como o Brasil, em que a produção agrícola tem um papel econômico crucial e o desmatamento está em alta, ao mesmo tempo em que o governo tem questionado os dados que apontam essa elevação.

Apesar de optar por fazer uma análise mais geral sobre a situação do planeta, sem dar destaque para os países de modo individual, o painel acabou dando uma cutucada na forma como o governo brasileiro vem lidando com a Amazônia. Na coletiva de divulgação do relatório, o cientista alemão Hans-Otto Portner, co-chair do grupo de trabalho 2 do IPCC, afirmou que as mudanças que estão sendo feitas no Brasil no que se refere à gestão da Amazônia “contradizem todas as mensagens apresentadas no relatório”.

“(O uso) da terra exerce um importante papel no sistema climático”, disse um dos autores do relatório, Jim Skea, co-presidente de um dos grupos de trabalho do IPCC, em comunicado enviado à imprensa. “A agricultura, o desmatamento e outros tipos de uso da terra respondem por 23% das emissões de gases estufa (ocorridas no planeta entre 2007 e 2016) . Ao mesmo tempo, processos naturais da terra (como a fotossíntese) contribuem para a absorção de praticamente 30% das emissões de CO2 resultantes da queima de combustível fóssil e da indústria.”

O aumento da temperatura na superfície terrestre é maior do que no planeta como um todo. Enquanto o planeta aqueceu cerca de 0,87°C entre 1850 e 2015, as áreas terrestres aqueceram, em média, 1,53°C, já ultrapassando a meta do Acordo de Paris Foto: REUTERS/David Gray/Files

Metade dessas emissões é de responsabilidade de desmatamento. Considerando somente o gás metano, a agricultura é responsável por metade das emissões. O setor é responsável ainda por 3/4 das emissões globais de óxido nitroso por causa do uso de fertilizantes. A expectativa dos pesquisadores é que, de um modo geral, as emissões de gases de efeito estufa da produção agrícola devem crescer em razão do aumento da população e da renda e de mudanças nos padrões de consumo.

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A exploração atual de recursos naturais não tem precedentes na história da humanidade. Atividades humanas afetam mais de 70% de toda a superfície terrestre que não é coberta de gelo. E cerca de 1/4 está sujeita à degradação induzida pela humanidade.

“Para conter o aquecimento do planeta a menos de 2°C (meta do Acordo de Paris), as emissões por queima de combustíveis fósseis têm de cair; só cuidar do uso da terra não vai solucionar o problema”, explica o meteorologista Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, autor do capítulo sobre degradação do uso da terra do relatório. “Mas atacar essa questão pode ajudar muito no esforço geral.”

O relatório estima que de um quarto a um terço do potencial terrestre é usado para a produção de alimentos, fibras e energia. A degradação da terra, por sua vez, a torna menos produtiva e reduz sua capacidade de absorver carbono. Atualmente, segundo o relatório, 500 milhões de pessoas já vivem em áreas que experimentaram um processo de desertificação entre 1980 e os anos 2000. Para manter a segurança alimentar do planeta, sobretudo diante do aumento da população, a produção de alimentos terá que ser cada vez mais eficiente.

O novo relatório do IPCC discute também as opções de adaptação e mitigação para o setor de uso da terra, levando em conta formas de também combater a desertificação e a degradação da terra e ao mesmo tempo aumentar a segurança alimentar. 

A mudança do clima já observada está afetando os quatro pilares da segurança alimentar: disponibilidade, acesso, uso e estabilidade por conta do aumento das temperaturas, mudança nos padrões de chuvas e a maior frequência de alguns eventos extremos. Milho e trigo estão entre as culturas mais prejudicadas Foto: ED DOURADO/ESTADÃO

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Se na maioria dos casos, agir contra as mudanças tem múltiplos co-benefícios, contribui positivamente com o desenvolvimento sustentável e colabora com essas questões, em alguns casos, pode haver alguma competição por terra.

“O relatório destaca que a humanidade vai ter de fazer opções difíceis entre a necessidade de expandir o tamanho das florestas para capturar CO2 da atmosfera, aumentar a produção de biocombustíveis para ajudar na redução das emissões, aumentar a produção de alimentos e reduzir drasticamente o desmatamento”, comenta o físico Paulo Artaxo, professor da USP e autor do segundo capítulo do documento.

“Se aplicadas na escala para remover CO2 da atmosfera no nível de várias gigatoneladas por ano, o plantio de florestas, o reflorestamento e uso da terra para fornecer matéria-prima para bioenergia poderia aumentar muito a demanda por conversão de terras”, escrevem os autores no sumário executivo.

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Papel da agropecuária

Para Artaxo, o documento coloca pressão sobre os países em desenvolvimento tropicais – área do planeta onde é possível reflorestar mais rapidamente. O texto não cita nenhuma nação especificamente, mas o pesquisador acredita que a mensagem está clara. “No caso do Brasil, por exemplo, fica uma pressão para que o País cumpra sua própria meta feita junto ao Acordo de Paris de reduzir o desmatamento ilegal a zero e de reflorestar 12 milhões de hectares de terra até 2030. Isso é fundamental”, diz o físico. Artaxo pontua ainda que o relatório coloca na berlinda as enormes emissões do setor agropecuário.

“Antes não era tão explícito, mas agora mostrou o elefante na sala que é a produção de alimentos. Levanta a peteca de que o setor tem de tomar mais cuidado com suas emissões. E, mais uma vez, para o caso do Brasil, deixa claro que a agricultura de baixo carbono é fundamental para o País. É estratégico. Se o Brasil quiser continuar sendo um líder na produção agrícola, terá de mudar a tática e investir no baixo carbono. E as emissões de metano das centenas de milhões de bois e vacas do País terão de ser diminuídas.”

A engenheira Suzana Kahn Ribeiro, vice-diretora da Coppe/UFRJ, concorda com o colega. “Há um desconhecimento completo do atual governo em relação aos benefícios competitivos que o País teria se migrasse para uma agricultura de baixo carbono”, afirma a especialista.

“Somos o país mais megadiverso do mundo, temos mais de 70% das espécies do planeta, 20% da água superficial do planeta está no nosso território; isso tudo pode nos levar a um patamar de potência, mas precisamos ter uma visão mais moderna da bioeconomia”. diz.

Ondas de calor já estão mais frequentes e intensas e estima-se que vão ficar ainda mais intensas, frequentes e duradouras, segundo o IPCC.A frequência e a intensidade de secas tambémdeve crescer no sul da Amazônia, na região mediterrânea, na Europa central e no sul da África Foto: BERTRAND GUAY / AFP

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